JOHN LOCKE E A EDUCAÇÃO

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em: jan. 2023


John Locke foi um filósofo inglês, médico, cientista político (foi assessor particular do lorde e conde de Shaftesbury, representante do Parlamento britânico), que se notabilizou ainda como preceptor de jovens filhos da burguesia fundiária. Locke fez os estudos secundários em Westminster School, entre 1646 e 1652 e neste ano “foi para o Crist Church College de Oxford. De estudante passou à condição de professor universitário e permaneceu ligado a Oxford até o ano de 1684” (GARCIA, 2012, p. 366).

Considerado como um dos principais pensadores da corrente empirista, é autor do livro Ensaio acerca do entendimento humano, sua principal obra filosófica, publicado em 1690. Embora não seja uma obra específica sobre educação, contém elementos indispensáveis para compreendermos as ideias de John Locke sobre o tema e por isso também será levada em consideração em nossa análise. Nesta obra, que está dividida em 4 livros, encontramos a sua teoria do conhecimento: no primeiro Livro, Locke refuta a teoria das ideias inatas e afirma que o conhecimento é adquirido, resultado da experiência (se certos princípios fossem inatos, deveriam subsistir na mente de todos os homens e orientar todas as suas ações, mas não é assim que acontece); no segundo Livro trata origem das ideias e afirma que a nossa mente é como uma folha em branco, sendo a experiência a fonte do nosso conhecimento; no terceiro Livro temos a questão da linguagem: erros, significado, classificação; finalmente no último Livro trata da distinção entre conhecimento e opinião.

Três anos depois publica Alguns pensamentos sobre a educação, que nos permite compreender quais eram as principais propostas do filósofo para a educação. Sobre esta obra, ela é o resultado de um conjunto de cartas que Locke escreveu “para o Sir Edward Clarke dando orientações na educação de seu filho” (OLIVEIRA; SILVA, 2018, p. 190). Nestas cartas John Locke discute sua experiência enquanto preceptor de jovens nobres e burgueses da Inglaterra.

A Proposta Educacional de John Locke 

A obra Alguns pensamentos sobre a educação é onde aparece a sua proposta educacional que visa sobretudo a formação do homem virtuoso, capaz de agir segundo a razão. A educação deve começar desde cedo, através do desenvolvimento das capacidades individuais, da formação de “bons hábitos” e estar pautada pelos aspectos: físico, moral e intelectual.

A educação física trata do corpo, da higiene, da alimentação, da estética, do fortalecimento do corpo para evitar a fadiga e realizar um bom trabalho. Locke criticava o modelo escolástico vigente na sua época preocupado principalmente com o cultivo da mente.

Locke, ao propor a dimensão física da educação, contempla no currículo uma série de disciplinas que desenvolviam o vigor físico, como a natação, a esgrima, a equitação. Além de propor uma série de hábitos no que diz respeito à alimentação, ao vestuário, ao descanso e ao lazer, apresentou, também, a importância de se aprender algum ofício manual relacionados com a arte, a exemplo da pintura, preparar perfumes, envernizar, gravar, bem como, ofícios manuais relacionados ao trabalho com ferro, latão e prata (OLIVEIRA; SILVA, 2018, p. 196).


O ensino moral era considerado importante para Locke pois a educação moral é formadora do caráter dos indivíduos. Tem como objetivo o ensino das virtudes e preparar os indivíduos para agir segundo os ditames da razão. “Dentre os aspectos relevantes e positivos na proposta lockeana para a educação, podemos considerar que a dimensão mais importante na educação não é a instrução ou o saber acumulado, mas a formação de costumes éticos e morais” (OLIVEIRA; SILVA, 2018, p. 197). Locke idealizou a formação dos indivíduos com base no respeito a liberdade e a tolerância.

A educação intelectual diz respeito a aquisição e aprendizagem de novos conhecimentos. Uma educação intelectual apropriada às idades e faculdades dos indivíduos e sobre assuntos que não sejam desconhecidos nem fora de suas experiências.

Outro aspecto importante é que a educação deve procurar desenvolver as capacidades individuais desde cedo, formar o homem racional, consciente de si, agir conforme a orientação da razão. As nossas capacidades não se encontram desenvolvidas e somos muito vulneráveis, por isso Locke propõe a formação de “bons hábitos” como a forma mais eficaz do processo educativo, sempre considerando o desenvolvimento natural da criança.

Propõe o desenvolvimento das faculdades da mente, com base na disciplina, visando ao correto entendimento, à correta percepção de acordos prováveis ou visíveis entre as ideias.

Todavia, esse modelo de educação não se aplicava para todos. Locke não se preocupou em levar em consideração as desigualdades sociais e, por isso, sua preocupação maior era com os filhos da nobreza inglesa, de origem burguesa e proprietária de terras: os gentlemen (filhos da nobreza, da burguesia, os bem nascidos, que tinham posição de prestígio na sociedade). “Aos filhos da nobreza e da burguesia deveriam ser ensinados os conteúdos mais refinados, para os menos favorecidos, apenas o necessário para o desempenho de suas funções” (GARCIA, 2012, p. 369). É na educação desse gentlemen que Locke pensa a educação integral: física, moral e intelectual. O gentleman, a partir da educação recebida, deve agir na sociedade e se tornar um exemplo a ser seguido pelos demais.

O contexto inglês do século XVII nos ajuda a entender essa visão de Locke. A Inglaterra estava à frente de outros países frente as mudanças sociais que estavam acontecendo: o desenvolvimento do comércio com o aperfeiçoamento da navegação, o crescimento das cidades e a urbanização, a manufatura, o aperfeiçoamento das técnicas e da produção agrícola. Há um vínculo entre as concepções pedagógicas de Locke e o princípio do liberalismo político e a ascensão da burguesia.

Ao lado disso, as investigações científicas procuravam dar conta do aperfeiçoamento da técnica com vistas às necessidades sociais. “Nesse contexto de acontecimentos nos campos científicos, políticos e filosóficos na Inglaterra, Locke (1632-1704) viveu a maior parte de sua vida. A sua influência na sociedade burguesa da Inglaterra torna Locke um importante pensador do século XVII” (TERUYA; LUZ, 2020, p. 6).

Locke privilegiava o ensino das ciências naturais, experimentais e também da matemática. Além disso, o jovem da nobreza e da burguesia deveria aprender questões relacionadas a moral, a metafísica e a teologia. Os conteúdos de lógica, retórica e gramática, por sua vez, só deveria constar o que realmente fosse necessário sem perder muito tempos com tais questões. “Enquanto havia uma preocupação mais detalhada com a educação dos filhos dos burgueses, restava às crianças pobres descendentes de camponeses expulsos da terra uma escola de rígida disciplina voltada para o trabalho” (GARCIA, 2012, p. 370). Aos filhos de camponeses, portanto, restava uma escola de formação de mão de obra qualificada para o trabalho, propondo assim um ensino diferenciado para a classe nobre e para os trabalhadores.

A Origem das Ideias e a Educação 

Na obra Ensaio acerca do entendimento humano nós encontramos a teoria do conhecimento de Locke e, ao mesmo tempo, nos permite pensar uma proposta pedagógica baseada na filosofia empirista: “o comprometimento de Locke no campo educativo baseia-se em princípios empiristas e enfatiza a necessidade da relação que deve existir entre a instrução oriunda do mundo externo e o desenvolvimento interno da mente e das suas funções intelectuais” (TERUYA; LUZ, 2020, p. 2-3).

Para Locke a mente é um papel branco, sem qualquer tipo de caracteres, sem quaisquer ideias, e a experiência (sensação/externa e a reflexão/interna) é a fonte de todo o conhecimento. Locke critica, portanto, a teoria das ideias inatas, segundo a qual algumas ideias já se encontrariam impressas na alma humana desde o momento de sua concepção. Locke se posiciona contrário a esta ideia pois para o filósofo a maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento necessita de experiência. A crítica de Locke se dirige, sobretudo, ao filósofo francês René Descartes, defensor das ideias inatas. “John Locke [...] apresenta argumentos contrários e prováveis que a mente não possui qualquer conhecimento desde o seu nascimento, discordando, então, da linha racionalista que prega que a mente humana nasce dotada de princípios e ideias inatas” (OLIVEIRA; SILVA, 2018, p. 194).

A experiência sensível é a porta de entrada das ideias simples, o material do conhecimento, e constitui-se no primeiro momento da ação cognitiva. Locke classifica as ideias em simples (derivadas da sensação e da reflexão) e complexas (produto de nossa mente). “Na educação, ele prioriza os sentidos como a fonte do pensamento humano porque é resultante da experiência por meio da relação com o meio e com o Outro” (TERUYA; LUZ, 2020, p. 3). A sensação externa é a porta de entrada das noções “de cores, temperaturas, profundidades, texturas e as demais sensações experimentadas que dependem diretamente da experiência sensorial para chegar ao entendimento do objeto” (TERUYA; LUZ, 2020, p. 7).

Temos ainda a reflexão, que é uma função mental ou cognitiva que, no entanto, é dependente da experiência sensorial, pois as ideias provenientes da reflexão mental são fundamentadas nas ideias provenientes dos sentidos. A sensação é imprescindível para que haja reflexão pois para que a mente possa refletir, e necessário antes ter um acúmulo de impressões sensoriais. Pela reflexão nós recordamos as impressões sensoriais anteriores além de as combinarmos para formas novas ideias. “Essa noção de composição de ideias e de sua análise marca o início da abordagem da química mental que caracteriza a teoria da associação [que mais tarde se chamaria aprendizagem], na qual ideias simples podem vir a formar ideias complexas” (TERUYA; LUZ, 2020, p. 10).

Mas quais as implicações desta visão para a educação? É o que veremos agora.

A experiência é a base tanto do conhecimento quanto da educação. Esse é o alicerce da tradição pedagógica empirista.

Sua crítica ao inatismo também tem seus efeitos, pois representa a ruptura com o modelo educacional que sustentava a verdade como igualmente inato no ser humano. A experiência sensível é a porta de entrada não apenas da ação cognitiva, mas também da ação educativa.

Ao questionar o inatismo, temos aqui também a crítica à ideia do homem passivo e de que a educação estaria basicamente centrada na memória, uma vez que para se obter o conhecimento basta buscar a verdade dentro de si mesmo.

Tanto o processo do conhecimento quanto o educativo se dá de fora para dentro. Ambos ocorrem do exterior para o interior com base nas experiências individuais que, na ação pedagógica, devem ser orientadas a moldar a mente e o caráter em vista de um padrão ideal de comportamento, através da instauração de bons hábitos.

Por isso a ação pedagógica deve ser conduzida com cuidado e com sabedoria, segundo o desenvolvimento natural da criança, proporcionando experiências em vista de um determinado fim. E qual fim seria esse para Locke? Por um lado, desenvolvendo as disposições naturais voltadas para o bem e disciplinando-as; por outro, freando as inclinações para o mal. É assim que Locke acredita que o caráter germina e frutifica em torno da experiência individual, e pode ser ampliada pela educação.

Para preencher a tábula rasa da mente humana é necessária a figura do professor ou preceptor (um modelo educacional antigo onde o professor era contratado pela família para ensinar seus filhos) para transmitir as ideias e o conhecimento.

O empirismo valoriza a ciência como fonte de conhecimento, pois a ciência se baseia sobretudo na observação e na experimentação.

Referências 

GARCIA, Ronaldo Aurélio Gimenes. John Locke: por uma Educação Liberal. Revista HISTEDBR, Campinas, n. 47, p. 363-377, set., 2012. Acesso em: 25 jan. 2023.

OLIVEIRA, Jamille de Amorim; SILVA, Yara Fonseca de Oliveira e. As Concepções Educacionais e Pedagógicas de Locke e a Educação Profissional. Revista Saberes, Natal-RN, v. 19, n. 2, p. 188-205, ago., 2018. Acesso em: 25 jan. 2023.

TERUYA, Teresa Kazuko; LUZ, Márcia Gomes Eleutério da. Pensamento de John Locke sobre Educação. Revista Educere Et Educare, v. 15, n. 34, p. 1-18, jan./mar. 2020. Acesso em: 25 jan. 2023.