RELIGIÃO E POLÍTICA EM HOBBES


O absolutismo hobbesiano de tipo não teológico, isto é, em que o poder do soberano não é um direito que lhe é atribuído por uma certa autoridade divina, mas o resultado de uma acordo criado e estabelecido entre os homens, promove uma rígida distinção entre poder temporal e poder espiritual. Uma análise sobre o processo de secularização no Leviatã de Hobbes é feita por Pedro Castelo Branco e, apesar de Hobbes afirmar que “quando estes dois poderes se opõem um ao outro, o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil ou de dissolução” (apud BRANCO, 2004, p. 27), a verdade é que Hobbes quer explicar o Direito e o Estado sem fazer referência a um poder transcendente e espiritual, o que rompe com qualquer possibilidade de ideia de fundar o poder em um plano teológico-metafísico (REALE, 1965). O Estado é produto da vontade humana e não de leis atemporais. O Estado espiritual, apregoado pela Igreja, seria o mesmo que o Reino de Cristo do qual ele mesmo afirmou não ser deste mundo. Entre os homens só pode existir o poder temporal. “[...] Hobbes, como bom agnóstico, não nega em nenhuma passagem do Leviatã a existência de um poder espiritual. Seu esforço é no sentido de suprimir a usurpação da jurisdição secular por parte de autoridades eclesiásticas” (BRANCO, 2004, p. 27). O poder espiritual existe, mas sua jurisdição reside em um mundo que ainda está por vir. Com isso Hobbes pretende invalidar o argumento religioso de que o poder civil está sujeito ao poder espiritual sendo este o detentor do direito de mando sobre todos os príncipes.

Mas ao mesmo tempo em que Hobbes usa as passagens da Bíblia para criticar tal argumento religioso, ele também usa a autoridade das Escrituras em favor de suas próprias teorias (STRAUSS, 1979). Com efeito

[...] é destas Escrituras que vou extrair os princípios de meu discurso, a respeito dos direitos dos que são na terra os supremos governantes dos Estados cristãos, e dos deveres dos súditos cristãos para com seus soberanos. E com esse fim vou falar no capítulo seguinte dos livros, autores, alcance e autoridade da Bíblia (HOBBES, 2003, cap. XXXII, p. 318).


O objetivo de Hobbes é claro: dar cabo à disputa política entre o Estado e a Igreja, submetendo a Igreja ao poder do Estado, mas sem negar a importância da Igreja ou mesmo a existência do poder espiritual. Fato que é compreensível se levarmos em consideração que estamos tratando de uma época em que o poder da Igreja procurava influenciar de alguma forma o poder do Estado. Não raro a autoridade do poder da Igreja procurava determinar como deveria ser conduzido o poder do Estado.

Profetas, bispos, papas, monges, pastores derivavam seu poder, direitos e funções da imediata autoridade de Deus, o que constituía uma ameaça à unidade e segurança do Estado, uma vez que não deviam obediência ao soberano civil [...] A fim de enfrentá-los o autor separa o que é de César, isto é, a esfera temporal, política, da esfera espiritual, religiosa, cuja jurisdição é de Deus, e pertence a outro mundo (BRANCO, 2004, p. 29).


Além disso é preciso considerar que no corpus da teoria filosófica hobbesiana existe uma base teológica da ideia de direito natural. Mas um pressuposto teológico que não altera a origem do poder temporal estabelecido com o pacto social. Hobbes pensa a política e o direito em termos contratuais.

 

Referências Bibliográficas

BRANCO, Pedro Hermílio V. B. Castelo. Poderes invisíveis versus poderes visíveis no Leviatã de Thomas Hobbes. Revista de Sociologia e Política, vol. 23, p. 23-41, nov. 2004. Acessado em 21/01/2016.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de uma República Eclesiástica e Civil. Organizado por Richard Tuck. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

REALE, M. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1965.

STRAUSS, L. O Estado e a Igreja. In: QUIRINO, C. & SOUZA, M. (orgs). O pensamento político clássico. São Paulo: T. A. Queiróz, 1979.