ESTOICISMO

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jan. 2019

atualizado em mar. 2024

O Estoicismo é uma escola filosófica do chamado período Helenista. Ganhou este nome pelo pórtico pintado (Stoá poikílé) onde foi fundada e onde os filósofos se encontravam, por volta de 300 a.C. Atribui-se a Zenão de Cítio (333-261 a.C.), da ilha de Chipre, a origem da doutrina Estoica.

Zenão não era cidadão ateniense e, como tal, não tinha direito de adquirir um edifício; por isso, ministrava suas aulas em um pórtico, que fora pintado pelo pintor Polignoto. Em grego, "pórtico" diz-se stoá. Por essa razão, a nova Escola teve o nome de "Estoá" ou "Pórtico" e seus seguidores foram chamados "os da Estoá", "os do Pórtico", ou simplesmente "Estoicos" (ANTISERI; REALE, 2007, p. 280).

Quando Zenão chegou em Atenas encontrou várias doutrinas e escolas filosóficas: lá estavam em atividade a Academia fundada por Platão, dirigida por Polemon; o Liceu de Aristóteles, dirigido por Teofrasto; além das ideias propagadas por Epicuro e as escolas socráticas menores, como: os cínicos, cirenaicos e megáricos.

Ao chegar a Atenas em 312/311, fre­quentou sucessivamente diversos mestres, primeiro o cínico Crates (e desta iniciação socrático-cínica à filo­sofia restam vestígios nas notícias que temos de uma República, escrita por Zenão, provavelmente em polé­mica com a obra homónima de Platão e com alguns conteúdos paradoxais ou escandalosos do livro), em seguida os megáricos Estílpon e Diodoro Crono, com os quais deve ter aprendido muito de dialética, e por fim o académico Pólemon. Mas já em 301 Zenão era capaz de expor um seu ponto de vista em conversações e lições que começou a dar sob o Pórtico pintado (Stoa poikile) de Atenas, do qual a escola que informalmente se constituiu retiraria o nome de «estoica» (DONINI; FERRARI, 2012, p. 311-312).

Em meio a todo este conjunto de ideias existentes em Atenas, Zenão desenvolveu suas próprias teorias. O que a filosofia de Zenão pregava era o viver de acordo com a razão e o bem, ou mais especificamente, viver de acordo com a Natureza. Zenão postulou a ideia de que a Natureza é permeada de racionalidade e o mundo é um todo orgânico e solidário, dirigido por uma razão universal (logos universal). Na filosofia estoica não há lugar para o acaso e a desordem. Há uma racionalidade universal no Mundo (cosmos) e o objetivo da moral (as escolas filosóficas deste período dão grande ênfase ao aspecto moral) será, por isso mesmo, submeter-se a essa racionalidade, ou seja, “seguir a Natureza”.

Seguir a Natureza significa seguir uma vida de virtude pois, se a Natureza é boa e racional, então o homem deve procurar viver segundo a razão e o bem, isto é, tornar-se virtuoso. Nas palavras de William Li (apud SÊNECA, 1993, p. 15):

A virtude será o ideal máximo dos filósofos estoicos que, por se apegarem exclusivamente a ela, desprezaram os outros bens considerados importantes para os homens... Daí surge a imagem popular do sábio estoico como aquele que é indiferente aos prazeres, bem como às adversidades do mundo, e se mantém obstinadamente preso a seu único ideal de virtude.

O Estoicismo se caracteriza principalmente pelo primado das questões morais. Abbagnano (2007, p. 375) resume como sendo os principais fundamentos da filosofia estoica: 1) a divisão da filosofia em lógica, física e ética; 2) concepção da lógica como dialética; 3) análise sobre a teoria dos signos (antecedente da semiótica moderna); 4) conceito de razão divina (logos); 5) a razão é um guia infalível para o ser humano; 6) exaltação da apatia como ideal do sábio, ou seja, ausência de toda paixão perturbadora do espírito; 6) doutrina cosmopolita: o homem como cidadão do mundo.

O Estoicismo costuma ser dividido em três fases: o antigo estoicismo (séc. III-II a.C.), que teve origem com Zenão, Cleanto e Crisipo; o médio estoicismo (séc II a. C.) de Panécio e Possidônio; o novo estoicismo (séc. I a.C. a II d.C.) de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio.

O Antigo Estoicismo 

A importância filosófica de Zenão em Atenas foi tamanha que o povo de Atenas concedeu ao filósofo uma coroa e um túmulo de cerâmica e sobre ele há dois decretos onde é dito:

Zenão de Cítio, filho de Mnaseas, ensinou filosofia durante muitos anos em nossa cidade; foi um homem de bem; ele convidava os jovens que o frequentavam à virtude e à temperança, ele os conduzia pelo caminho certo e ofereceu a todos a sua própria vida como exemplo, que era conforme as teorias que ele expôs. Com a maior admiração pelas suas qualidades morais, não há vestígios do seu papel político (DIÓGENES LAÉRCIO, VII, 10 apud BRÉHIER, 1928, p. 292, tradução nossa).

 

Além de Zenão, merecem destaques nesse período do Estoicismo: Cleantes (331-232 a.C.) de Assos e seu discípulo Crísipo (281-208 a. C.) de Solos. Vale ressaltar que todos eles eram metecos, ou seja, estrangeiros na cidade de Atenas e, por isso, não podiam se ocupar diretamente dos assuntos políticos da cidade, o que justifica o fato de não terem tido grandes preocupações com assuntos políticos. “Zenão e Cleantes nunca pediram para eles direitos de cidadania ateniense, e Zenão, dizem-nos, manteve o seu título de citiano” (BRÉHIER, 1928, p. 290, tradução nossa).

As obras de Zenão e Crísipo se perderam. As informações que temos a respeito sobre ambos são aquelas obtidas a partir de Diógenes Laércio. “As únicas obras estoicas que possuídos são as de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio que datam da época imperial, quatro séculos após a fundação do estoicismo” (BRÉHIER, 1928, p. 292, tradução nossa). É difícil constituir os principais ensinamentos do estoicismo antigo pois as suas principais fontes são de épocas posteriores de filósofos como Cícero, Fílon de Alexandria e de adversários como Plutarco, autor obras como: Contra os Estoicos e Contradições dos Estoicos, além de outras fontes como o médico Galeno, Sexto Empírico e Orígenes de Alexandria. Os esforços para compreender as ideias do estoicismo antigo se dão a partir dessas referências e com isso podemos traçar algumas linhas gerais de seu pensamento.

Em geral, reconhece-se no Estoicismo “uma visão ampla do universo que dominará o pensamento filosófico e religioso em toda antiguidade e em parte dos tempos modernos” (BRÉHIER, 1928, p. 294, tradução nossa). Uma visão do universo que inclui uma física e uma cosmologia vitalista com ideias médicas sobre o corpo e a alma embora não tenham sido eles os primeiros a instituir, em se tratando de teorias médicas, uma cosmologia vitalista (já presente entre pitagóricos do século IV a. C.). Há também entre os estoicos antigos uma visão sobre Deus, de sua relação com o homem e com o universo, que não encontramos semelhante entre os gregos antigos.

o Deus dos estoicos [...] é um Deus que vive em sociedade com os homens e com os seres racionais ​​e que organiza todas as coisas no universo a seu favor; seu poder penetra todas as coisas, e à sua providência não escapa nenhum detalhe, por mais ínfimo que seja. Nós concebe de uma maneira completamente nova a sua relação com o homem e a sua relação com o universo; ele não é mais um estranho solitário no mundo, que o atrai por sua beleza ; ele é o próprio trabalhador do mundo, cujo plano ele concebeu em seu pensamento (BRÉHIER, 1928, p. 298, tradução nossa).

 

A visão do universo e de Deus se liga diretamente ao racionalismo dos estoicos. Zenão é considerado como o profeta do Logos e nada existe fora do Logos, um Logos que elimina o elemento irracional e considera que na natureza como em todas as coisas não há senão a pura razão. Um racionalismo do Logos, como afirma Bréhier (1928), a qual se liga diretamente as três partes da filosofia: a lógica, a física e a ética. “É impossível que o homem de bem não seja o físico e o dialético; é impossível de realizar a racionalidade separadamente nestas três áreas” (BRÉHIER, 1928, p. 300, tradução nossa). Temos aqui uma filosofia que pressupõe, para o homem de bem (ética), a necessidade do conhecimento da natureza, do universo e de Deus (do logos universal). O conhecimento racional dos acontecimentos do universo implica na compreensão racional da própria conduta humana.

Sobre a física estoica, Bréhier (1928, p. 308, tradução nossa) pondera que ela “tem por objetivo levar-nos a representar-nos por imaginação um mundo totalmente dominado pela Razão, sem qualquer resíduo irracional” e que tudo se encaixa nessa ordem universal. O mundo é um sistema divino e todas as partes deste mundo são distribuídas divinamente.

À concepção de Deus, deve-se acrescentar a concepção de natureza, alma e destino que estão diretamente relacionadas com a moral estoica. “Nós seguimos, para expor esta moral, o plano indicado por Diógenes Laércio (VII, 84) como sendo aquele de Crísipo e de seus sucessores até Posidônio” (BRÉHIER, 1928, p. 321, tradução nossa). Os estoicos acreditam que existe uma natureza humana e que a excelência moral consiste em agir de acordo com essa natureza que é também divina. A base da vida moral consiste nas escolha que podemos fazer, diante de nossas inclinações (boas ou más), consistente com a natureza universal. “É seguramente o que quis dizer Cleantes ou Crísipo, propondo, como fim, viver conforme a natureza” (BRÉHIER, 1928, p. 327, tradução nossa). O sábio aceita com serenidade os eventos que resultam do destino porque ele sabe que estão de acordo com aquilo que determina a natureza: “aí onde o ímpio é arrastado pela força, ele se dirige voluntariamente; se ele sabe que o destino o quer mutilado ou pobre, ele aceita essa mutilação ou essa pobreza” (BRÉHIER, 1928, p. 327, tradução nossa). A resignação estoica é, na verdade, uma obediência. O sábio não obedece senão à natureza, a Deus e ao que a ele foi imposto. “Seguir a natureza, seguir a razão, seguir a Deus, este tripé ideal que nós veremos se dissociar mais tarde, não é senão um para os estoicos” (BRÉHIER, 1928, p. 327, tradução nossa). Esta visão pode levar falsamente a uma ideia de acomodação mas, a moral estoica, ao contrário, nos convida a ação. Como conciliar a obediência à natureza com a ação? Os estoicos consideram que o ser racional tem uma função, que é a de realizar a sua natureza, e essa realização, obviamente, não independe das escolhas que ele faz e, portanto, de suas ações: o cuidado com o corpo, os deveres para com a família, as funções públicas, a própria sabedoria. O sábio, portanto, deve realizar o seu dever através da ação.

O Médio Estoicismo 

O médio estoicismo é representado por filósofos como Panécio de Rodes e Posidônio de Apameia. Panécio foi o último escolarca (σχολάρχης), ou seja, diretor da escola estoica em Atenas, a partir de 129 a. C. Suas obras, da qual a mais famosa é Dos Deveres, abordaram uma variedade de temas, como o ócio, a serenidade da alma e a providência. A obra Dos Deveres foi escrita em 140 e, “segundo Cícero, contém sobre este tema uma discussão muito exata e sem controvérsias” (BRÉHIER, 1928, p. 400, tradução nossa).

Panécio também escreveu uma obra intitulada A Providência e produziu um comentário sobre o Timeu de Platão, de quem Panécio era um grande entusiasta: “ele tem um grande entusiasmo por Platão, o divino, o mais sábio, o mais santo, o Homero dos filósofos” (BRÉHIER, 1928, p. 398, tradução nossa).

Em uma época onde os principais representantes do estoicismo eram estrangeiros na cidade de Atenas e, por isso, não podiam participar diretamente de questões políticas, destaca-se o fato de que Panécio tenha adotado as doutrinas políticas de Platão e Aristóteles, destacando a importância das formas mistas de governo.

Panécio é um humanista, preocupado com a atividade civilizadora do homem. Seu ideal é a do homem de conduta honesta em uma sociedade civilizada, conforme nos atesta sua obra Dos Deveres e, consoante a doutrina da natureza estoica, Panécio defende que as virtudes humanas em geral não são senão tendências naturais que devem ser reguladas pela razão.

Posidônio foi aluno de Panécio em Atenas e, por volta de 97 a. C. viajou para Rodes, cidade natal do seu mestre, onde se tornou chefe de escola ao mesmo tempo em que ocupou importantes funções políticas e até se tornou embaixador em Roma, entre 87 e 86 a. C. “Suas relações com Roma foram constantes [...] Pompeu foi seu amigo pessoal e o visitou diversas vezes à Rodes; a lembrança de suas conversações foi guardada por Cícero, Plínio, o Velho e Plutarco” (BRÉHIER, 1928, p. 402, tradução nossa). Ele também foi amigo e mestre de Cícero que ficou em Rodes em 77 a. C. “Como Panécio, Posidônio aderiu de pleno coração ao partido romano” (BRÉHIER, 1928, p. 402, tradução nossa). Além de político, Posidônio foi também filósofo, historiador, geógrafo e astrônomo.

Posidônio combinou ideias estoicas com as de Platão promovendo uma síntese entre o estoicismo e o platonismo. Dos estoicos, considerou a ideia de um cosmo vivo e também o conceito de logos como um fogo divino que impregnou o universo e deu sua forma, ao qual procurou mesclar com o conceito de alma de tradição platônica: “a alma composta de dois elementos, um puro, e outro impuro, que contamina o primeiro e da qual o primeiro deve se libertar” (BRÉHIER, 1928, p. 404, tradução nossa).

Sêneca 

Lucius Annaeus Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) nasceu em Córdoba, na Espanha. Após se mudar para Roma onde recebeu sua educação tornou-se famoso como advogado e ascendeu politicamente, passando a ser membro do senado romano e depois nomeado questor e cônsul. Acusado de adultério retornou para a Espanha, para a cidade de Córsega, onde viveu por mais de 10 anos. Depois foi requisitado pela esposa do imperador Cláudio, para educar seu filho Nero. Quando Nero se tornou imperador em 54 d. C., Sêneca se tornou seu principal conselheiro. Mas essa relação dura pouco e em 65 d. C. Sêneca é condenado por Nero ao suicídio.

A doutrina filosófica de Sêneca, em consonância com os preceitos estóicos, privilegiava a harmonia do homem com a natureza, apoiando-se em preceitos morais, em uma época em que a sociedade romana passava por declínios de valores, tradições e costumes. Nesse contexto, Sêneca propõe uma série de reflexões de caráter moral onde se destacam valores como a honestidade, a verdade, o homem virtuoso desprovido de vícios.

Para Sêneca a atividade filosófica deve estar centrada na ação e no exercício da virtude; sua preocupação predominante é a utilidade moral da filosofia e todas as demais questões estão subordinadas à questão da reforma moral do indivíduo; o sábio é um “artífice da vida” e a filosofia tem como meta nos conduzir à reta ação. Por isso, diz Sêneca, “não há filosofia sem virtude, nem virtude sem filosofia” (In: SÊNECA, 1993, p. 15). “A prioridade dada à moral é o traço mais importante do pensamento de Sêneca e constitui uma das características da filosofia helenística e romana. A filosofia helenística é individualista e se propõe como uma ars vitae (arte de vida)” (In: SÊNECA, 1993, p. 15).

Estas são as principais características da filosofia para Sêneca: 1) servir de guia para nossas ações no bem: “ela ordena a vida, regula a ação, mostra o que deve ser feito e o que deve ser evitado” (In: SÊNECA, 1993, p. 15); 2) serve de consolo: em um mundo cheio de incertezas e instabilidade, a filosofia fortalece a alma diante da morte, da dor e das vicissitudes da condição humana; 3) a filosofia é comparada à medicina: fornece remédios para alma; 4) arte de morrer (além de viver): “vive mal quem não sabe morrer bem” (In: SÊNECA, 1993, p. 15).

Sêneca vai buscar na história, o que ele chama de os fundadores das sublimes filosofias, “homens cujas existências são verdadeiros exemplos para a humanidade e que estão sempre à disposição para atender aos que a eles recorrem” (MELO, 2005, p. 133), para nos auxiliar com o nosso desenvolvimento moral. São eles: Sócrates, Carnéades, Epicuro, os sábios Estoicos e muitos outros. Com o conhecimento que nos foi transmitido pelos sublimes filósofos e, dedicando-se o indivíduo a um amplo processo de reflexão “o homem estaria apto para iniciar a sua busca pela sabedoria, a qual levaria à felicidade. Esta configurava-se, para Sêneca, como o fim da vida humana” (MELO, 2005, p. 133).

A filosofia não se resume, para Sêneca, a preceitos ou um saber meramente teórico, mas define-se pela capacidade de agir, de exercício da virtude, dando forma e estrutura para nossa alma, orientando nossos atos, apontando-nos o que devemos fazer. “Em síntese, a preocupação de Sêneca era chegar à formação de um homem ideal, um agente social que correspondesse às necessidades de uma sociedade em transformação” (MELO, 2005, p. 134).

Revestido de tantas e inumeráveis qualidades, o homem que se torna uma sábio, pelos caminhos da filosofia, “teria condições para ser o legislador, o jurista, o político, porquanto era ele quem melhor sabia discernir o que era justo e injusto para o homem e para o Estado” (MELO, 2005, p. 136). Por causa das experiências negativas que Sêneca teve enquanto homem público, Sêneca julgava que o sábio somente deve se ocupar dos negócios públicos quando a sua presença for necessária e jamais quando for constrangido a fazer ou suportar algo que seja indigno de um homem de bem. O sábio deve se ausentar dos negócios públicos quando perceber que está envolvido em uma situação de opressão ou ambígua, retirando-se gradualmente para um lugar seguro. Um cidadão não pode se furtar à responsabilidade política pelo simples ato de fazê-lo, mas quando as razões o justifiquem.

O sábio se retira da vida pública e é aconselhado ao ócio, mas um ócio em que a ação é tão válida e tão digna quanto os negócios públicos. O sábio não leva uma vida inerte, mas se tornam útil aos homens pelos ensinamentos que os transmitem.

o sábio, embora levando uma vida retirada, nem por isso passa a situar-se à margem do Estado; o mais que sucede é que ele, deixando um lugarejo estreito, acede a espaços mais vastos e mais largos [...]. Sim, aconselho-te o ócio – um ócio em que a tua ação será mais válida e mais digna do que o mundo em que vivas (Cartas, 68, 2.10 apud MELO, 2005, p. 138).


Saiba mais em: Sêneca 

Marco Aurélio 

Marco Aurélio Antonino (121-180 d.C.) foi imperador romano durante quase 20 anos (de 161 d.C. até o ano de sua morte) e dedicou boa parte do seu tempo à reflexão filosófica, sendo o último representante da filosofia estóica. Marco Aurélio escreveu várias notas sobre seus pensamentos que depois foram reunidas e compõe suas Meditações ou Recordações: uma obra composta sobretudo de reflexões de caráter prático e aconselhamentos morais. “A obra de Marco Aurélio não fora somente um simples escrito, mas uma espécie de caminho formulado a ser seguido pelo imperador. O livro não contém confissões ou autobiografia, contém a moral e seus valores intelectuais” (ONESKO; VENTURINI, 2015, p. 2).

Em suas Meditações, Marco Aurélio reflete “sobre a fugacidade do tempo e a precariedade da vida, sobre a dificuldade de estar com os homens, sobre a sua inadequação não tanto de imperador ro­mano, mas simplesmente de homem, de ser racional” (DONINI; FERRARI, 2012, p. 418). “Uma das características do pensamento de Marco Aurélio, a que mais impressiona os leitores de Recordações, é a insistência com que ele tematiza e reafirma a caducidade das coisas, sua passagem inexorável, sua monotonia, insignificância e substancial nulidade” (ANTISERI; REALE, 2007, p. 331). Através de sua obra podemos ainda perceber alguns elementos do pensamento de Marco Aurélio, tais como: uma visão panteísta do Uno-Todo; uma visão do homem constituído de corpo, alma e mente; um dever moral no plano ético e antropológico que dá sentido ao viver; um forte sentimento religioso de devoção aos deuses.

Onesko e Venturini (2015) ressaltam a influência do estoicismo de Marco Aurélio sobre a moral e o direito. Representando um pensamento filosófico marcadamente de natureza moral, encontramos na obra do imperador reflexões sobre a honra, a serenidade, generosidade, piedade, beneficência e muito mais. “O imperador Marco Aurélio no decorrer do seu Império, utilizou-se da filosofia para construir e reafirmar uma postura imperial, uma postura embasada em valores morais estoicos” (id., ibidem, p. 6).

Em sua obra encontramos igualmente um sentimento de dever cívico para com a vida pública, enaltecendo as obrigações do cidadão romano que deve voltar-se para a comunidade. “Para o imperador, como para os homens, servir a Pátria e a cidade, seria a grande meta. Pois, ‘tudo que acontece a cada um é útil ao todo [...] tudo que é útil a um homem é útil também aos outros homens’” (AURÉLIO, 1977 p. 125 apud ONESKO; VENTURINI, 2015, p. 9). Como político procurou colocar seus princípios filosóficos em prática, a partir dos princípios que o marcaram como imperador estóico, tais como: “amor e apreço pela verdade e pela justiça, a concepção de uma constituição equilibrada, e de uma monarquia que considerava a liberdade do indivíduo” (BIRLEY, 1999, p. 95-96 apud ONESKO; VENTURINI, 2015, p. 12-13)

Marco Aurélio contribui com o desenvolvimento das leis romanas, ao instituir o registro de nascimento e enfatizar os direitos dos filhos adotados e órfãos no que diz respeito à guarda e ajuda (vale salientar que ele próprio era um filho adotivo).

Referências Bibliográficas 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5. ed. revista e ampliada. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ANTISERI, Dario; REALE, Giovani. História da Filosofia: Filosofia Pagã Antiga. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2007. vol. 1

AURÉLIO, Marco. Meditaciones - Introducción de Carlos García Gual. Madrid: Editorial Gredos, 1977.

BIRLEY, A.R. Marcus Aurelius, a Biography. Barnes & Nobles Books/Routledge, New York, 1999.

BRÉHIER, Émile. Histoire de la philosophie. Tome premier. L’Antiquité et le Moyen âge. Librairie Félix Alcan, Paris, 1928.

DONINI, Pierluigi; FERRARI, Franco. O exercício da razão no mundo clássico: perfil de filosofia antiga. Tradução de Mara da Graça Gomes de Pina. São Paulo: Annablume Clássica, 2012.

MELO, José Joaquim Pereira de. Sêneca: o papel do sábio na formação da humanidade. Série Estudos, Campo Grande-MS, n. 20, p. 129-141, jul./dez. 2005. Acesso em: 20 dez. 2018.

ONESKO, Stéfani de Almeida; VENTURINI, Renata Lopes B. As Meditações do Imperador Marco Aurélio. Anais da XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais, Maringá-PR, 18 a 20 de novembro de 2015.

SÊNECA. Sobre a brevidade da vida. Tradução, introdução e notas de William Li. São Paulo: Nova Alexandria, 1993.

____. Tratado sobre a Clemência. Tradução e introdução: Ingenborg Braren. Petrópolis: Vozes, 1990, 2013.