OS SOFISTAS
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em mar. 2024
No século V a. C., há uma genuína preocupação da Filosofia com os problemas da vida prática discutindo questões ligadas a moral, a política, a educação e a sociedade. Esta orientação, que deslocou o eixo de discussão dos principais problemas filosóficos do cosmo (mundo) para o antropos (homem) é devida, em parte, aos sofistas, dos quais os mais conhecidos são: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini, Pródico de Quéos, Hípias de Élis, Antifonte (ou Antífon de Ramno) e muitos outros. “Os Sofistas, com efeito, operaram verdadeira revolução espiritual (deslocando o eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmo para o homem e aquilo que concerne à vida do homem como membro de uma sociedade” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 73-74, grifo dos autores). Com os sofistas, inicia-se aquilo que Reale e Antiseri (2003, p. 74, grifo dos autores) chamam de “o período humanista da filosofia antiga”.
Originalmente, a palavra sofista deriva do termo sophistés, que por sua vez deriva de sophia e também sua derivação sophos, que significa sabedoria e sábio, respectivamente, mas os sofistas não representavam uma escola de pensamento homogênea, em razão da diversidade de temas e pontos de vistas defendidos. “Havia entre eles diferenças significativas e afinidades. As diferenças se estendiam às doutrinas, aos interesses e aos conteúdos que ministravam. Os sofistas não somente professavam doutrinas distintas, mas eventualmente também opostas” (CURADO, 2010, p. 34).
Além da caracterização de sábios, eram considerados sofistas os especialistas do saber ou professores errantes que viajavam de cidade em cidade oferecendo seus ensinamentos. Por isso, Jaeger (1995, p. 348) considera os sofistas como representantes de “um fenômeno do mais alto significado na história da educação. É com eles que a paideia, no sentido de uma ideia e de uma teoria consciente da educação, entra no mundo e recebe um fundamento racional”. Algumas personalidades importantes da história grega foram seus alunos como o governante de Atenas, Péricles (cerca de 495 a.C. - 429 a.C.) e também: “o historiador Tucídides (cerca de 460-400 a.C.), o escultor Fídias (490-431 a.C.), o comediógrafo Aristófanes (cerca de 450-385 a.C.) e os dramaturgos Eurípides (485-406 a.C.) e Sófocles (cerca de 497-405 a.C.)” (CURADO, 2010, p. 12).
Entretanto, a visão que se tornou célebre sobre os Sofistas é, em parte, aquela apresentada inicialmente por Sócrates e Platão, que tem uma conotação pejorativa e “que apresenta os Sofistas como um perigo para a cidade” (CARVALHO, 2004, p. 220). Com Platão, “o termo sofreu uma cisão entre o verdadeiro e o falso e sophistés passou a designar falsos filósofos, sábios aparentes, charlatães, enganadores e comerciantes de pseudo-sabedoria” (CURADO, 2010, p. 19).
Durante muito tempo os historiadores da filosofia adotaram, além das informações fornecidas por Platão e Aristóteles sobre os sofistas, também as suas avaliações, de modo que, geralmente, o movimento sofista foi desvalorizado e considerado predominantemente como momento de grave decadência do pensamento grego (REALE; ANTISERI, 2003, p. 73).
Se inicialmente sábio e sofista podiam ser considerados sinônimos, a palavra sofista passou a designar aquele que convence por meio de sofismas (um argumento impreciso e que tem objetivos meramente retóricos), em outras palavras, “herdamos o termo sofista como ilustração de uma postura moral e epistemológica indigna de um intelectual sério” (CURADO, 2010, p. 11).
Além de Platão, um outro discípulo de Sócrates, Xenofonte, autor da obra Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, também escreveu sobre os sofistas, onde “critica a venalidade dos novos mestres, chamando-os de ‘traficantes de sabedoria’” (CURADO, 2010, p. 39).
Temos ainda Aristóteles, cuja opinião é muito próxima daquele de seu mestre (Platão), “principalmente em relação à sua teoria ética social e política” (CARVALHO, 2004, p. 221). “Em seus Dos Argumentos Sofísticos, Aristóteles apresenta uma descrição da sofística semelhante à de Platão: ‘A arte sofística é o simulacro da sabedoria sem a realidade e o sofista é aquele que faz comércio de uma saberia aparente, mas irreal’” (CURADO, 2010, p. 39). Aristóteles acusa ainda os sofistas de fazer uso de falácias e de que o ensino dos sofistas promovia apenas artifícios de linguagens capazes de gerar confusão e incertezas. De acordo com a visão platônico-aristotélica, os sofistas concorriam para uma pseudo-sophia e que não tinha nenhuma pretensão de alcançar o conhecimento verdadeiro uma vez que “estariam inexoravelmente no âmbito da relatividade e do subjetivismo” (CASSIN, 1990 apud SANTOS, s/d, 60), ao contrário da verdadeira sabedoria que deve ter como pressuposto a busca pela verdade.
À parte os testemunhos do período clássico, encontramos comentários e citações em obras de vários escritores posteriores. É o caso de Plutarco (45-120 d.C.), Pausânias (c. 115-180 a.C.), Sexto Empírico (séc. II d.C.), Diógenes Laércio (200-250 d.C.), Filóstrato (cerca de 170-250 d.C.) e vários outros, reunidos em um único volume, no início do século XX, por Hermann Diels e reorganizados por Walter Kranz em 1952 (CURADO, 2010, p. 13).
Ao contrário de Sócrates e Platão que podem ser considerados como filósofos idealistas em relação ao conhecimento, à ética e à justiça, os Sofistas adotam uma teoria relativista desta mesma ética e da justiça, dos valores da democracia e até do conhecimento. Os sofistas se preocuparam com diferentes questões, “como o conhecimento da verdade, a liberdade, o papel da linguagem, tanto no conhecimento quanto nas decisões morais e políticas, a democracia, a natureza humana do ponto de vista ético, a lei e a justiça” (CARVALHO, 2004, p. 211). Seus interesses se voltaram para questões sobre ética, política, retórica, linguagem, educação. Além disso, os sofistas se ocuparam com uma reflexão eminentemente voltada para a ação, como é o caso da ação política, a qual não apresenta conteúdo idealista, como no caso de Sócrates e Platão, mas atende ao que é prático e imediato.
O contexto sociopolítico
No século V a. C. muitos pensadores foram atraídos para a cidade de Atenas e os sofistas tinham uma razão a mais para essa atração pois em Atenas eles eram muito bem pagos por suas aulas. Favorecia também o ambiente de relativa liberdade da cidade ateniense, a efervescência cultural e o novo regime democrático que tornavam a cidade o ambiente mais adequado para o exercício de suas atividades. Embora outras colônias gregas tenham recebido influência dos sofistas, já que eram grandes viajantes, “foi em Atenas que o movimento teve sua maior expressão, os sofistas tiveram confirmada sua reputação como professores e homens de grande cultura e inteligência” (CURADO, 2010, p. 21).
No contexto sociopolítico a distinção entre nomos e physis nos ajuda a entender o pensamento dos Sofistas, pois era comum para eles discutir questões sobre se a organização política do estado era natural (physis) ou convencional, baseada nas leis (nomos) humanas. Essa distinção na verdade não aparece nos primeiros sofistas, como Protágoras e Górgias, como ponderam Reale e Antiseri (2003, p. 81), mas é própria da época de sofistas como Hípias e Antifonte. Foi Antifonte quem radicalizou a antítese entre lei e natureza: “afirmando com termos eleaticos que a ‘natureza’ é a ‘verdade’ e a ‘lei’ positiva é a ‘opinião’, e que, portanto, uma está quase sempre em antítese com a outra” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 81).
De acordo com a distinção entre nomos e physis, não só a organização política do estado, como as próprias leis, as quais os homens estavam submetidos em sociedade, eram produzidas pelos próprios homens, ou seja, resultado de meras convenções sociais. “De forma que para eles [os sofistas] o convencional ou nomos era particular a cada cultura, cada povo, podendo, dessa forma, ser mudado mediante a aceitação de novos paradigmas, de novas leis, de novos costumes” (SANTOS, s/d, p. 63). Uma das frases mais famosas, atribuídas ao sofista Protágoras, deixa claro o ponto de vista relativo no qual se colocavam os Sofistas, ao contrário de qualquer posição universal. Dizia ele: “o homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são” (SANTOS, s/d, p. 63), sendo esta frase “um ataque direto à crença de uma verdade absoluta e imutável [...] A crença numa verdade absoluta se mostrou desprovida de significação, ao se levar em conta que para os Sofistas a verdade estaria de acordo com a percepção de cada um” (SANTOS, s/d, p. 63). A verdade, portanto, é relativa, relativa ao sujeito que conhece e depende do contexto no qual este mesmo sujeito está inserido.
A questão política tem um papel crucial neste período, considerando as profundas transformações que estavam acontecendo na Grécia Antiga e mais particularmente em Atenas. Devemos considerar, por exemplo, como a Grécia está centralizada na ágora (a praça pública), um espaço comum onde são debatidos os problemas de interesse geral. “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis” (VERNANT, 2006, p. 51). Aqui precisamos considerar o papel da linguagem, pois as discussões públicas são organizadas em torno da fala e da argumentação. A palavra está a serviço da ação na vida pública. “A arte sofística propunha interferir politicamente na ordem da pólis, por isso eles se fizeram homens de discursos convincentes, aos quais a linguística e a retórica se converteram em instrumentos de trabalho notórios e eficientes” (SANTOS, s/d, p. 64). É digno de nota que os sofistas parecem ter sido os primeiros a falar em gramática, retórica ou dialética: “Devem ter sido eles os seus criadores” (JAEGER, 1995, p. 366). Não temos como afirmar com absoluta certeza pois os escritos dos sofistas no que concerne a gramática se perderam, assim como se perderam os seus escritos sobre retórica. O que temos de conhecimento a este respeito são o que os gramáticos posteriores disseram a este respeito, sobretudo as elaborações feitas pelos peripatéticos (discípulos de Aristóteles) e os alexandrinos ou a partir de algumas referências feitas por Platão: “As Paródias de Platão oferecem-nos vislumbres da sinonímia de Pródico de Ceos, e sabemos alguma coisa da classificação dos diversos tipos de palavras, de Protágoras, bem como da doutrina de Hípias sobre o significado das letras e das sílabas” (JAEGER, 1995, p. 366).
Os Sofistas se estabelecem no contexto da democracia grega e do apogeu das cidades-estados, onde as deliberações são tomadas em reunião de cidadãos: as assembleias. Tais decisões devem ser tomadas por consenso, o que significa explicar, justificar, discutir, convencer, persuadir, além disso, o uso da linguagem, o modo de falar, do discurso, deve ser racional. “O interesse pela palavra e sua capacidade de extrapolar o universo da fala e atuar ativa e concretamente na realidade fez com os gregos desenvolvessem a arte de falar bem, o que significava fazê-lo com graça, elegância boa dicção” (CURADO, 2010, p. 21-22).
Na medida em que a palavra passa a ser livre, ela se torna instrumento através do qual os indivíduos podem defender seus interesses, seus direitos e suas propostas. Exigia-se de quem se dispunha a debater através da palavra a habilidade de argumentar e defender seus pontos de vistas. “Então, o indivíduo que não se interessa pela palavra, que a utiliza de um modo apenas pragmático, do tipo ‘me passe o sal’, que se pode fazer com ele?” (CHÂTELET, 1994, p. 29). Surge a arte do discurso, a retórica e a oratória, e os Sofistas são, precisamente, os mestres de retórica e oratória. A retórica se tornou uma arma política vigorosa. “Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político” (VERNANT, 2006, p. 56). Na democracia ateniense, a função pública dos oradores torna-se fundamental e a palavra um instrumento utilizado não mais apenas por pensadores, mas também por políticos. É necessário preparar os indivíduos para a vida pública, torná-los capacitados para a virtude (arete) política e para tal, é preciso adestrá-los na arte da persuasão através da palavra. “Na democracia, a palavra vai impor-se, e quem dominar a palavra dominará a cidade” (CHÂTELET, 1994, p. 16).
Sob o regime democrático consolidado, a prática da oratória assumiu importância vital, o que resultou em uma nova concepção acerca do papel do indivíduo na pólis, da liberdade individual, da igualdade e do papel da educação como agente capaz de elevar um cidadão comum à condição de líder, interferindo significativamente na organização da pólis e transformando a sociedade (CURADO, 2010, p. 22).
Fundadores da Ciência da Educação
Os Sofistas – afirma Jaeger – estabeleceram os fundamentos da educação e, por isso, devem ser “considerados os fundadores da ciência da educação” (JAEGER, 1995, p. 348). “Primeiros pedagogos da história, os sofistas exerceram grande influência sobre a cultura, a política e a educação gregas” (CURADO, 2010, p. 11). Jaeger, no entanto, faz uma distinção entre o sofista mediano e aqueles que, de fato, ensinaram a verdadeira educação em sua profissão. Protágoras, sem dúvidas, está incluído entre aqueles que ele chama de os sofistas mais vigorosos, cuja visão atribuía à educação do Homem o humanismo no sentido mais explícito (ideal de formação humana) e também considerava a educação ética e política: “Esta educação ética e política é um traço fundamental da essência da verdadeira paideia [...] Nos tempos clássicos é essencial a ligação entre a alta educação e a ideia do Estado e da sociedade” (JAEGER, 1995, p. 348, grifo do autor).
Do ponto de vista histórico, o humanismo dos sofistas teria sido o primeiro que a História concebeu, como afirma Jaeger (1995). Um humanismo que pela primeira vez considerou não apenas a paideia limitada à infância, mas também do homem adulto. “Os sofistas constituem, sob este ponto de vista, um fenômeno central [...] deram ao povo a consciência de que a formação humana era a grande tarefa histórica que lhe fora confiada” (JAEGER, 1995, p. 354). Apesar disso, sabemos pouco a respeito dos processos de ensino e dos objetivos de cada um dos representantes dos sofistas (que não foram poucos). “A razão desta carência de notícias está em não terem deixado nenhum escrito que a eles sobrevivesse por muito tempo” (JAEGER, 1995, p. 355). O que é uma perda irreparável, não ter informações sobre suas práticas educativas e sobre suas ideias de modo geral, pois restaram poucos fragmentos do conjunto geral de suas obras.
O pouco que sabemos da prática pedagógica dos sofistas é que ela consistia em apresentações públicas na casa do contratante ou em espaços públicos. Nos lugares públicos os sofistas faziam seus discursos de forma gratuita para atrair novos alunos, contando histórias míticas sobre os deuses ou heróis. Sabemos disto através da obra Hípias Menor, de Platão, “em que Sócrates assiste à apresentação do sofista e, em seguida, discute com ele o seu conteúdo. A mesma prática é mencionada no Parmênides de Platão, quando Sócrates ouve a leitura pública do livro de Zenão de Eléia” (CURADO, 2010, p. 27-28).
No que diz respeito a educação merece destaque a educação cívica, que visa a areté (virtude) política e deve ter início após o educando sair da escola, pois é nessa fase que o indivíduo entra na vida do Estado. A educação cívica era necessária também para a formação de bons oradores: “Se os gregos precisavam de bons oradores, precisavam igualmente de quem os pudesse ensinar a argumentar com propriedade e a persuadir” (CURADO, 2010, p. 25).
Os novos professores deram aos jovens a oportunidade de prosseguir os estudos e de obter sucesso não com a força ou a coragem, mas com a inteligência. Seu ensino orientava-se para a vida pública, a que se deve boa parte do sucesso que detinham entre os jovens aristocratas, desejosos de ter uma carreira política bem sucedida. Havia neles uma orientação clara para o emprego do pensamento e das capacidades pessoais com fins práticos, ou seja, a aplicação de uma tékhne a serviço da cidadania (CURADO, 2010, p. 26).
Dominando a arte da palavra e promovendo seus ensinos através da retórica e da oratória, tendo uma ampla experiência adquirida com suas viagens, os sofistas tornaram-se os primeiros professores da história ocidental e colocaram seus serviços à disposição da areté política.
Os Principais Mestres: Protágoras e Górgias
O mais famoso de todos os sofistas nasceu em Abdera, por volta de 491-481 a. C. e se chamava Protágoras. Protágoras teria escrito várias obras, mas nenhuma chegou até nós. Temos apenas alguns testemunhos de uma obra intitulada Antilogias. “Viajou por toda a Grécia e esteve em Atenas várias vezes, onde alcançou grande sucesso. Também foi muito apreciado pelos políticos (Péricles confiou-lhe a tarefa de preparar a legislação para a nova colônia de Turi em 444 a.C.)” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 77). Sua fama foi tanta que foi homenageado com uma estátua “no norte do Egito, no templo dedicado ao deus Serapeum, ao lado de homens como Platão, Aristóteles e Heráclito” (CURADO, 2010, p. 42). Esta estátua hoje não mais existe e restou apenas o seu nome escrito em grego no pedestal.
Protágoras foi gramático, crítico literário e um brilhante orador, além de geômetra e se dedicar a temas como a cosmologia, a retórica e a física. “Em gramática se lhe atribui haver iniciado o estudo científico e sistemático da palavra, distinguindo os gêneros masculino, feminino e neutro e as partes da oração: substantivo, adjetivo e verbo” (Fraile, Historia de la Filosofía, p. 197 apud CURADO, 2010, p. 35). “Em retórica distinguiu as partes do discurso: exórdio, preâmbulo, disposição, exposição, discussão, refutação e conclusão” (Fraile, Historia de la Filosofía, p. 197 apud CURADO, 2010, p. 35).
Sua ideia de que “o homem é a medida de todas as coisas” se tornou famosa não apenas por toda Grécia, mas ao longo de toda tradição filosófica ocidental. Com esta ideia, Protágoras afirma que não existe um critério absoluto de valor universal e que o único critério é o próprio homem. “Para Protágoras, portanto, tudo é relativo: não existe um ‘verdadeiro’ absoluto e também não existem valores morais absolutos (‘bens’ absolutos)” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 77). Esse relativismo predominante em Protágoras está diretamente relacionado com aquilo que é útil e o sábio é, precisamente, aquele que é capaz de conhecer esse relativo mais útil.
No campo pedagógico, Protágoras foi o criador de um ensino baseado em teses contrárias a respeito de um tema, daí o título do seu livro Antilogias. A um de seus alunos que alegou não ter vencido o debate e por isso não poderia ainda pagar os honorários do professor, Protágoras teria dito: “Devo receber os honorários em qualquer hipótese; se te venci, devo recebê-lo porque venci; e se venceste, devo recebê-lo porque venceste” (DIOGÉNES LAÉRCIO, Vidas, IX, 8, 56 apud CURADO, 2010, p. 27). Também fazia parte de seus ensinamentos, de acordo com Aristóteles (Retórica, II, 24, 1402 a 23 apud CURADO, 2010, p. 29), o de instruir seus alunos na arte de tornar mais fortes argumentos fracos.
Nascido em Leontini, na Sicília, mais ou menos no mesmo período de Protágoras, Górgias foi outro sofista famoso cuja obra filosófica mais importante tem como título: Da natureza ou do não ser (que na verdade chegou-nos através do relato de Sexto Empírico). Ele escreveu outras obras do qual “restam-nos fragmentos do Elogio de Helena, da Defesa de Palamedes e dos Discursos Fúnebres [...] Existem ainda fragmentos do Encômio aos eleanos” (CURADO, 2010, p. 12-13). Górgias foi tutor do jovem Mênon (que é um dos títulos dos diálogos de Platão) na corte do rei Aristipo, na Tessália, onde se tornou famoso, recebeu uma estátua de ouro em sua homenagem e, em razão do seu estilo, “os tessálios inventaram um termo para designar o ato de imitá-lo, gorgianizar, e outro para seus admiradores, gorgiazon” (CURADO, 2010, p. 42).
Sua retórica se baseia no conceito de niilismo que tem como fundamento as seguintes teses: 1) o ser não existe ou nada é; 2) se o ser existisse não poderia ser conhecido; 3) e se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado aos outros. Em outras palavras, Górgias defende que não existe o ser, o ser não é nem uno, nem múltiplo, nem incriado nem gerado (como debateram de tantas formas os filósofos pré-socráticos). Admitindo, entretanto, que o ser existe, quem poderia afirmar a ideia de que pode conhecê-lo? E mesmo que pudesse ser conhecido, se considerarmos a insuficiência de nossa linguagem, esse conhecimento não teria como ser transmitido aos outros. Diante de tantas impossibilidades, Górgias se limitou então a se ocupar com questões concretas da realidade, com “fatos, circunstâncias e situações da vida dos homens e das cidades na sua concretitude e na sua situação contingente, sem chegar a dar a estes um fundamento adequado” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 78).
Sobre os demais sofistas temos poucas informações a respeito. Pródico de Quéos se ocupou com questões de ordem cosmológica e moral além de se interessar pela linguagem e pela teorização sobre a origem das religiões. Hípias de Élis, além de matemático, era poeta, musicista, logógrafo, atleta, artesão e teria ainda criado a mnemotécnica. Hípias e Antífon (considerado o primeiro logógrafo da história) se destacaram ao escrever sobre a relação entre phýsis e nómos, natureza e lei, como vimos, tema que não aparece nos fragmentos de Górgias e que não é associado a Protágoras (cf. CURADO, 2010).
A Crítica de Platão
Em alguns diálogos de Platão nós encontramos diferentes críticas aos sofistas, como é o caso do Protágoras e do Górgias que, como vimos, levam o nome de dois dos mais importantes Sofistas da época.
No Protágoras, Sócrates “trata da possibilidade de haver alguém capaz de ensinar os homens a serem virtuosos” (CARVALHO, 2004, p. 212). Protágoras se apresenta na obra como um mestre e educador ao que Platão logo no início apresenta uma crítica sobre o fato de Protágoras cobrar pelo ensino. Sobre a virtude, a tese de Protágoras é que esta precisa ser aprendida e, por isso, pode ser ensinada.
No Górgias, o tema central é a retórica. Górgias se apresentava como mestre de retórica. “Indagado sobre o que é a oratória, diz que ela trata de palavras e seu fim é proporcionar aos homens os maiores bens, os quais consistem em ‘liberdade individual e governo sobre os demais na própria cidade’” (CARVALHO, 2004, p. 214-215). A visão de Sócrates sobre a oratória é bem pessimista, pois não a considera nem como arte, nem como ciência, e além disso, seria uma falsificação da atividade política justa. “Não possuindo a ciência da justiça, a oratória não pode tornar perfeitos ou melhores os homens” (CARVALHO, 2004, p. 215).
A postura ética é ilustrada com o mito que Platão narra no final do diálogo. Afirma que as almas, após a morte, passam por uma avaliação do exercício da justiça e da virtude quando estavam na terra. As almas dos poderosos dificilmente alcançam expiação. Outras a conseguem, e voltam a praticar a justiça devido ao exemplo punitivo que vêem naqueles que são mandados para o calabouço. Há também umas poucas que são recompensadas por terem praticado a justiça e conduzido suas ações de acordo com o bem: são as almas dos filósofos. Cálicles é convidado a aceitar este ensino, pois representa o oposto daqueles que baseiam sua conduta no conhecimento da justiça (523a-527e) (CARVALHO, 2004, p. 216).
Em uma obra intitulada precisamente Sofista, “Platão parece ter sido o primeiro a dar aos sophistái um conceito notadamente desfavorável, chamando-os de ‘caçadores interesseiros de jovens ricos’ e ‘varejistas’” (CURADO, 2010, p. 39).
Também encontramos uma crítica na obra República. Logo no início desta obra (PLATÃO, Rep., 338c), Sócrates aparece dialogando sobre o conceito de justiça com alguns interlocutores dentre os quais está o sofista Trasímaco que, dentre outras ideias, defende que a justiça é o direito do mais forte: “O Livro I da República, onde o sofista e retórico Trasímaco sustenta o direito do mais forte, prova que é dos sofistas que a sua concepção deriva” (JAEGER, 1995, p. 377).
No Eutidemo, Platão faz críticas a erística, uma arte derivada dos sofistas que tinha por objetivo discutir sobre controvérsias através de palavras que podiam conduzir a raciocínios capciosos e enganosos. Os Erísticos abordavam qualquer tipo de controvérsia através de jogos de conceitos “de modo a prever respostas tais que fossem refutáveis em qualquer caso; dilemas que, mesmo sendo resolvidos, tanto em sentido afirmativo como negativo, levavam a respostas sempre contraditórias” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 80).
Referências
ARISTÓTELES. Retórica. Trad. de Marcelo Silvano Madeira. Rio de Janeiro: Rideel, 2007.
CARVALHO, Isaar Soares de. Afinal, quem era mais ou menos Sofista? Revista do Curso de Direito, v. 1, n. 1, p. 210-232, 2004. Acesso em: 06 mar. 2024.
CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noël. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
CURADO, E. B. F. O Movimento Sofista e o Ensino da Areté. 2010. 121p. Tese (Doutorado em Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, 2010.
DIÓGENES LAÉRCIOS. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. de Mário da Gama Kury. Brasília: Ed. da UNB, 1988.
JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São Paulo, Paulus, 2003. v. 1
SANTOS, L. R. A. dos. Ética Sofística: o Papel Educativo da Relativização dos Valores [on line]. Cadernos UFS – Filosofia, s/d.
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Tradução de Ísis Borges B. da Fonseca. 16. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2006.