PINTURA E ESPIRITUALIDADE

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em jan. 2024


Na modernidade e na contemporaneidade o pensamento religioso no ocidente se viu cada vez mais enfraquecido devido a predominância do pensamento científico e doutrinas filosóficas como no período do Iluminismo que combatiam fortemente crenças e preconceitos religiosos. Esse afastamento também teve reflexos nas expressões artísticas que surgiram na modernidade e na contemporaneidade. “A Igreja e os temas religiosos deixaram de ser os grandes pontos de partida para a arte contemporânea [...] fazendo da arte o sector mais secularizado da nossa cultura” (Sousa, 2012, p. 4). Apesar disso, ainda podemos observar autores que sentiram a necessidade de procurar o transcendente através da arte, como é o caso do pintor russo Wassily Kandinsky, que procurou relacionar a arte  com uma vivência espiritual que dela poderia resultar. “A sua maior obra teórica, «Do Espiritual na Arte», é uma exaltação da arte e da pintura em particular, desenvolvendo uma teorização pictórica que explora a possibilidade da vivência espiritual através da pintura” (Sousa, 2012, p. 4). Se para Kandinsky (2010, p. 116, nota 7 apud Sousa, 2012, p. 29), o artista é uma espécie de “sacerdote da beleza”, Michelângelo Buonarotti (2004, p. 67 apud Sousa, 2012, p. 47), séculos antes, dizia que “a boa pintura não é outra coisa senão a tradução da perfeição de Deus”.

O pintor russo foi profundamente influenciado pela doutrina teosófica da ucraniana Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891), também conhecida como Madame Blavatsky, sendo, por isso, chamado de “pintor teosófico”. Bezerra (2011) ressalta ainda que Kandinsky, na verdade, foi membro da sociedade teosófica holandesa e que “as leituras de obras como o livro As formas de pensamentos de Annie Besant e C. W. Leadbeater foram determinantes na construção doutrinária de W. Kandinsky” (Düchting, 2007, p. 38 apud Bezerra, 2011, p. 196).

O epíteto de “pintor teosófico” foi atribuído a Kandinsky por John Algeo, vice presidente da Sociedade Teosófica Internacional, como destaca Sousa (2012). Em um artigo de John Algeo intitulado “Art, Kandinsky, and Self-transformation” presente na obra H.P. Blavatsky and the Secret Doctrine,

 

o autor pretende explicar o seu ponto de vista acerca da teoria da arte de Kandinsky, defendendo, através das características das obras do pintor, a profunda inspiração teosófica do mesmo. John Algeo refuta os críticos da arte que afirmam que a arte abstrata, por não representar objetos físicos, está somente preocupada com a técnica. Mas, para este professor da universidade de Georgia, o que Kandinsky evidencia é completamente o oposto. Wassily Kandinsky defende que a arte abstrata representa o lado interior da realidade em vez da sua aparência externa, e também afirma que, dado que a arte abstrata se preocupa com o lado interior, esta pode ser um meio para a transformação pessoal (Sousa, 2012, p. 51-52).

 

Na pintura, Kandinsky “mostrou ao mundo que esta pode ser verdadeiramente ‘linguagem chamada e capacitada para expressão da experiência espiritual, que é a revelação do sentido profundo e eterno da realidade’” (Sousa, 2012, p. 70).

Da Rússia para o Líbano, encontramos o escritor e poeta, Gibran Khalil Gibran, que foi também um grande pintor: “com telas repletas de símbolos e metáforas referentes à busca humana e sua fé na vida, no homem e em Deus” (Lopes, 2011, p. 53). Suas pinturas estão presentes em seus livros de língua inglesa e muitas delas estão também no Gibran Museu. 

Referências

BEZERRA, Cícero Cunha. Arte e Espiritualidade: a presença de Goethe na pintura de Kandinsky. Travessias, Cascavel, v. 5, n. 1, p. 190-204, 2011. Acesso em: 07 jan. 2024.

 

BUONARROTI, Michelangelo, La buona pintura è rara. In: BENAZZI, Natale. Arte e Spiritualitá, parlare allo Spirito e creare Arte, un’Antologia su percorsi di fede e creazione artística. edizioni Dehoniane Bologna, 2004.

 

DÜCHTING, H. Wassily Kandinsky, una revolución pictórica. Madrid: Taschen, 2007.

 

KANDINSKY, Wassily. Do Espiritual na Arte. D. Quixote, Alfragide, 2010.

 

LOPES, José A. F. O sagrado em Gibran Khalil Gibran. 2011. 142 p. Dissertação (Mestrado em Religião), Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2011.


SOUSA, Christopher Vaz de. Espiritualidade da Pintura Contemporânea: Para uma leitura teológica de Wassily Kandinsky. 2012. 80 p. Dissertação (Mestrado Integrado em Teologia), Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2012.


Descendimiento de la Cruz. Alberto Durero. Alte Pinakothek, Munich.

La Sagrada Familia de la Casa Canigianí. Rafael. 

Alte Pinakothek, Munich.

Crucifixión, Victor y Heinrich Dünwegge.

Bayerische Staaisgemäldesaminlung. Munich