Plotino nasceu no Egito, na cidade de Licópolis, por volta de 204 ou 205 d. C., e morreu em 270 d. C., quando tinha sessenta e seis anos. Aos vinte e oito anos, no ano de 232 d. C., Plotino teve contato com Amônio Sacas, em Alexandria, de quem teve grande influência e cuja relação, mestre-discípulo, pode ser comparada àquela entre Sócrates e Platão, como destacam Reale e Antiseri (2003, p. 358): “Não é fortuito pensar que a relação entre Amônio e Plotino tenha sido mais ou menos a que existiu entre Sócrates e Platão”.
Por volta de 244 ou 245, Plotino vai para Roma, onde fundou uma escola filosófica e desenvolveu sua doutrina diante de um círculo de discípulos e a partir de 254 começou a escrever seus tratados onde registrou seus ensinamentos. O prédio onde ele dava aulas pertencia a uma de suas discípulas, Gemina, que mais tarde se tornou sua esposa.
Quem teve a responsabilidade de compilar e organizar os seus escritos e ensinamentos foi o seu discípulo, Porfírio, “que são em número de cinquenta e quatro, dividindo-os em seis grupos de nove, guiando-se pelo significado metafisico do número 9, de onde o título de Enéadas (ennea, em grego, significa “nove”)” (Reale; Antiseri, 2003, p. 358).
A I Enéada contém escritos de assunto ético; a II e a III são formadas por tratados dedicados na sua maioria ao mundo físico; a IV Enéada é inteiramente consagrada à alma; a V ao intelecto e às ideias; por fim, a VI ao ser e sobretudo ao Uno-Bem (Donini; Ferrari, 2012, p. 430-431).
Porfírio foi também o autor de uma biografia de Plotino, intitulada Vida de Plotino, que precede a edição das Enéadas.
Por Porfírio sabemos que Plotino começou a interessar-se por filosofia com vinte e oito anos de idade. Para realizar a sua vocação, transferiu-se para Alexandria onde frequentou as aulas de Amónio Sacas [...] frequentou a escola de Amónio por cerca de dez anos (233-43), e depois decidiu acompanhar a expedição ao Oriente do imperador Gordiano [assassinado por seus próprios soldados], com o objetivo de entrar em contato com a filosofia oriental, em especial a indiana e a persa (Donini; Ferrari, 2012, p. 429-430).
Os ensinamentos de Plotino se relacionam diretamente com as grandes filosofias gregas (platonismo, aristotelismo, estoicismo), sobretudo Platão. As teorias de Aristóteles e dos estoicos estão misturadas em seus escritos e, embora tenha visto nos primeiros filósofos (os pré-socráticos) homens inspirados, não deixou de fazer inúmeras críticas às suas ideias.
Só há um filosofo contra o qual nunca dirigiu sequer uma objeção de detalhe: Platão. Platão é o filósofo divino, o mestre, aquele que não é sequer preciso nomear ao citar [...] No começo da V Enéada, declara não ser mais que o “intérprete” da filosofia platônica. Interpretar Platão e, à luz dessa interpretação, recolher o que há de melhor em toda a filosofia grega, eis o que Plotino quis fazer (Bergson, 2005, p. 25).
Suas aulas se tornaram conhecidas e frequentadas por muitas pessoas. O Imperador Galiano e sua mulher Solomina apreciavam seus ensinamentos, “a tal ponto que chegaram a examinar um seu projeto de fundar uma cidade de filósofos, que deveria se chamar Platonópolis, cujos habitantes teriam de ‘observar as leis de Platão’, ou seja, viver realizando a união com o divino” (Reale; Antiseri, 2003, p. 358). Tal projeto, no entanto, não teve êxito.
De acordo com Bergson (2005, p. 10): “Liam-se em sua escola as obras dos platônicos e dos peripatéticos. Após essa leitura e uma curta meditação, Plotino expunha suas reflexões. Discutia-se muito e Plotino expressava-se com eloquência, mas sem correção”.
Em suas obras, Plotino se concentrou principalmente nas questões de ordem metafísica, do mundo transcendente, divino, da alma e consequentemente, em questões religiosas.
O Uno e as Três Substâncias
Plotino é um neoplatônico. Ele admite a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível. Mas acima dessa dualidade está o Uno. O Uno é a realidade última, identificado com a Ideia do Bem em Platão embora, ao falar do Uno, Plotino “dele não fala senão por negações; pois nenhuma das perfeições relativas, das quais temos a experiência ou mesmo a ideia, é bastante perfeita para ser atribuída ao Uno” (Aubenque, 1973, p. 206). Podemos citar como exemplo, a ideia de que o Uno não tem forma, não tem tamanho, não é uma pessoa, não é um ente (os seres criados) ou que não é cognoscível. Isto não significa dizer que Plotino tenha desistido de caracterizar o Uno de forma positiva, quando diz, por exemplo, que o Uno é uma hipóstase (substância), ou que é o criador do universo (dele emana as outras hipóstases) ou quando fala do Uno-Bem. Apenas reconhece que se trata de qualificações válidas em sentido relativo e não absoluto.
O Uno é comparado ao sol que emana luz sem a perder, a uma raiz infinitamente profunda de onde se desenvolve a “árvore do ser”, a uma nascente inesgotável de onde sai eternamente água, a uma substância aromática que emana perfume sem o perder, a um ponto luminoso de onde irradia uma luz poderosíssima (Donini; Ferrari, 2012, p. 442).
Para Plotino, a realidade se articula a partir de três substâncias (hipóstases): o Uno, a Inteligência/Espírito (Nous) e a Alma. Cada hipóstase deriva do Uno por uma espécie de diferenciação ontológica. O Nous, a segunda hipóstase, deriva do Uno e a terceira hipóstase, a Alma, deriva do Nous. É o Uno quem dá “ser” as coisas pois, tudo o que existe, existe por causa do Uno. O Uno cria, por emanação, a segunda hipóstase, o Intelecto, que por sua vez, cria por emanação a terceira hipóstase, a Alma. O mundo do intelecto é o próprio mundo inteligível das Formas Platônicas.
Acima da Alma e do Intelecto deve haver uma hipóstase superior, da qual o Intelecto, diretamente, e a Alma, através do Intelecto, recebem a unidade de que são dotados. Este princípio supremo só pode ser o Uno absoluto, isto é, o Uno anterior a qualquer forma de multiplicidade (Donini; Ferrari, 2012, p. 438).
As três hipóstases fazem parte do mundo incorpóreo e inteligível sendo que da Alma, deriva o mundo corpóreo e sensível. É da Alma que, por emanação, a matéria é criada sendo que, entretanto, não é propriamente uma hipóstase, pois a matéria “não possui suficientemente substancialidade para merecer o título de hipóstase. Diferentemente da inteligência e da alma, a matéria é incapaz de recolhimento e de consciência” (Aubenque, 1973, p. 204).
AUBENQUE, P. Plotino e o Neoplatonismo. In: CHÂTELET, F. (org.). A Filosofia Pagã: do século VI a. C. ao século III d. C. Tradução de Maria José de Almeida. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1973, p. 199-214.
BERGSON, H. Curso sobre Plotino. In: BERGSON, H. Cursos sobre a Filosofia Grega. Tradução de Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 1-82.
DONINI, P.; FERRARI, F. O exercício da razão no mundo clássico: perfil de filosofia antiga. Tradução de Maria da Graça Gomes de Pina. São Paulo: Annablume Clássica, 2012. (Coleção Archai: as origens do pensamento ocidental).
REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: filosofia pagã antiga. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003. Vol. 1
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