ARTE
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em dez. 2023
O termo Arte, do latim Ars ou artis, deriva do grego tékne “que significa todo e qualquer meio apto à obtenção de determinado fim, e que é o que se contém na ideia genérica de arte” (NUNES, 1999, p. 9). Dentro deste significado de arte cabe tanto as artes manuais, produzida por artífices, que possibilitam a fabricação de objetos destinados ao uso, quanto aquelas definidas pelos gregos como artes imitativas, ou seja, a Pintura, a Escultura, a Poesia e a Música. Os filósofos gregos definiam, portanto, cada uma destas artes, como artes miméticas, que tem por essência comum a imitação.
O pintor e o escultor reproduzem a aparência exterior dos corpos e das coisas em geral que tomam por modelo e, por isso, imitam algo que existe na realidade exterior. Que tipo de imitação seria, no entanto, a música? A música imita, através do ritmo, determinados sentimentos.
Há ritmos que imitam a baixeza e o desregramento, existem harmonias patéticas, melancólicas e lânguidas, como há as entusiásticas, enérgicas e marciais. É como se a música pudesse exteriorizar, no tempo, a qualidade afetiva dos sentimentos humanos. Ela imitaria, assim, um conteúdo psíquico ou moral: a forma das combinações de sons corresponderia à forma característica do entusiasmo, da tristeza, da melancolia etc. (NUNES, 1999, p. 18).
Os Filósofos Gregos
O primeiro questionamento filosófico sobre a arte se deu através de Sócrates. O filósofo grego
entrou, certa vez, no ateliê do pintor Parrásio, e a este perguntou o que a Pintura poderia representar. A pergunta de Sócrates era uma indagação filosófica acerca da essência da Pintura, que transportava para o domínio das artes a atitude interrogativa que já tinha sido assumida pelos filósofos gregos em relação às coisas e aos valores morais (NUNES, 1999, p. 5).
Sócrates deu início a um processo de investigação filosófica que se pergunta pelo porquê das coisas e nesse processo interrogou sobre o conceito de Belo (to kalón) que, no caso da filosofia grega, tem implicações morais, intelectuais e espirituais que se relacionam com o seu sentido estético. Nunes (1999, p. 10) ressalta, no que concerne à acepção grega, que “o Belo é a qualidade de certos elementos em estado de pureza, como sons e cores agradáveis, das figuras geométricas regulares, das formas abstratas, como a simetria e as proporções definidas, a qualidade, enfim, de toda espécie de relação harmoniosa”.
O Belo se relaciona com a atividade intelectual pois o prazer estético decorre da atividade do ver e ouvir, que são de natureza intelectual e estão, por assim dizer, mais próximos da natureza imaterial da alma. A Beleza afeta tanto a inteligência quanto a alma da mesma forma como o gozo físico afeta as paixões. Já no que diz respeito à moral,
a Beleza é, justamente, o patrimônio das almas equilibradas, que conseguem manter-se em perfeita harmonia consigo mesmas, a igual distância da virtude e do vício, ocupando o meio termo da moderação, que constituiu, para Aristóteles, a medida do Bem. As duas ideias, a do Belo e a do Bem, foram unidas por Sócrates e Platão, união essencial, teórica e prática, que o pensamento filosófico transformou num ideal pedagógico (NUNES, 1999, p. 10).
Faz parte dos ensinamentos de Sócrates a ideia de que tudo o que é belo é útil, pois o mais belo cavalo é o que melhor corre, a mais bela ânfora é a que melhor serve. Sócrates não separa a Beleza do Bem (agathós) e nem mesmo da Verdade, pois o Belo e o Bom representam, de alguma forma, a Verdade, que coincide com o Ser em sua plenitude.
Discípulo de Sócrates, Platão aprofundou a discussão sobre o tema da arte em sua obra A República.
Levando em conta o caráter representativo da Pintura e da Escultura, o filósofo concluía, nesse diálogo, não só que essas artes estão muito abaixo da verdadeira Beleza que a inteligência humana se destina a conhecer, como também que, em comparação com os objetivos da ciência, é supérflua a atividade daqueles que pintam e esculpem, pois o que produzem é inconsistente e ilusório. Por outro lado, Platão observa que a Poesia e a Música exercem influência muito grande sobre os nossos estados de ânimo, e que afetam, positiva ou negativamente, o comportamento moral dos homens (NUNES, 1999, p. 5).
Platão suscitou pelo menos três ordens de problemas acerca das artes em geral, seja em relação a essência da obra de arte comparada com a realidade (em especial as obras pictóricas e escultóricas), seja a relação entre as artes e a beleza, seja em relação aos efeitos morais e psíquicos da música e da poesia.
Dentro de tal contexto, onde a atividade artística não fica isolada do problema mais geral da realidade e do conhecimento, do sentido da Beleza e da vida psicológica e moral, Platão conseguiu problematizar, isto é, transformar em problema filosófico a existência e a finalidade das artes [...] Já não bastava mais a simples fruição da Pintura, da Escultura e da Poesia. Agora, elas também passam a constituir objeto de investigação teórica. É o pensamento racional que as interpela sobre o seu valor, sua razão de ser e o seu lugar na existência humana (NUNES, 1999, p. 5).
O pensamento platônico se baseia na existência de uma beleza universal e as coisas do mundo no qual vivemos são belas na medida em que participam dessa beleza universal. Essa beleza universal, transcendente, infunde no plano material as qualidades que enriquecem a matéria. O conhecimento filosófico, para Platão, passa por etapas, passando pelo conhecimento dos belos corpos e das belas ações, para o das belas almas e dos belos conceitos, até que finalmente alcança a contemplação da beleza universal.
O pintor e o escultor imitam objetos exteriores presentes no mundo, mas essa imitação é de uma natureza inferior, pois ela reproduz as formas terrenas e do mundo sensível. “A Pintura e a Escultura não imitam a ideia, a forma essencial, que é a verdadeira realidade, mas a aparência sensível, já ilusória, defectiva, que o conhecimento intelectual tem por fim ultrapassar” (NUNES, 1999, p. 18). Há, no entanto, outra realidade, a do mundo inteligível, que só pode ser alcançada por um esforço do intelecto. Por consequência, na filosofia de Platão, a obra de arte está, hierarquicamente, abaixo da própria realidade sensível, que é apenas aparência da verdadeira realidade. É uma imitação de uma realidade que, por sua vez, já é imitação de outra realidade (a realidade sensível é uma cópia imperfeita do mundo das ideias). Por isso a arte é imitação da imitação e há uma certa consideração da obra de arte como sendo algo inferior na filosofia de Platão.
O artista imita por deficiência de conhecimentos. Se fosse verdadeiramente sábio, não trocaria a realidade pela aparência. Sua práxis, supérflua, é apenas um jogo, uma atividade gratuita, que nada tem de séria, e que pode, contudo, aumentando a sedução equívoca da matéria sobre a sensibilidade, enredar a alma na trama de falsos sentimentos e emoções, facilmente suscitados pela Música e pela Poesia (NUNES, 1999, p. 18).
A questão da arte é debatida no diálogo A República, onde Platão estabelece princípios morais e políticos necessários à organização de uma sociedade perfeitamente justa, com o primado dos valores éticos. Neste contexto, a poesia é admitida como instrumento de tais valores, subordinada à finalidade pedagógica visada pelo Estado. Mas aqueles poemas que descrevem de maneira pungente o sofrimento dos heróis ou relatam os caprichos e desejos mesquinhos dos deuses, transmitindo falsos valores, devem ser banidos da cidade. Platão reconhece o valor artístico da poesia, desde que não sejam falseadores da verdade e, por isso, prejudicial à formação moral e cívica dos jovens da República. A supremacia dos valores morais sobre os valores estéticos tem como consequência a decisão política de banir tais poetas e censurar suas poesias.
Discípulo de Platão, Aristóteles desenvolveu e sistematizou as reflexões sobre as artes em sua obra Poética, onde o filósofo discorre sobre temas como a origem da poesia, os tipos de gêneros poéticos (tragédia e comédia, por exemplo).
A Arte, enquanto processo produtivo, formador, que pressupõe aquilo que ordinariamente chamamos técnica, e enquanto atividade prática, que encontra na criação de uma obra o seu termo final, é póiesis. Foi como póiesis que Aristóteles estudou a Epopéia, a Tragédia e a Comédia, e abordou, em princípio, a Pintura e a Música, entendendo que é a imitação (mimese) da realidade natural e humana, a essência comum das artes (NUNES, 1999, p. 11).
Além de se debruçar sobre a ideia do Belo, como objeto de contemplação, Aristóteles relacionou o caráter contemplativo do Belo com a ideia de poiesis, a atividade formadora que tem por fim a realização de uma obra.
Aristóteles irá conferir um outro significado à ideia de imitação, dada por seu mestre Platão. Aristóteles entende a obra como imitação, tal como Platão, mas Aristóteles percebe na natureza uma tendência natural, de homens e animais, para a imitação, portanto, não como sendo algo inferior, mas natural. A imitação que pode ser encontrada no homem desde sua infância decorre da necessidade de aprendizado, é um meio de aprender e conhecer. Por isso
Aristóteles valoriza a obra de arte em função de sua semelhança com o real. Aceita-a como aparência mesmo. Ela não é nem completamente real, verdadeira, nem cabal ilusão. Está a meio caminho da existência e da inexistência, apoiada nesse termo médio da realidade, que Aristóteles chama verossimilhança (NUNES, 1999, p. 19).
Arte e Religião na Idade Média
A Idade Média tem como principal característica o teocentrismo: teo (que significa Deus em grego) e centrismo que vem de centro. Portanto, todas as investigações e especulações, filosóficas e religiosas, têm Deus como centro absoluto. O mesmo princípio recaiu também sobre as Artes. De Deus provém “a beleza inteira da criação, testemunho de sua grandeza e sabedoria infinitas, que deleita a alma, antecipando o gozo sobrenatural da vida eterna. Essa beleza, que em Deus se origina, e que é por Ele reabsorvida, é a única que realmente interessa aos pensadores cristãos” (NUNES, 1999, p. 16).
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino são os principais expoentes da filosofia patrística e escolástica, respectivamente.
São Tomás de Aquino dedicou uma parte de sua Suma Teológica ao estudo do Belo. “A Beleza é, para o Santo Doutor, uma propriedade transcendental do Ser, paralela à Verdade e ao Bem” (NUNES, 1999, p. 16). Aquino aceita a conceituação genérica que Aristóteles oferece para a Arte e considera o fazer artístico um hábito que não está diretamente relacionado com a Beleza.
Renascimento
É a partir do período do Renascimento que a ideia de belas-artes irá ganhar uma posição específica bem definida, ao contrário do que acontecia ainda na Idade Média, quando as artes apareciam associadas a outros temas, como a agricultura, a caça, a navegação e a medicina que, ao lado do teatro e da arquitetura, constituíam as artes servis, e a gramática, a retórica, dialética, geometria, aritmética e astronomia que, ao lado da música, constituíam as artes liberais.
Verifica-se, no Renascimento, importante mudança na atitude que vinha da Idade Média, em relação à Pintura, à Escultura e à Arquitetura, então consideradas artes mecânicas, servis. Artistas como Alberti (1404- 1472) e Leonardo da Vinci reivindicam para essas artes a condição de atividade intelectual, antes somente conferida à Poesia. Dá-se o reconhecimento das Belas-Artes como síntese da práxis com a imaginação, da atividade formadora com a inteligência, que se destina a patentear a beleza das formas naturais em obras que solicitem, ao mesmo tempo, a visão sensível e a contemplação intelectual (NUNES, 1999, p. 19).
O Renascimento presta à Pintura e à Escultura um valor não alcançado nem mesmo na Antiguidade.
Modernidade
No século XVIII surge, como disciplina filosófica, a Estética com o objetivo de estudar o Belo e suas manifestações na Arte. Seu fundador foi Alexander Gottlieb Baumgarten (1714-1762), discípulo do filósofo Christian Wolff, que publicou em 1750 Aesthetica sive theoria liberalium artium (Estética ou Teoria das Artes Liberais). É nessa obra que ele conceitua a Estética como ciência do Belo e da Arte. “A Estética de Baumgarten inspirou-se, sobretudo, na ideia de que a Beleza e seu reflexo nas artes representam uma espécie de conhecimento proporcional à nossa sensibilidade, confuso e inferior ao conhecimento racional, dotado de clareza e que tende para a verdade” (NUNES, 1999, p. 7).
Os avanços do estudo da Estética devem-se em grande parte ao filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), sobretudo a partir de sua obra Crítica do juízo. “A filosofia de Kant, possibilitando uma nova compreensão teórica do Belo, abriu horizontes para a reformulação do problema das relações entre Arte e Realidade” (NUNES, 1999, p. 21).
Vivendo na mesma época que Kant, porém um pouco mais novo e tendo falecido apenas um ano depois do filósofo, Friedrich Schiller (1759-1805) escreveu Sobre a educação estética da humanidade, onde se detém longamente no estudo de Kant. Schiller faz alusão ao conceito de lúdico (impulso para o jogo), como uma manifestação de ordem espiritual e que se apresenta como jogo estético: “O impulso lúdico joga com a Beleza, que Schiller define como forma viva. A Beleza surge na convergência do subjetivo com o objetivo, do sentimento com a forma, que esse impulso determina” (NUNES, 1999, p. 25). O jogo estético põe em jogo a realidade e o impulso lúdico é um impulso artístico que o artista transforma em obra de arte.
Contemporaneidade
A Arte Contemporânea abarca diferentes movimentos artísticos, é constituída por uma série de estilos, perspectivas e técnicas e, apesar de preservar alguns valores artístico da Arte Moderna, apresenta rupturas configurando uma nova mentalidade no mundo artístico.
Na área da filosofia merece destaque o filósofo alemão Nietzsche, autor da obra A Origem da Tragédia. Nietzsche fala de uma vontade de potência que é a origem da criação artística e é apenas a partir da criação artística que podemos dar sentido a existência humana. O filósofo alemão fala de dois impulsos, o apolíneo e o dionisíaco, que refletem o domínio da Vontade universal. O dionisíaco, que tem origem nas orgias dionisíacas ou báquicas, é uma tendência para o êxtase, de onde se origina o canto e a dança que, por sua vez, originam a tragédia, a partir de uma efusão emocional provocada pela música. O apolíneo é uma força geradora da poesia lírica e das artes plásticas: “é a tendência da energia vital dos desejos e dos sentimentos para se condensar em formas bem delimitadas. Essas formas exteriorizam os conteúdos da nossa experiência, tendo por função equilibrar os seus contrastes e arrefecer os seus conflitos latentes ou manifestos” (NUNES, 1999, p. 31). Adepto da ideia de uma arte pela arte, que não esteja subjugada aos valores morais, os valores estéticos, para Nietzsche, são superiores aos demais. A arte não está subordinada à Ética, mas acima do Bem e do Mal. Através da arte o homem manifesta a sua vontade de poder e cria um sentido para a existência, mesmo que a criação artística se afaste da realidade.
A questão da arte também mereceu atenção por parte da vertente filosófica do marxismo. No marxismo, a ideia básica é que a superestrutura da sociedade, que inclui o direito, a religião, a filosofia e a arte, é determinada pelas relações de produção, ou seja, pela infraestrutura econômica. A arte está inseria nesta visão de mundo, que pertence, então, a superestrutura da sociedade, sendo como todas as outras formas de conhecimento, um produto derivado da atividade social. A experiência criadora do artista reflete sua situação social, seja em decorrências das relações entre as classes e de suas ideologias, ou em decorrência do estado de espírito e dos costumes de um determinado momento histórico.
Num artigo intitulado "Da Arte", Georges V. Plekhanov (1856-1918), teórico marxista, que tentou desenvolver e aplicar de maneira consequente aqueles princípios, diz que as impressões estéticas, que dependem das ideias determinadas pelas condições da vida social, isto é, pelas bases econômicas da sociedade, não existem em estado puro. Elas mudam se essas condições se alteram, alterando o gosto e o conteúdo das manifestações artísticas. Só é permanente a capacidade do homem para experimentar impressões estéticas (NUNES, 1999, p. 42).
O artista cristaliza na sua criação uma determinada realidade social, responde aos apelos do meio em que vive, dos problemas morais, sociais e políticos. A obra é individualmente criada, mas socialmente condicionada.
Individualmente criada e socialmente condicionada, a obra de arte une, em si mesma, na unidade da forma e do conteúdo que a singulariza, a experiência individual e a social. Essa união é dialética e reversiva: dialética na medida em que é uma experiência ativa e inclusiva, que apreende, forma e interpreta os dados da realidade que condiciona a consciência do artista, ultrapassando o unilateralismo e a tendenciosidade das ideologias; reversiva porque o produto da criação, a obra, é sempre um objeto-mundo, que contém, de maneira latente, a dialética da qual surgiu e que, uma vez reconstituída, pode levar-nos de volta à experiência qualitativa nela concretizada (NUNES, p. 44).
Para mais detalhes sobre o aspecto social da arte e sua relação com a política veja mais em: Arte e Política
Referência
NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. 4 ed. [S. l.]: Editora Ática, 1999.
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