Roger Bacon

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em dez. 2023


Roger Bacon (1214-1292), discípulo de Roberto Grosseteste, foi um dos maiores representantes da escola naturalista de Oxford e do experimentalismo científico do século XIII, sendo esta experiência carregada do caráter místico e religioso das investigações dos alquimistas da Idade Média. Conhecido como Doctor Mirabilis (Doutor Admirável), deu bastante ênfase ao empirismo e ao uso da observação no estudo da natureza.

 

... não é possível deixar de reconhecer a esta estranha figura de frade franciscano, alquimista e místico, experimentador e teólogo, o caráter de um precursor da ciência moderna. Em primeiro lugar, pelo valor que deu à investigação experimental, fundamento de toda a verdade mundana e supramundana. Em segundo lugar, porque reconheceu que a disciplina da investigação científica, a sua lógica interna, é a matemática (ABBAGNANO, s/d, p. 98).

 

Por volta de 1240, Roger Bacon ingressou na Ordem dos Franciscanos e nesse período foi influenciado por Roberto Grosseteste, dedicando-se aos estudos da natureza, introduzindo a observação e a experimentação como fundamentos do conhecimento natural sendo, por isso, considerado como um precursor do método científico desenvolvido mais tarde por Galileu Galilei. O papel de Bacon para o desenvolvimento da ciência experimental é destacado por autores como Whewell (1859) e Adamson (1876). “Devido à importância de Bacon para o desenvolvimento da ciência moderna, ele é sempre mencionado nas histórias gerais da alquimia e da química” (BREHM, 1976, tradução nossa).

Tal como Galileu, alguns séculos mais tarde, Roger Bacon também se destacou no campo da física e, particularmente, da ótica (leis da reflexão e da refração da luz). “Estudando as lentes, explicou como elas poderiam ser dispostas para a confecção de óculos (e a invenção dos óculos é precisamente atribuída a Bacon) e de telescópios” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 275).

Quando o frade franciscano fala da experiência como base do conhecimento, ele se refere tanto a experiência que obtemos através dos sentidos (externa), como também a uma experiência interior como forma de conhecimento e, neste ponto, suas ideias se aproximam da teoria da iluminação de Santo Agostinho. Para se chegar ao conhecimento temos, portanto, dois tipos de experiência: “interno no sentido de experiência da iluminação divina, na qual Santo Agostinho fala, e a externa através da experiência que obtemos através dos sentidos” (ARAÚJO, 2021, p. 35).

Em 1278, Jerônimo de Ascoli, então geral da ordem franciscana, “condenou as teorias de Bacon, impondo-lhe a clausura severa, isto é, o cárcere. Parece que Bacon morreu em 1292, ano ao qual remonta a elaboração do seu Compêndio dos estudos teológicos” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 274).

Sua principal obra é a Opus Maius (Obra Principal ou Maior), que trata de teologia, filosofia, lógica e ciências da natureza. Além desta, temos também a Opus Minus e a Opus Tertium. Na primeira parte da Opus Maius, como destacam Reale e Antiseri (2003), há uma análise dos obstáculos para o alcance da verdade, antecipando a famosa teoria dos ídolos de Francis Bacon, séculos mais tarde. Dentre estes obstáculos temos: “a) o exemplo da autoridade frágil e ingênua; b) o hábito contínuo; c) as ideias tolas do leigo; d) o ocultamento da ignorância por meio da ostentação de uma aparente sabedoria” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 274).

Frade e Filósofo Alquimista 

O frade franciscano também se destacou no estudo da Alquimia, realizando vários experimentos com metais como mercúrio e enxofre e é autor de um pequeno tratado de Alquimia intitulado Miroir D'alchimie (Espelho da Alquimia). Este tratado se encontra em Latim na Bibliotheca Chemica Mangeti, no Thesaurus Chimicus, no tomo II do Theatrum Chemicum e foi a partir deste texto que Albert Poisson fez a sua tradução (BACON; LE GRAND, 1974). De acordo com Poisson, as obras de Roger Bacon relativas à Alquimia foram reunidas em uma coletânea intitulada: Rogerii Baconis Thesaurus chimicus, un vol. in-8e. Francofurti, 1603 et 1620. Poisson (1899) é também autor da obra Cinq traités d'alchimie des plus grands philosophes e as citações de Roger Bacon foram extraídas desta obra.

Segundo o tratado de Roger Bacon, todos os metais seriam compostos de Mercúrio e Enxofre. Entretanto, o mercúrio e o enxofre, sozinhos, não podem engendrar os metais, senão pela sua união. Só assim, eles dão nascimento aos diversos metais e aos diversos minerais.

 

Como não se pode acrescentar aos metais senão substâncias tiradas deles mesmos, segue-se que nenhuma matéria estranha pode nos servir, mas que tudo o que é composto dos dois princípios, basta para aperfeiçoar, e mesmo transmutar os metais [...] E mais adiante no mesmo capítulo: Dois princípios compõem todos os metais e nada não pode se prender, unir-se aos metais ou os transformar, se eles não forem compostos dos dois princípios. É assim que a razão nos força a tomar por Matéria de nossa Pedra, o Mercúrio e o Enxofre (apud POISSON, 1899, p. 59 e 60).

                                                                                                   

Vemos claramente aqui que não podemos acrescentar aos metais senão substâncias tiradas deles mesmos. Este é o princípio básico e fundamental para que se opere a transmutação dos metais. Citando algum Filósofo que Bacon não nomeia, ele diz: “Natureza contém Natureza, Natureza se alegra da Natureza, Natureza domina Natureza e se transforma em outras Naturezas” (apud POISSON, 1899, p. 72 e 73).

Roger Bacon acreditava que a natureza aperfeiçoa a cada dia os seus metais através do fogo.

 

Não vemos que nas minas, os elementos grosseiros são tão cozidos e tão bem engrossados pelo calor constante existente nas montanhas que, com o tempo, se transformam em Mercúrio? Que o mesmo calor, o mesmo cozimento transforma as partes gordurosas da terra em Enxofre? Que este calor aplicado durante muito tempo a estes dois princípios, gera segundo sua pureza ou impureza todos os metais ? Não vemos que a natureza produz e aperfeiçoa todos os metais apenas cozinhando? (Chapitre IV, p. 04 apud POISSON, 1899, p. 65 e 66).

 

Mais adiante, Bacon, citando algum Filósofo que ele não menciona o nome diz: O calor aperfeiçoa tudo; é necessário cozer, cozer e recozer e não se fatigar (cf. p. 04). Ao filósofo, é necessário imitar a natureza. É necessário absolutamente que se tenha um forno semelhante as minas da natureza. No capítulo 5, no último parágrafo, Bacon cita Aristóteles:  « Eis porque Aristóteles diz em A Luz das luzes, que o Mercúrio deve ser cozido em um recipiente triplo de vidro muito duro ou, o que é melhor, em terra que possua a dureza do vidro » (Chapitre IV, p. 05 apud POISSON, 1899, p. 69).

Mas a Alquimia era, para Bacon, muito mais do que uma busca pela transmutação de metais ou de geração das coisas. Era também um conhecimento que

 

permite o entendimento do funcionamento do cosmo, necessária a diversas aplicações práticas, inclusive a transmutação alquímica ou seja, a alquimia especulativa busca uma compreensão filosófica do cosmo, sem a qual o alquimista não pode operar (SANTOS, 2011, p. 17).

 

O Mundo material, com o qual lida o alquimista, é parte de uma realidade divina onde o cosmo apresenta gradações qualitativas diversas e o homem ocupa um lugar privilegiado sendo ele próprio uma espécie de divindade. O homem (microcosmo) sintetiza o próprio cosmo (macrocosmo) e entre eles há uma profunda relação de correspondência. “O alquimista lida, portanto, com um mundo altamente integrado e, mesmo no caso de Roger Bacon, que enfatiza os aspectos materiais da alquimia, a operação alquímica é percebida como uma forma de aperfeiçoar o cosmos” (SANTOS, 2011, p. 21). A alquimia é um conhecimento secreto e “o saber alquímico é apresentado como um conhecimento para poucos, mesmo entre os sábios” (SANTOS, 2011, p. 23).

O filósofo divide a alquimia em prática e especulativa, sendo que a primeira “lida diretamente com a matéria, submetendo-a aos procedimentos que permitem alterar suas propriedades e criar ‘utilidades’, além de ser por meio dela que se realiza também a transmutação, seja do corpo ou dos metais” (SANTOS, 2011, p. 28). O objetivo era produzir ouro e prata ou um elixir da longa vida, que pudesse prolongar a existência dos indivíduos.

A Alquimia prática se relaciona de alguma forma com a especulativa pois a procura pelo elixir da longa vida está diretamente relacionada com a moral e até mesmo com o conceito de salvação, como sugere Brehm (1976), que propõe o diagrama mais abaixo, relacionando os conceitos de alquimia, moralidade, elixir e salvação. Como é possível perceber no diagrama, a moralidade conduz à salvação, é necessária para o conhecimento da Alquimia que, por sua vez, tem como objetivo produzir o elixir da longa vida. A Alquimia está ligada a salvação pelo pilar da moralidade e pelo pilar do elixir (com base nas ideias médicas de Bacon).

 

A “medicina” alquímica não apenas obtém ouro, escreve ele, mas “o que é infinitamente mais [importante], prolongará a vida”. O prolongamento da vida, além disso, está, por sua vez, intimamente ligado à moralidade. Bacon explana ao Papa que há duas razões para o início prematuro da velhice: a primeira é a falta de um regime adequado de saúde, que inclui o uso de drogas e elixires preparados alquimicamente; a segunda razão é o declínio da moralidade (BREHM, 1976, tradução nossa).

Roger Bacon_Opus Majus

Estudo sobre óptica na Opus Majus de Roger Bacon (1267)

Referências 

ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Tradução de José Garcia Abreu. 3. ed. Vol. IV. Lisboa: Editorial Presença, s/d.

ADAMSON, Robert. Roger Bacon: The Philosophy of Science in the Middle Ages. 1876.

ARAÚJO, Ivan Evangelista Sousa de. Frei Roger Bacon e a praticidade do conhecimento. Pensar – Revista Eletrônica da FAJE, v. 12, n. 2, p. 31-39, 2021. Acesso em: 09 dez. 2023.

BACON, Roger; LE GRAND, Albert. Miroir D’Alchimie; Le Composé des Composés. Traduits du latin en français par Albert Poisson. Arché: Milano, 1974.

BREHM, Edmund. Roger Bacon's place in the History of Alchemy [on line]. Ambix, v. 23, part I, mar. 1976. Acesso em: 12 dez. 2023

 

POISSON, Albert. Cinq traités d'alchimie des plus grands philosophes. Paris: Collection Sciences Hermetiques, 1899.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: Patrística e Escolástica. Tradução Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003. v. 2

SANTOS, Otávio Tavares de Lemos. Transmutação Alquímica na obra de Roger Bacon. Monografia (Bacharelado e Licenciatura em História), Departamento de História, Universidade de Brasília, Brasília, 2011.

WHEWELL, William. History of Inductive Sciences. New York: D. Appleton and company, 1859. 2 v.


 

Sugestão Bibliográfica


CHARLES. Roger Bacon, sa vie, ses ouvrages, ses doctrines. Paris, 1861.

CARTON. L’expérience physique chez Roger Bacon. Paris, 1924.

CARTON. L’expérience mystique de l’illumination intérieure chez Roger Bacon. Paris, 1924.

CARTON. La synthése doctrinale de Roger Bacon. Paris, 1924.