por Alexsandro M. Medeiros
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postado em ago. 2025
Pseudo-Dionísio, o Areopagita, foi um teólogo cristão e filósofo neoplatônico do final do século V ao início do século VI, que escreveu um conjunto de obras conhecido como Corpus Areopagiticum ou Corpus Dionysiacum (composto por 4 livros, além de 10 epístolas, originalmente em grego). Sua obra exerceu uma forte influência em toda a mística cristã ocidental medieval. Fazem parte do Corpus Areopagiticum: Dos Nomes Divinos (Περὶ θείων ὀνομάτων); Da Hierarquia Celestial (Περὶ τῆς οὐρανίου ἱεραρχίας); Da Hierarquia Eclesiástica (Περὶ τῆς ἐκκλησιαστικῆς ἱεραρχίας); Da Teologia Mística (Περὶ μυστικῆς θεολογίας); além de um conjunto de 10 Cartas. Sobre a influência da obra Da Hierarquia Celestial, Reale e Antiseri (2003 p. 59) afirmam que, “a própria estrutura hierárquica do Paraíso de Dante foi influenciada pela concepção hierárquica da realidade de Dionísio”. Originalmente escritos em grego, suas obras foram traduzidas para o latim primeiro por Hilduíno (abade de São Dinis, na França), em 835 d.C., e depois por João Escoto Erígena: “25 anos mais tarde [ou seja, 860 d.C.], o eminente João Escoto (que em homenagem a Dionísio passa a assinar Eriúgena) faz, sob o alto patrocínio de Carlos o Calvo, uma nova tradução daquele corpus” (Carvalho, 1996, p. 30). Sua obra influenciou grandes pensadores da tradição filosófica, com destaque para Pedro Lombardo, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Mestre Eckhart, além de muitos outros. Sobre a recepção da obra de Pseudo-Dionísio em pensadores como Tomás de Aquino e Mestre Eckhart, há um elucidativo artigo a este respeito, de Saulo Dourado (2021), intitulado: Dionísio Areopagita lido por Tomás de Aquino e Mestre Eckhart.
Apesar de identificar-se com Dionísio, o Areopagita, o convertido ateniense do apóstolo Paulo mencionado em Atos 17:34 (quando Paulo pronunciou seu famoso discurso no Areópago de Atenas), acredita-se que seus textos foram escritos por um teólogo bizantino sírio do fim do século V ou início do século VI, embora sua identidade permaneça desconhecida até hoje e provavelmente temos aqui uma questão sem solução, dada a escassez de dados que poderiam apontar a um indivíduo concreto. Por isso, a partir do século XIX o autor passou a ser chamado de “Pseudo-Dionísio”. Um dos principais argumentos de que não se trata aqui do convertido ateniense do apóstolo Paulo é que as ideias presentes no Corpus Dionysiacum parecem ser dependentes da obra do filósofo neoplatônico Proclo (que morreu em 485 d.C.), ou seja, de uma data posterior ao apostolado de Paulo sendo, por isso, possivelmente um discípulo de Proclo, e não de Paulo.
Graças aos trabalhos de H. Koch e de J. Stiglmayr, os quais mostraram a dependência do capítulo IV de Os Nomes Divinos, dedicado ao problema do mal, para com a obra de Proclo, conhecida pelo título latino De malorum subsistentia, não só se determinou que o nosso autor jamais poderia ter sido ouvinte de São Paulo como também se começou a estudar a influência neoplatónica que sofreu (Carvalho, 1996, p. 35).
No trabalho realizado por Stiglmayr também há outros questionamentos sobre a incompatibilidade histórica de Dionísio ter vivido na época de Paulo, dentre os quais podemos destacar que “a liturgia descrita na Hierarquia Celeste, com presença de Bispo e Ministros, é posterior à era apostólica” (Dourado, 2021, p. 91).
Outra questão é que Pseudo-Dionísio também foi influenciado pelos filósofos da escola de Alexandria, sobretudo Orígenes, e por Gregório de Nissa, Padre da Capadócia. Essa influência pode ser observada através da visão de filosofia que observamos em Pseudo-Dionísio: de uma filosofia que não é um saber meramente teórico ou contemplativo, mas que tem uma função prática, existencial. Uma filosofia que tem uma ligação direta com o divino e que, por isso, é vista como um processo de iluminação espiritual: “ideal que um pagão como Proclo, um judeu como Fílon e um cristão como Gregório perseguiriam sempre” (Carvalho, 1996, p. 50).
Outro fato relevante em favor de que o autor do Corpus Areopagiticum não era exatamente o convertido ateniense do Areópago de Atenas é que as primeiras notícias que temos da obra dionisíaca datam apenas do ano 532 ou 533 d.C., conforme destacam Carvalho (1996), Dourado (2021) e Brandão (2001). Foi por ocasião do Concílio de Constantinopla, em 533 que, segundo Brandão (2001, p. 146), a obra foi mencionada: “Na ocasião, seguidores de Severo, patriarca de Antioquia (+538) que contestava a definição calcedônica da unidade de Cristo, buscaram na autoridade do corpus dionisianum o apoio para suas teses”. O que poderia explicar o fato da obra dionisíaca ser ignorada por tanto tempo é justamente o fato de que os textos só podem ser posteriores ao concílio da Calcedônia. O que há de certo mesmo é que as obras de Dionísio são místicas e apresentam forte influência neoplatônica.
Dionísio repropõe o neoplatonismo em termos cristãos, sobretudo o platonismo tal como se configurara na formulação elaborada por Proclo. Mas o que mais se destaca nesse corpus, que contém muitas concepções bastante sugestivas, é a formulação da teologia “apofática” (ou negativa) (Reale; Antiseri, 2003, p. 59).
De acordo com esta teologia negativa, não é possível nomear Deus. Não é possível designá-Lo por nenhum termo, nem mesmo filosófico, pois qualquer termo seria uma forma limitada de falar de Sua natureza. Por isso, só é possível designá-Lo a partir daquilo que Ele não é. Deus é o inominável, pois o ser divino não se reduz a nenhuma das coisas finitas mas transcende todas elas.
É na obra Teologia Mística que Pseudo-Dionísio aborda o tema da teologia apofática que deve ser analisada, na verdade, em conjunto com a teologia catafática (ou afirmativa). Além destas duas, há ainda uma terceira forma de conhecer Deus, que é o conhecimento místico. Considerando a necessidade de negar toda atribuição dada a Deus, pois Ele é superior a tudo, é necessária uma forma de conhecimento elevada que, nesse caso, será descrito como conhecimento místico. Além de sua teologia apofática, catafática e mística (união, em grego henosis, com o divino), devemos considerar como aspectos basilares do seu pensamento: a noção de hierarquia (celeste e eclesiástica); a absoluta transcendência divina e a sua imanência no mundo; as pessoas da Trindade (triadiké enás).
Teologia Mística
A Teologia Mística de Pseudo-Dionísio foi fortemente influenciada pelo neoplatonismo e explora a experiência do encontro com o divino através da linguagem da negação (teologia apofática) e da transcendência. Neste percurso espiritual, a alma inicia seu caminho partindo de afirmações sobre Deus, depois passa a descrever Deus através do que Ele não é, ao invés de defini-lo positivamente, até alcançar o silêncio contemplativo, onde já não se pode mais alcançar a Deus através da linguagem, mas da união mística. Temos então um processo de ascensão espiritual, no qual o indivíduo se aproxima de Deus através de práticas contemplativas e da negação de atributos terrenos, pois a linguagem, embora essencial para expressar o mistério divino, encontra seus limites para descrevê-Lo e, por isso, é através da experiência mística, descrita como um silêncio sagrado e uma “treva luminosa”, que Deus se revela. A obra está dividida em cinco partes, como afirma Dourado (2019), sendo que as duas primeiras partes tratam da natureza de Deus, considerando-a como ausência de obscuridade. Em continuação, “na terceira parte, trata das possibilidades afirmativas para expressar esta natureza tão acima da linguagem, a fim de então, na quarta e na quinta, manifestar as possibilidades negativas em se conceituar o divino” (Dourado, 2019, p. 141).
Pseudo-Dionísio é bastante conhecido por sua teologia apofática que indica que mais fácil dizer o que Deus não é do que o que Ele é. Essa teologia negativa “aponta a natureza da causa primeira como abscôndita, para além de toda e qualquer nomeação e ser. Tudo o que se possa pensar seria apenas uma aproximação do que Deus mesmo é, e ainda muito aquém do que verdadeiramente sua natureza seja” (Dourado, 2019, p. 141).
BRANDÃO, B. G. S. L. Pseudo-Dionísio Areopagita, sobre A Teologia Mística para Timóteo. Kléos, n. 5/6, p. 146-165, 2001. Acesso em: 04 ago. 2025.
CARVALHO, M. S. de. Pseudo-Dionísio Areopagita: Teologia Mística. Porto: Fundação Eng. Antônio de Almeida, 1996.
DOURADO, S. M. Dionísio Areopagita lido por Tomás de Aquino e Mestre Eckhart. Scintilla, Curitiba, v. 18, n. 1, p. 87-112, jan./jun. 2021. Acesso em: 05 ago. 2025.
DOURADO, S. M. A Teologia Negativa entre Pseudo-Dionísio Aeropagita e Mestre Eckhart. Revista Ideação, v. 1, n. 40, p. 140-154, jul./dez., 2019. Acesso em: 05 ago. 2025.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia: patrística e escolástica. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2003. Vol. 2