RAIMUNDO LÚLIO

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em dez. 2023


Raimundo Lúlio foi um escritor, filósofo, poeta, missionário e teólogo catalão. Sua data de nascimento parece incerta. Alguns autores colocam como sendo 1235, mas Abbagnano (s/d) adota o ano de 1232 ou 1235. “A sua atividade literária foi vastíssima e variada. Escreveu poemas, romances filosóficos, obras de lógica e metafísica, tratados místicos” (ABBAGNANO, s/d, p. 69). Ele é autor de mais de duzentas obras em catalão, latim e árabe (vale lembrar que no século XIII a Catalunha era dominada pelos árabes). Uma das suas principais preocupações era com a ética cristã e o ideal cavalheiresco que fez com que ele escrevesse o Livro da Ordem de Cavalaria (1274-1276).

 

Numa espécie de prólogo, o autor utiliza-se de diversos recursos narrativos das novelas de cavalaria para introduzir sua argumentação. Inicia a obra versando sobre um jovem escudeiro que, durante o inverno, fazia uma viagem para ser armado cavaleiro. [...] O escudeiro acorda e encontra um velho cavaleiro, que se tornou eremita, orando com um livro nas mãos. Conversaram e o escudeiro contou que em breve seria armado. O eremita lhe perguntou se conhecia a regra da Ordem da Cavalaria. O escudeiro respondeu que não e pediu-lhe que explicasse do quê se tratava (SILVA, 2013, p. 215-216).

 

Outra obra que merece destaque é O livro da lamentação da Filosofia, onde o filósofo faz um apelo ou “lamento” da filosofia. “Lúlio faz a crítica sobre as interpretações apresentadas pelos filósofos que veem a verdade só pela via da fé, desmerecendo a inteligência como necessária para o entendimento pela via da razão” (PERIN; GUERENDIÁIN; BONETTI, 2022,   p. 4). Na obra temos o personagem Intelecto que argumenta como tem sido sufocado por afirmações sem fundamentos pois é preciso considerar que o uso da razão também possibilita a busca por questões divinas. Lúlio procura promover aqui uma conciliação entre fé e razão, teologia e filosofia. Para o filósofo, o uso do intelecto poderia servir, inclusive, para fortalecer a fé. Nesta mesma via conciliatória entre filosofia e teologia podemos destacar também a obra Ars generalis ultima onde Lúlio elabora métodos de argumentação contrário a algumas teses defendidas por certos integrantes da Faculdade Parisiense de Teologia para quem os artigos de fé não poderiam ser provados racionalmente. O método de Lúlio “dos silogismos contraditórios é especialmente relevante, na medida em que envolve algumas concepções logicamente notáveis. Resultado do aperfeiçoamento gradual de uma técnica baseada em argumentos de refutação” (WYLLIE, 2012, p. 212-213). Já na obra Liber de syllogismis contradictoriis, como destaca Wyllie (2012), Lúlio abandona o método em questão e emprega outras técnicas argumentativas de sua própria autoria.

 

De caráter antiaverroísta, esse opúsculo encerra uma estrutura dialógica efetivamente determinada pela narrativa de uma suposta contenda entre um discípulo de Lúlio e um averroísta. No prefacio, o discípulo de Lúlio atribui quarenta e quatro teses ao averroísta, advertindo-o de que provará a falsidade de cada uma delas. Em seguida, ele disponibiliza, na primeira das três seções que integram a obra, dez pares de argumentos e contra-argumentos presumidamente representativos do pensamento dos contendores, elaborando-os com base em determinadas proposições (WYLLIE, 2012, p. 213).

 

Raimundo Lúlio ocupou um lugar de relevo na história da lógica medieval e se colocou em relação com pensadores como Arnaldo Villeneuve e com Duns Scot em Paris.

Quando tinha aproximadamente 30 anos (1265), Raimundo Lúlio abandonou a vida mundana e libertina para dedicar-se à vida religiosa, como consequência de uma intensa crise espiritual e uma visão mística que o convertera ao cristianismo: “afirma ter visto qual o seu destino ao se encontrar com a aparição mística do Cristo crucificado: doar toda sua vida à conversão dos infiéis e a propagação da fé católica, assumindo todo sacrifício inerente à sua escolha: o martírio” (MOREIRA, 2019, p. 53). Como consequência de sua conversão ao cristianismo, passa a combater fortemente o averroísmo e a filosofia muçulmana.

 

Eu fui um homem casado, tive filhos, era discretamente rico, lascivo e mundano. Tudo deixei de bom grado para me dedicar a fomentar a honra de Deus, o bem público e exaltar a santa fé. Aprendi árabe e fui muitas vezes pregar entre os sarracenos; por causa da fé fui preso, encarcerado e surrado. Quarenta e cinco anos eu trabalhei para mover a Igreja e os príncipes cristãos ao bem público. Agora sou velho, agora sou pobre, mas ainda tenho o mesmo propósito e o terei até a morte, se Deus quiser (LÚLIO, 2010, Prólogo, 12, p. 320 apud SOUZA, 2021, p. 535).

 

A obra em que Raimundo Lúlio apresenta um debate com o averroísmo, por exemplo, é O gentio e os três sábios, escrita de 1274 a 1276. Nesta obra há um debate entre um cristão, um judeu e um muçulmano. “Quem coordena esse debate é a própria Inteligência, personagem representada por uma mulher que os rodeia de perguntas e os leva a grandes dúvidas sobre tudo que cada um considera como verdade” (PERIN; GUERENDIÁIN; BONETTI, 2022, p. 6).

Uma outra área de interesse do filósofo foi a Alquimia, no entanto, há controvérsias sobre a ocupação de Raimundo Lúlio com esta Arte, que tem como base um conjunto de obras que lhe são atribuídas mas cuja autenticidade é duvidosa.

Aqueles que admitem a relação de Lúlio com a Alquimia utilizam como fonte a obra intitulada Clavicula, também conhecida sob o nome de Clef Universelle: “Nós chamamos esta obra Clavícula, porque sem ela, é impossível compreender nossos outros livros, da qual o conjunto abraça toda a Arte, porque nossas palavras são obscuras para os ignorantes” (apud POISSON, 1899, p. 27). Segundo Poisson (1899), o tratado Clavícula encontra-se no Theatrum chimicum e na Bibliotheca chemica Mangeli. Como o seu nome indica, é a chave de todas as outras obras de Raimundo Lúlio.

No que diz respeito a Alquimia, Raimundo Lúlio acreditava que a transmutação dos metais só poderia ser operada reduzindo-os à sua matéria primeira:

 

os metais não podem ser transmutados senão depois de ter sido levados a sua matéria primeira, o que é verdade. Te é necessário portanto reduzir primeiro os metais em Mercúrio... Eis porque eu vos aconselho, ó meus amigos, de não operar sobre o Sol e a Lua senão depois de os ter levados a sua matéria primeira que é o Enxofre e o Mercúrio dos filósofos... porque eu vos advirto nisto sob a fé do juramento do sermão, se vós não tirardes o Mercúrio dos dois metais, trabalhareis como cegos, na obscuridade e na dúvida (apud POISSON, 1899, p. 28 e 29).

Raimundo Lúlio em HQs e Adaptações Infanto Juvenis 

No Artigo de Souza (2021) há um interessante trabalho sobre atividades lúdico-educativas nas aulas de história considerando a figura do filósofo Raimundo Lúlio, onde o autor aponta

 

algumas orientações metodológicas para a incorporação de duas HQs sobre Lúlio: Auca de Ramon Llull (2003) e Ramon Llull, un home fantàstic (2016). O primeiro material teve as legendas adaptadas para o português e encontra-se disponível on-line; o segundo, publicado na revista Cavall Fort, está em catalão, razão pela qual suas legendas devem ser traduzidas (SOUZA, 2021, p. 537).

 

Como parte destes trabalhos temos as seguintes ilustrações (SOUZA, 2021, p. 537-544):

Fonte: Auca de Ramon Llull (2003), quadrinho 8. Ilustração: Jaume Gubianas 

Fonte: Auca de Ramon Llull (2003), quadrinho 2. Ilustração: Jaume Gubianas. 

Fonte: Auca de Ramon Llull (2003), quadrinho 30. Ilustração: Jaume Gubianas 

Fonte: Adaptação de Aurora Díaz Plaja. Ilustrações de Pilarín Bayés. 

Referências

ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Tradução de José Garcia Abreu. 3. ed. Vol. IV. Lisboa: Editoria Presença, s/d.

MOREIRA, José Cristiano Mansur. Raimundo Lúlio e o diálogo inter-religioso medieval (Século XIII). Revista Chilena de Estudios Medievales, Santiago, n. 16, p. 52-58, 2019. Acesso em: 15 dez. 2023.

PERIN, C. S. B.; GUERENDIÁIN, L. V.; BONETTI, C. P. G. de O. Raimundo Lúlio (1232-1316) e o Diálogo entre a Filosofia e a Teologia. Notandum, ano XXV, n. 60, p. 1-19, set./dez. 2022. Acesso em: 15 dez. 2023.

POISSON, Albert. Cinq traités d'alchimie des plus grands philosophes. Paris: Collection Sciences Hermetiques, 1899.

SILVA, Ademir Luiz da. A Távola Redonda e a Nova Cavalaria de Raimundo Lúlio. Revista Mosaico, v. 6, n. 2, p. 213-220, jul./dez. 2013. Acesso em: 15 dev. 2023.

SOUZA, Quilherme Queiroz de. Raimundo Lúlio, a Idade Média Global e o Ensino de História: Perspectivas de Abordagem. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 48, p. 531-557, maio/ago. 2021.

WYLLIE, Guilherme. Os silogismos e as suposições contraditórias de Raimundo Lúlio como métodos resolutivos de inconsistências. Trans/Form/Ação, Marília, v. 35, p. 209-224, 2012. Edição Especial.

 

Sugestão Bibliográfica

BONNER, A. The Art and Logic of Ramon Llull. A User’s Guide. Leiden: Brill, 2007.

FIDORA, A.; SIERRA, C. (Org.). Ramon Llull: From Ars Magna to Artificial Intelligence. Menlo Park: AAAI Press, 2011

JOHNSTON, M. The Spiritual Logic of Ramon Llull. Oxford: Clarendon Press, 1987.

OTTAVIANO. L’ars compendiosa de R. L., avec une étude sur la bibliographie et le fond ambrosien de Lulle. Paris, 1930.

PROBST. Caractère et origine des idées du bienheureux Raymond Lulle. Toulouse, 1912.

RAIMUNDO LULIO. Liber contradictionis. (Ed. H. Harada) Turnhout: Brepols, 1975, ROL VII, p. 137-58.

______. Liber de syllogismis contradictoriis. (Ed. H. Harada) Turnhout: Brepols, 1975, ROL VII, p. 169-98.

______. Liber facilis scientiae. (Ed. H. Harada) Turnhout: Brepols, 1975, ROL VII, p. 303-17.

______. Ars compendiosa Dei. (Ed. M. Bauza) Turnhout: Brepols, 1985, ROL XIII, p. 15-331.

______. Liber de modo naturali intelligendi. (Ed. H. Riedlinger) Turnhout: Brepols, 1978, ROL VI, p. 187-223.

ROSSI, Paolo. Clavis universalis. Milão, 1960.