ADAM SMITH
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em 2014
A Revolução Francesa marca o fim da Idade Moderna e início da Contemporaneidade. Na passagem entre estes dois períodos da História da Humanidade está aquele que é considerado como o pai da ciência econômica moderna, a saber: Adam Smith. A Riqueza das Nações, sua principal obra, é um dos textos fundadores do liberalismo econômico. O Liberalismo, de forma geral, defende a ideia de que o Estado deve intervir o mínimo possível, tanto na vida pessoal (liberalismo político) como nas relações econômicas (liberalismo econômico). Para Adam Smith, o Estado possui apenas três deveres: a defesa da sociedade contra os inimigos externos, a proteção dos indivíduos contra as ofensas mútuas e a realização de obras públicas que não possam ser realizadas pela iniciativa privada (BOBBIO, 1992).
Atribui-se a origem do liberalismo político ao filósofo inglês John Locke e o liberalismo econômico ao filósofo escocês Adam Smith. Como contratualista (para um melhor entendimento do assunto ver: Os Contratualistas), Locke defende em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil que o Estado existe a partir de um contrato social e este contrato tem como objetivo proteger as liberdades fundamentais que são: a vida, a propriedade e a própria liberdade. Ao Estado cabe a intervenção nas liberdades fundamentais apenas para garantir aos indivíduos tais liberdades.
Em sua obra A Riqueza das Nações, Adam Smith entende que o mercado atua com suas próprias regras e por isso o Estado não deve interferir na competição de mercado. A economia deve ser dirigida pelo princípio do laissez-faire e do laissez-passer (deixar-fazer e deixar-passar), ou seja, uma liberdade irrestrita ao mercado: é o princípio do liberalismo econômico.
O que há nesta obra que justifica essa importância que lhe é atribuída? Na realidade, Adam Smith não trouxe nenhuma ideia nova para a filosofia ou a economia. A maior parte de suas ideias já tinham sido elaboradas por filósofos e economistas como François Quesnay, John Locke, David Hume, Turgot, entre outros. A Riqueza das Nações menciona mais de uma centena de autores dos quais são emprestados as diferentes análises. O que justifica, portanto, o valor desta obra, não é tanto sua originalidade, mas a capacidade de síntese de seu autor em agrupar a maior parte das ideias econômicas de seu tempo. Smith recolhe e aprofunda tais ideias, acredita corrigir seus erros, e estabelece uma relação entre elas para tirar daí uma compilação coerente. Seu modo de pensar repousa, frequentemente, sobre o seguinte princípio: o que é sábio para o chefe de família, não pode ser uma loucura na gestão de um império.
Antes de Smith, os economistas haviam propostos duas grandes definições da riqueza. A primeira, define a riqueza pela possessão de metais e pedras preciosas, uma vez que são reconhecidas por toda parte, além de terem um valor durável no tempo e permitirem financiar as guerras. A segunda, que define a riqueza a partir da produção agrícola, sendo que todas as outras atividades não são vistas senão pela transformação dessa riqueza primeira.
No Livro IV de A Riqueza das Nações, Smith procura corrigir essas definições, afirmando que a riqueza é o conjunto dos produtos que melhoram a vida da nação inteira, quer dizer, de todas as classes e de todos os seus consumidores. O ouro e a moeda não são a riqueza, eles não têm neles mesmos nenhuma utilidade senão a de intermediar as relações de troca. Para ele, a origem da riqueza é o trabalho do homem. Ele põe, assim, as bases da doutrina do valor do trabalho, que será largamente teorizada no século seguinte por David Ricardo.
Esta riqueza, como ela é produzida e como podemos aumentá-la? Tentando responder a esta questão, Smith propõe uma análise do crescimento econômico. Analisando a economia de seu tempo ele distingue três grandes causas do enriquecimento da nação: a divisão do trabalho, o acumulo do capital e o tamanho do mercado.
A divisão do trabalho consiste em uma repartição sempre mais especializada do processo de produção, de modo que cada trabalhador pode tornar-se especialista da etapa da produção à qual está vinculado, aumentando, portanto, a eficácia de seu trabalho e sua produtividade.
Existe, todavia, um obstáculo à divisão do trabalho: é o tamanho do mercado. Quanto mais os homens são numerosos, mais eles podem dividir entre si as tarefas. Se, porém, o mercado não é tão grande o aumento da produção permite uma divisão do trabalho sempre maior que não encontrará compradores.
Além disso, a divisão do trabalho pode não ter muitas vantagens. Smith observa que a divisão do trabalho pode ter efeitos desastrosos sobre a mente dos trabalhadores que são brutalizados pela repetição de gestos de uma simplicidade cada vez maior (o aumento da especialização do trabalho faz com que os trabalhadores se concentrem em tarefas cada vez menores). Neste caso, o Estado deve agir para que isto não ocorra, talvez colocando em prática um sistema educacional. Em todo caso, Smith justifica, de alguma forma, a intervenção do Estado.
O mercado e a mão invisível
Na visão do Liberalismo clássico existe o pressuposto de uma “mão invisível” que seria uma metáfora que significaria que os mercados são auto-reguladores e conduziriam à harmonia social. Adam Smith se perguntava como sobreviveria uma comunidade onde cada indivíduo se preocupava antes de tudo com seus interesses particulares e egoístas? Ele procurou explicar afirmando que as ações individuais são coordenadas e complementadas pelo mercado, o que ele chamou de a “mão invisível”. Segundo Smith, as “leis” do mercado, associadas ao caráter egoísta dos agentes econômicos, conduziriam a um resultado inesperado: a harmonia social. A confrontação dos interesses pessoais leva naturalmente à concorrência, e esta última leva os indivíduos à produzir o que a sociedade precisa.
Uma grande demanda provoca a alta dos preços. Esta última leva naturalmente os produtores ávidos de lucro a produzir tais bens de consumo. O egoísmo de um único indivíduo é prejudicial, mas a confrontação dos egoísmos leva à um interesse geral. Se um produtor tenta abusar de sua posição e faz elevar os preços, dezenas de concorrentes também ávidos de lucro aproveitarão para conquistar o mercado vendendo mais barato. A mão invisível orienta, portanto, o trabalho para o uso mais útil da sociedade, pois é também o que é mais rentável. Ela regula com precisão tanto os preços quanto a renda e as quantidades de produtos. Adam Smith sustenta, portanto, a ideia de um mercado auto-regulador.
Adam Smith foi decisivo na consolidação de um pensamento segundo o qual a busca pelo auto-interesse egoísta conduziria inevitavelmente ao progresso social. Sua mão invisível, que atuaria harmonizando os interesses sociais, apesar de não passar de uma crença, passou a ser aceita como verdade absoluta, constituindo-se a base do liberalismo econômico. Ora, dado que os interesses privados levavam ao interesse coletivo, não havia porque não se garantir aos agentes econômicos a maior liberdade possível (COELHO, 2006, p. 182).
Paradoxalmente, este mecanismo, paradigma do liberalismo econômico, é muito restritivo para o indivíduo que quer impor tanto sua atividade comercial quanto sua remuneração. Trata-se de fazer não o que se deseja, porque o não respeito às recomendações do mercado leva à ruína. Assim, o indivíduo é conduzido por uma mão invisível a promover um fim que não coincide de forma alguma com suas intenções.
De acordo com estes pressupostos, a economia “funciona de acordo com um conjunto de pressões impessoais – forças de mercado – [...] são as forças de oferta e procura. O mercado é um mecanismo autorregulado: não necessita de controle externo. Deve ser ‘livre’ da interferência do governo” (HEYWOOD, 2010, p. 61). Neste caso, nenhum produtor determina o preço de algo, os preços são estabelecidos pelo mercado, pelo número de produtos colocados à venda e pelo número de consumidores que deseja comprá-lo.
Mas Smith não pode ser considerado o apóstolo do Capitalismo selvagem. O princípio do mercado, tal como ele descreveu, se aplica à economia artesanal de sua época. Ele tem consciência disto e denuncia as indústrias e seus cartéis que, através de seus monopólios tentam contornar a lei do mercado em seu proveito próprio. Não é, portanto, o Estado que ameaça a economia do mercado mas antes as indústrias. Ao Estado, como autoridade soberana, cabe assegurar o respeito às regras do mercado.
Adam Smith forneceu os fundamentos teóricos básicos da concepção liberal de economia. Mas o que leva Smith a esse pressuposto é inclusive um argumento de ordem ético-moral, do que um argumento de ordem empírica: o fato de que o homem é propenso ao ganho, pela mediação do mercado. O que Adam Smith procurou mostrar em sua obra é que
a essência da moral cristã na esfera privada – o altruísmo (pense primeiro nos outros e depois em você mesmo) – não produz efeitos benéficos na esfera econômica. Pelo contrário, na esfera econômica é o princípio do egoísmo (pense primeiro em você e depois nos outros) que produz efeitos desejáveis para todos (SELL, 2006, p. 59).
Com base no conjunto das obras de Adam Smith podemos dizer que, de um lado, a Teoria dos sentimentos morais oferece uma explicação moral para o funcionamento harmonioso da sociedade, centrado sobre o conceito de “simpatia”, enquanto que A Riqueza das Nações explica esta harmonia por um mecanismo econômico que repousa sobre o interesse pessoal.
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Brasiliense, 1992.
COELHO, André Felipe C. O estado liberal: entre o liberalismo econômico e a necessidade de regulação jurídica. Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, v. 8, n. 15, Jan./Jun. 2006. Acessado em 24/10/2015.
HEYWOOD, Andrew. Ideologias Políticas: do liberalismo ao fascismo. São Paulo: Ática, 2010. Vol. I.
SELL, Carlos Eduardo. Introdução à Sociologia Política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Vol. I
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Vol. e II.