por Alexsandro M. Medeiros
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postado em ago 2025
A educomunicação é uma área do conhecimento que tem como espaço de interseção a educação e a comunicação. Designa, assim, um conjunto de “ações que produzem o efeito de articular sujeitos sociais no espaço da interface comunicação/educação” (Soares, 2011, p. 11). De um lado temos, portanto, a comunicação que, segundo Soares (2011, p. 17), “configura-se, por si mesma, como um fenômeno presente em todos os modos de formação do ser humano”, além do reconhecimento do direito universal à informação e à expressão e, de outro lado, a educação, que “só é possível enquanto ação comunicativa”. “Em outras palavras, os campos da comunicação e da educação, simultaneamente e cada um a seu modo, educam e comunicam” (Soares, 2011, p. 18). A educomunicação “concibe los procesos educativos, la comunicación, los medios y las tecnologías como herramientas de análisis y de acción para la comprensión y la transformación del mundo” (Coslado, 2012 apud Reyes, 2024, p. 7). A comunicação aqui deve ser entendida em sentido ampliado que envolve tanto as formas de comunicação midiática e outras formas de comunicação que se dá, por exemplo, através das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Além disso, ao assumir uma postura de transformação social, a educomunicação enfatiza o sentido ético e político desse processo de transformação.
A educomunicação se caracteriza por uma abordagem educacional centrada nos processos de comunicação, em outras palavras, é uma forma de utilizar os recursos da comunicação como uma forma de educar: “a educomunicação poderia ser definida como uma abordagem de práticas educacionais na qual a ênfase dos processos pedagógicos e didáticos recai sobre as estratégias e recursos inerentes à comunicação social” (Consani, 2024, p. 36). Nesse processo, Consani (2024) destaca que deve ser uma abordagem gerida democraticamente (de forma horizontal) e aberta, ou seja, com diferentes protagonistas. Por essa interface entre comunicação e educação, os conceitos de democracia, cidadania, dialogicidade, ação comunicativa, gestão compartilhada, são igualmente importantes no campo da educomunicação e fazem parte do chamado educomverso (universo da educomunicação).
Podemos pensar ainda a educomunicação a partir do conceito de ecossistema educomunicativo, como propõe Soares (2011, p. 44, grifo do autor), definindo a educomunicação como “um conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos”. Fazem parte deste ecossistema educomunicativo: uma educação para a comunicação, que compreende o estudo do lugar dos meios de comunicação na sociedade e seus impactos, através da educação midiática ou do letramento midiático, por exemplo; a mediação tecnológica (dentro ou fora dos espaços educativos) e suas reflexões sobre a presença das tecnologias da informação e comunicação e seus múltiplos usos pela comunidade, a partir de um uso crítico, ou seja, orientado para a promoção da justiça social e o aprimoramento das relações na sociedade; uma pedagogia da comunicação, específica à prática da educação formal, baseada no agir comunicacional dialógico (promoção do diálogo) e participativo; a gestão da comunicação, responsável pelo planejamento, execução e avaliação de planos, programas ou projetos referentes às demais áreas de intervenção; a reflexão epistemológica, que analisa o fenômeno a partir da interface comunicação/educação a partir de uma abordagem interdisciplinar e interdiscursiva; a expressão comunicativa através das artes, que entende a manifestação artística como meio de comunicação.
A origem da educomunicação está diretamente relacionada com a educação e, mais especificamente, a educação popular, no que Reyes (2024) propõe chamar de uma educomunicação popular (uma categoria em construção vinculada a conceitos como: transformação social, participação ativa dos sujeitos, educação crítica e dialógica, construção coletiva de saberes, formação de valores, emancipação política e social). Sua origem “remete à educação popular realizada em contextos não escolar, tais como movimentos sociais, coletivos de trabalhadores e estudantes, além de Organizações da Sociedade Civil” (Consani, 2024, p. 12). Ideia que também é reforçada por Soares (2011, p. 12) ao ressaltar “que a origem do conceito vincula-se à prática social consolidada na América Latina ao longo da segunda metade do século XX”. A educomunicação não se circunscreve aos espaços formais de educação e foi “gestada nos espaços não formais da sociedade identificados com grupos organizados de trabalhadores e estudantes, coletivos ativistas, órgãos ligados ao cuidado da juventude e infância e diversas outras organizações da sociedade civil” (Consani, 2024, p. 19).
Aqui temos uma importante contribuição da pedagogia freireana pois, como afirma Consani (2024, p. 61), a educomunicação é, “desde a origem, inseparável do conceito da pedagogia libertária freireana”.
A obra e o pensamento de Paulo Freire emergem com destaque na segunda metade do século XX comprometida com a cultura e educação popular, privilegiando um modelo de sociedade democrática que tem na comunicação (diálogo) participativa seu eixo fundante. Ao defender uma proposta de educação problematizadora, crítica e dialógica, a obra freireana tem servido de inspiração para a educomunicação. Ao pensamento de Freire, junta-se o do radialista e escritor argentino Mario Kaplún, que aborda o tema da “correspondencia entre modelos educativos y modelos comunicativos, argumentando que al tercero de estos modelos educativos [...] le correspondía, por ende, un proceso dialógico, participativo y emancipador” (Reyes, 2024, p. 4).
Mario Kaplún é autor da obra Una pedagogia de la comunicación e aplicou à comunicação a metodologia e as ideias de Paulo Freire criticando o modelo de “comunicação bancária”, um conceito que adapta da educação bancária descrita por Freire. No modelo de comunicação bancária, segundo Kaplún, o emissor deposita informações na mente do receptor, tentando impor opiniões.
O que há de comum em Freire e Kaplún é a defesa de uma comunicação popular, comunitária, participativa, que sirva de base para a transformação social e educativa.
En el caso específico de la comunicación para el cambio social, se puede afirmar que no es precisamente un paradigma nuevo, pero sí integrador. Lo novedoso es que aspira a transformar sectores y ámbitos de la sociedad que quizás paradigmas anteriores habían relegado a un segundo plano. Nuclea esencias de la comunicación comunitaria y la comunicación para el desarrollo; rescata los postulados de Paulo Freire y se convierte en una herramienta para el diálogo, la participación y el empoderamiento ciudadano (Reyes, 2024, p. 5).
Um modelo de comunicação, dialógico e participativo, que amplifica vozes até então ocultas ou negadas e busca potencializar sua presença na esfera pública. E um dos pilares da comunicação para a transformação social, como destaca Reyes (2024), é a relação que se estabelece entre os processos educativos e comunicativos e é exatamente a partir dessa interrelação que temos o papel da educomunicação.
Vivemos atualmente em um cenário desafiador de desinformação e fake news. Desta forma, a educomunicação, a partir de uma dimensão pedagógica crítica, cidadã e ética, pode oferecer contributos importantes para combater a desinformação e lidar com esta questão na atualidade, ou seja, “lidar com a informação para que ela se transforme em conhecimento válido” (Consani, 2024, p. 18), ao invés de nos tornarmos reféns de grupos que desestabilizam conscientemente as relações sociais utilizando práticas de desinformação que ameaçam inclusive a democracia e ideais éticos civilizatórios.
Nesse contexto, a educomunicação pode ser analisada em conjunto com aquilo que se convencionou chamar de sociedade da informação ou sociedade do conhecimento. “A chamada sociedade do conhecimento (termo popularizado pela Unesco) deve ser entendida como uma sociedade da informação, sendo que a abundância desta última não garante a equidade social nem a efetivação da cidadania” (Consani, 2024, p. 18).
Nesse cenário merece destaque a “competência crítica em informação” (CCI), conforme aponta Schneider (2019) e também Bezerra e Schneider (2022), ou seja, a habilidade de avaliar, analisar e utilizar a informação de forma eficaz, consciente e ética, considerando o contexto social, cultural e político. A CCI não se limita apenas à busca e recuperação de informações, mas envolve um processo mais amplo que inclui não apenas a criação e compartilhamento de informação, mas também a sua avaliação (analisar a credibilidade, relevância e precisão das fontes) e o seu uso ético (evitar o plágio, a disseminação de notícias falsas e outras práticas inadequadas). Doyle (2021) destaca as seguintes questões como sendo do âmbito da CCI:
Quem produziu essa informação? Com que intenção? Quando e com que condições? Com que dificuldades/facilidades? Quem financiou isso (e com que intenção)? Por onde ela passou? Como chegou até mim? Que grupos ela representa e quais ela silencia? Que outras informações parecidas/diferentes não chegaram até mim no lugar dessa e por quê? (Doyle, 2021, p. 68).
A importância da CCI para a sociedade contemporânea está, portanto, no combate à desinformação, capacitando os indivíduos a discernir informações verdadeiras de falsas, especialmente em um ambiente digital onde a desinformação se propaga rapidamente (onde informações são lidas e compartilhadas instantaneamente e em tempo real), e agora dominado pela inteligência artificial.
Para que a CCI possa lidar com tais desafios é fundamental: garantir a inclusão digital, para que todos tenham acesso igualitário à informação e possam participar da sociedade digital de forma plena; fomentar a participação cidadã, para que os indivíduos tornem-se mais capazes de participar ativamente da vida pública, tomar decisões informadas e exercer seus direitos; e promover o desenvolvimento do pensamento crítico, que é essencial para a resolução de problemas, tomada de decisões e adaptação a novas situações. Neste último aspecto, Doyle (2021) destaca a importância de uma pedagogia crítica que tem em Paulo Freire um de seus importantes marcos teóricos, a partir da noção de que o indivíduo “é um sujeito inteligente rico de suas experiências de vida (e não uma caixa vazia onde deve ser depositado o conhecimento); que precisa entender/questionar as estruturas à sua volta para poder se posicionar e se conscientizar de seu papel ativo no mundo” (Doyle, 2021, p. 67-68).
Sobre o combate à desinformação, temos o exemplo do programa do Supremo Tribunal Federal (STF), que reúne 16 universidades e 21 organizações públicas e privadas que atuam em cooperação técnica com o STF para disseminar ações de combate à desinformação: https://portal.stf.jus.br/hotsites/desinformacao/
BEZERRA, Arthur Coelho; SCHNEIDER, Marco (orgs.). Competência crítica em informação: teoria, consciência e práxis. Rio de Janeiro: IBICT, 2022. – (Coleção PPGCI 50 anos)
COSLADO, Á. B. Educomunicación: desarrollo, enfoques y desafíos en un mundo interconectado. Foro de Educación, (14), pp. 157-175, 2012. Acesso em: 05 ago. 2025.
CONSANI, Marciel. Educomunicação: o que é e como fazer. São Paulo: Editora Contexto, 2024.
DOYLE, Andrea. Competência crítica em informação como prática de ensino: panorama de pesquisas a partir de trabalhos presentes na BRAPCI e na BDTD. Rev. Ci. Inf., Maceió, v. 8, n. 3, p. 65-80, set./dez. 2021. Acesso em: 09 ago. 2025.
REYES, Rodolfo Romero. De la educomunicación popular a las prácticas educomunicativas. Perfiles de la cultura cubana, n. 33, p. 1-25, ene./dic., 2024. Acesso em: 05 ago. 2025.
SCHNEIDER, Marco. CCI/7: Competência crítica em informação (em 7 níveis) como dispositivo de combate à pós-verdade. In: BEZERRA, A. C., [et al.]. iKRITIKA: estudos críticos em informação. Rio de Janeiro: Garamond, 2019.
SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para a reforma do ensino médio. São Paulo: Paulinas, 2011. (Coleção educomunicação).