BIOÉTICA E A EXPERIÊNCIA COM ANIMAIS
BIOÉTICA E A EXPERIÊNCIA COM ANIMAIS
por Alexsandro M. Medeiros
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publicado em: abr. 2025
No final da década de 1970, mais precisamente em 1978, a bioética aplicada a análise de pesquisa com animais ganhou força com a publicação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais. O uso de animais em pesquisas tem suscitado opiniões contrárias e favoráveis na comunidade científica e para a sociedade de modo geral, sobretudo por aqueles que defendem o uso de animais em experimentos científicos porque acreditam que estes contribuem para a evolução do conhecimento científico. Nesta mesma época, o psicólogo britânico Richard Ryder criou, em 1970, o termo especismo que discute a ideia da supremacia de uma espécie (sobretudo a supremacia da espécie humana) sobre as demais.
Embora tenha ganhado relevância apenas na segunda metade do século XX, a discussão sobre o uso de animais é bem mais antiga e em 1789, o filósofo Jeremy Bentham propôs a seguinte reflexão que suscita debates sobre a pesquisa científica com animais: “o problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: podem eles sofrer?” (Bentham, 1984, p. 63 apud Baeder et al., 2012, p. 314-315). Bentham é autor do livro Introduction to the principles of morals and legislation (Introdução aos princípios da moral e legislação), que se tornou a base filosófica do utilitarismo. O utilitarismo é a doutrina que compreende que nossas ações devem ser baseadas naquilo que é útil, considerando útil aquilo que traz vantagem, prazer ou felicidade, devendo-se evitar o oposto, aquilo que traz dano, dor ou infelicidade. “Para Bentham, o utilitarismo baseava-se no ‘princípio que aprova ou desaprova toda e qualquer ação’ (Bentham, 1789, p. 14) que resulte em promover ou se opor à felicidade de um indivíduo ou de uma comunidade” (Meira, 2018, p. 21). Como contraponto as ideias de Bentham, o médico e fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878), autor da obra An Introduction to the Study of Experimental Medicine, publicada em 1865, defendia que fossem realizados experimentos com animais, argumentando que, se temos o direito de usá-los para serviços caseiros e alimentação, não haveria razão para não utilizá-los a serviço da ciência, de forma útil para a humanidade. Curiosamente, a sua esposa fundou a primeira associação de defesa dos animais de laboratório.
No século XIX, a Inglaterra e o Reino Unido se destacaram na defesa dos direitos dos animais, com a criação da Lei Martin Act ou Lei Inglesa Anticrueldade, da Royal Society for the Preservation of Cruelty to Animals e do British Cruelty to Animal Act. A Lei Martin Act ou Lei Inglesa Anticrueldade (British anticruelty act.) foi criada em 1822, em memória ao ativista Richard Martin (1754-1834), que militava em prol dos direitos dos animais e contra a crueldade animal. Dois anos depois, em 1824, foi criada a Royal Society for the Preservation of Cruelty to Animals, considerada a maior organização de bem-estar animal no mundo. Em 1876, foi proposta no Reino Unido a primeira lei para regulamentar prática do uso de animais através do British Cruelty to Animal Act. “Dentre as cláusulas apresentadas quanto ao uso de animais em pesquisas, especialmente em experimentos dolorosos, determinou-se que os animais deviam ser anestesiados e os experimentos não poderiam ser realizados em animais como cães, gatos” (Meira, 2018, p. 22).
Foi na Inglaterra que, em 1959, surgiu o primeiro modelo para minimizar o uso de animais nas ciências, conhecido como o princípio dos 3R’s, através da obra The Principles of Humam Experimental Tecnique, do zoólogo William Russell e do microbiologista Rex Burch. Com o princípio dos 3R’s, “Russel e Burch propõem a redução (reduction), a substituição (replacement) e o refinamento (refinement) na experimentação animal [...] argumentando sobre a necessidade de reduzir o número de animais utilizados em experimentos” (Meira, 2018, p. 21). A redução (reduce) significa que os pesquisadores devem utilizar o mínimo de animais em um experimento. A substituição (replace) orienta para o uso de métodos alternativos, sempre que possível. E o refinamento (refine) “orienta para o emprego de métodos adequados de analgesia, sedação e eutanásia, com o propósito de reduzir a dor e desconforto, evitando ao máximo o estresse e distress dos animais de experimentação” (Baeder et al., 2012, p. 315).
Na segunda metade século XX, Peter Singer foi o filósofo que mais promoveu o princípio da igualdade moral entre seres humanos e animais. Seguidor das deias de Richard Ryder, Singer reafirmou a ideia de que uma espécie não merece ser subjugada por outra, sendo necessário uma decisão ética de igual valor para com todos os seres vivos, incluindo aí humanos e animais não-humanos. Para Singer, os seres humanos são especistas, sendo necessário descontruir a hierarquia de espécies criada pelo próprio ser humano, onde este se julga como de uma raça superior.
Na década de 1970 foi elaborado o documento internacional mais importante para a proteção dos animais: a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (UNESCO) adotada em janeiro de 1978. “A Declaração Universal dos Direitos dos Animais é composta por 14 artigos e reconhece que todo animal possui direito e considera que é responsabilidade do ser humano cuidar e zelar pela existência de outras espécies, garantindo a dignidade e o bem-estar de outros animais” (Meira, 2018, p. 23). A Declaração Universal dos Direitos dos Animais adota como filosofia o valor da vida de todos os seres vivos, considerando o animal como um ser vivo de direitos (art. 1º) e propõe “um estilo de conduta humana condizente com a dignidade e o respeito aos animais” (Baeder et al., 2012, p. 316).
BAEDER, F. M. et al. Percepção histórica da Bioética na pesquisa com animais: possibilidades. Revista Bioethikos, (6)3, p. 313-320, 2012. Acesso em: 11 mar. 2025.
BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da Moral e da Legislação. São Paulo: Abril Cultural; 1984. (Coleção Os Pensadores).
BENTHAM, J. An Introduction to the Principles of Morals and Legislation. [S.l.]: [s.n.], 1789. 248 p. Disponivel em: <https://socialsciences.mcmaster.ca/econ/ugcm/3ll3/bentham/morals.pdf>. Acesso em: Abril 2018.
MEIRA, Karinne Ramos. Aspectos bioéticos no uso de animais em pesquisas científicas dos laboratórios do centro de biotecnologia da universidade federal da paraíba. 2018. 75f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Biotecnologia), Departamento de Biotecnologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, 2018.
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