ANÍSIO TEIXEIRA
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em mai. 2020
Anísio Spínola Teixeira (1900-1971) foi um educador, intelectual, escritor e um dos grandes filósofos da educação brasileira do século XX. Bacharelou-se em Direito em 1922 no Rio de Janeiro e em 1924 iniciou sua trajetória no campo educacional ao ser nomeado para a Diretoria da Instrução Pública da Bahia. Em 1929 obteve o título de Master of Arts pelo Teachers College da Columbia University.
A formação de Anísio Teixeira como intelectual é marcada por duas influências decisivas: a escolástica, presente na pedagogia jesuítica, durante o período de estudos nos colégios da Companhia de Jesus, na Bahia e o pragmatismo norte-americano, incorporado à sua formação, na década 1920, após ter sido aluno de John Dewey, no Teachers College, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque (ASSUNÇÃO, 2014, p. 201).
Nas décadas de 1920 e 1930 Anísio foi um dos difusores do movimento Escola Nova e em 1932, junto com outros intelectuais brasileiros, foi um dos idealizadores no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova “que divulgava diretrizes de um programa de reconstrução educacional para o País” (ASSUNÇÃO, 2014, p. 203) e defendia, entre outras coisas, o ensino público, gratuito, laico, obrigatório. Entre os chamados pioneiros da educação: Lourenço Filho foi fazer reformas no Ceará; Fernando de Azevedo, no Rio e em São Paulo; e Anísio Teixeira, na Bahia e no Rio.
Anísio à época da gestão da Instrução Pública na Bahia
(SOUZA, 2018, p. 66)
Anísio deu grandes contribuições na área educacional, como a reforma do sistema educacional nos estados da Bahia (onde nasceu), do Rio de Janeiro e a fundação da Universidade do Distrito Federal em 1935, que mais tarde seria transformada na Universidade do Brasil – nessa época a cidade de Brasília ainda não existia e o Distrito Federal era o Rio de Janeiro –, (sobre a atuação de Anísio na instrução pública da Bahia e do Distrito Federal, ver Souza, 2018, p. 65-101 e 120-135).
Sua reforma do ensino municipal do Rio de Janeiro nos anos 1930 foi o que o projetou nacionalmente. “Em 1931 Francisco Campos o convoca para assumir a diretoria do Departamento de Educação da Capital da República e o setor do ensino secundário, e junto ao prefeito Pedro Ernesto edificam as reformas educacionais do distrito federal” (PEREIRA, 2014, p. 39).
Na Bahia, em 1946, quando era Secretário de Educação e Saúde no Governo de Octávio Mangabeira (socialista e fundador da UDN), construiu uma escola de tempo integral: o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido por Escola Parque, que fornecia às crianças uma educação em dois turnos, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização, preparação para o trabalho e para a cidadania. “A Escola-Parque, inaugurada em 1950, procurava fornecer à criança uma educação integral, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização e preparação para o trabalho e a cidadania. Esta obra projetou-o internacionalmente” (NUNES, 2000, p. 12). Cordeiro (2001, p. 242) ressalta o Centro Educacional Carneiro Ribeiro como “o espaço onde Anísio introduziu e experimentou as suas concepções de educação”, criado como um modelo para a universalização de ensino que inspirou a organização do sistema educacional em diferentes estados, como o Rio de Janeiro, posteriormente Brasília e, mais recentemente, os CIEPS (Centros Integrados de Educação Pública).
Anísio na Escola Parque (CORDEIRO, 2001, p. 330)
Ainda na década de 1940 Anísio se tornou Conselheiro de Ensino Superior da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e nos anos 1951 foi o primeiro dirigente da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual CAPES), criada em 11 de julho de 1951, pelo Decreto nº 29.741, pelo presidente Getúlio Vargas. No ano seguinte dirigiu o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), órgão do Governo Federal – posteriormente, no governo de Fernando Henrique Cardoso, passou a se chamar Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –, e que Anísio dirigiu até o golpe de 1964 (sobre a atuação de Anísio na gestão da CAPES e do INEP, ver Souza, 2018, p. 265-325).
Durante sua gestão na CAPES e no INEP, Anísio Teixeira proferiu inúmeras conferências pelo país e participou ativamente da discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1961). Nesses anos de árdua luta pela escola pública, edita dois livros: A educação e a crise brasileira (1956) e Educação não é privilégio (1957). Suas posições lhe valeram a perseguição dos bispos brasileiros que, em 1958, lançam um memorial acusando-o de extremista e solicitando ao governo federal sua demissão. Este episódio gerou o protesto de 529 educadores, cientistas e professores de todo o país que, em um abaixo-assinado, com ele se solidarizaram. Foi mantido no cargo por Juscelino Kubitschek, então Presidente da República (NUNES, 2000, p. 12).
A experiência do golpe de 1946, aliada ao regime antidemocrático do Estado Novo, reforçou em Anísio a influência das ideias na defesa da democracia. Essas vivências reforçaram no seu espírito ainda mais a ideia da democracia, que deveria ser debatida dentro e fora da escola.
Sendo um dos principais idealizadores da Universidade de Brasília, fundada em 1961 e tendo como primeiro reitor Darcy Ribeiro, Anísio assume a função de reitor em 1962 em razão do afastamento de Darcy Ribeiro para assumir a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República. Em 1964, quando Anísio ainda era reitor da Universidade de Brasília, tropas do exército tomaram de assalto o campus universitário. Anísio é afastado e aposentado compulsoriamente.
Era a primeira de outras duas invasões que ocorreriam em 1965 e 1968. Os policiais procuraram armas. Inspecionaram minuciosamente a reitoria, a biblioteca, todos os escritórios em todos os setores. Prenderam professores e estudantes. Anísio Teixeira foi demitido de seu posto, ao lado de todo o Conselho Diretor da Fundação da Universidade (Salmeron, 1999 apud NUNES, 2010, p. 27-28).
Anísio viaja para os Estados Unidos onde leciona como professore visitante entre 1964 e 1966 na Columbia University, na New York University e na University of California. Ao retornar ao Brasil escreve várias obras, como: Pequena introdução à filosofia da educação (1967); Educação é um direito (1967); Educação no Brasil (1969) e Educação e o mundo moderno (1969).
Anísio morre de forma trágica em 1971. Um dia depois de uma visita que fez ao seu amigo Aurélio Buarque de Holanda “para pedir-lhe o voto para sua entrada na Academia Brasileira de Letras” (PEREIRA, 2014, p. 46) o corpo de Anísio é encontrado misteriosamente caído no fosso do elevador onde Holanda morava. Para a família, Anísio “foi assassinado pelo regime militar e um dos seus assassinos foi o brigadeiro Burnier da Aeronáutica” (PEREIRA, 2014, p. 46).
A influência de John Dewey
Em 1927 Anísio em uma viagem que fez aos Estados Unidos onde conheceu as ideias do filósofo John Dewey que passou a influenciar seu pensamento e posteriormente foi um dos tradutores dos trabalhos de Dewey para o português. “Sua apropriação de Dewey foi longa e múltipla e se desdobra em inúmeras publicações, traduções e na sua própria prática política” (NUNES, 2000, p. 14).
Quando Anísio assume Dewey como seu pensador preferido, este já era um conceituado professor universitário, com uma carreira que passava pelas Universidades de Vermont, John Hopkins, Michigan, Chicago e Colúmbia, com uma vasta obra sobre temas de filosofia, ética, psicologia, política, sociedade e educação (NUNES, 2000, p. 24).
Ao voltar para o Brasil, em novembro de 1927, “Anísio escreveu ao pai sobre a renovação do seu gosto pelos assuntos educacionais. Afirmava sua convicção de não mais se afastar desse rumo, a despeito das oscilações políticas e da imprensa que não lhe poupava críticas” (NUNES, 2010, p. 18).
A influência de Dewey sobre o educador brasileiro pode ser percebida de várias formas, como na filosofia pragmatista do filósofo norte americano, na ideia de valor do indivíduo, da liberdade individual (e por isso algumas vezes Anísio Teixeira é chamado até de liberal) e principalmente no campo da democracia.
Anísio Teixeira é autor da obra Educação para a Democracia, onde já no seu título se percebe a influência das ideias de Dewey, autor da obra Education and Democracy (Educação e Democracia – lançado no Brasil em 1936 com prefácio de Anísio Teixeira).
Anísio Teixeira encontrou em Dewey “a resolução na defesa de um sistema público de educação que permitisse a todos usufruírem dos benefícios da igualdade no aparelhamento para futuras carreiras” (NUNES, 2010, p. 40). E mais adiante, Nunes (2010, p. 41) ressalta como o pensamento de Dewey “forneceu uma chave de leitura da sociedade e da educação para Anísio Teixeira [...] ancorada na categoria de reconstrução. Esta categoria permitiu que o educador baiano elaborasse sua síntese e ingressasse no âmbito de uma crítica filosófica moderna”. Anísio Teixeira, que iniciou a divulgação das obras de Dewey, é o autor da apresentação da obra Vida e educação publicada no Brasil e supervisionou e corrigiu a tradução da obra Reconstruction in Philosophy, traduzida no Brasil na década de 1950. Dewey defendeu a proposta de uma reconstrução da filosofia de modo que esta pudesse repensar a própria ciência e seu desenvolvimento.
Essa tarefa de reconstrução da filosofia, que ele empreendeu no livro citado exigiu-lhe esforços contínuos no sentido de reconstruir a própria atividade do pensamento, de suas bases lógicas, de reconstruir as concepções morais e religiosas, de reconstruir a concepção de cultura, de educação e democracia (NUNES, 2010, p. 42).
Se fazia necessário uma análise filosófica dos avanços da ciência pois a verdade é que a ciência desenvolvida até aquele momento não trouxe alívio para a condição humana.
Como em Dewey, Anísio não pensa a democracia apenas do ponto de vista político como forma de governo, mas diz respeito a um modo de organização social, baseado em ideais de igualdade e liberdade para todos os indivíduos. “Democracia não é [...] somente uma forma de governo, mas uma nova organização social, em que se busca oferecer a todos os indivíduos iguais oportunidades e iguais responsabilidades para a livre expansão dos seus valores” (TEIXEIRA, 2007, p. 67 apud NOBRE; MENDONÇA, 2016, p. 28).
Um modo de organização social democrático não algo que possa se concretizar sozinho, não é algo espontâneo da sociedade. “Sabemos que historicamente a sociedade democrática não nasce como inclinação natural do homem. O autor [Anísio] pondera que, espontaneamente, a sociedade não poderá jamais ser democrática, bem como nenhuma organização social” (NOBRE; MENDONÇA, 2016, p. 31).
Por isso a constituição de uma sociedade democrática precisa do apoio da educação, de um esforço educacional para se concretizar e, inclusive, não é qualquer educação que será capaz de promover a democracia, mas uma educação intencionalmente planejada para este fim. Para Anísio Teixeira essa relação entre educação e democracia é fundamental: “a educação é a condição sine qua non da existência do Estado democrático” (TEIXEIRA, 2009, p. 99 apud NOBRE; MENDONÇA, 2016, p. 34).
Para colocar em prática um ideal democrático, é preciso que a escola adote tal modelo nas relações entre professores e alunos, entre a administração e a comunidade escolar, com a participação de todos como iguais e, além disso, planejar o currículo de modo a que favoreça uma educação democrática, em suma, cada um dos fatores da escola deve ser planejado levando em consideração tal objetivo: “currículo, métodos, organização, ou seja, atividades, processos e relações entre os três grupos de trabalho da escola, alunos, professores, administradores” (TEIXEIRA, 2006, p. 258 apud NOBRE; MENDONÇA, 2016, p. 29).
A meta é fazer do indivíduo participante direto da vida em sociedade, pertencente a família e ao grupo social.
A democracia, assim, não é algo especial que se acrescenta à vida, mas um modo próprio de viver que a escola lhe vai ensinar, fazendo-o um socius mais que um puro indivíduo, em sua experiência de vida, de sorte a que estudar, aprender, trabalhar, divertir-se, conviver, sejam aspectos diversos de participação, graças aos quais o indivíduo vai conquistar aquela autonomia e liberdade progressivas, que farão dele o cidadão útil e inteligente de uma sociedade realmente democrática. (TEIXEIRA, 2006, p. 264 apud NOBRE; MENDONÇA, 2016, p. 30).
As ideias de Anísio Teixeira a este respeito servem de base para refletirmos um modelo de gestão democrática tão discutido na atualidade, como ponderam Nobre e Mendonça (2016, p. 33), uma gestão democrática da educação pública “como uma necessidade de efetivar a boa educação, isto é, aquela educação que possibilita a formação do cidadão capaz de um pensar crítico acerca dos problemas de seu tempo e de viver também de forma democrática”.
O Manifesto de 1932
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi um documento que se tornou um marco histórico na história da educação brasileira elaborado como resultado da IV Conferência Nacional de Educação realizada pela então Associação Brasileira de Educação (ABE), responsável pela realização de onze conferências nacionais de educação entre os anos de 1927 e 1954 (SOUZA, 2018, p. 240). A IV Conferência foi realizada no Rio de Janeiro, em dezembro de 1931, e o documento do Manifesto só foi publicado no ano seguinte: o jornal Estado de S. Paulo publicou o manifesto em 19 de março de 1932, antes mesmo de outros jornais e da Companhia Editora Nacional, conforme atesta Souza (2018, p. 141). Este documento não foi uma unanimidade entre os participantes da IV Conferência conforme aponta Lemme (2005, p. 171):
Houve então sérias divergências entre os participantes da Conferência, o que redundou até na retirada do grupo dos educadores católicos, que discordaram das primeiras redações do documento, em aspectos fundamentais, tais como prioridade outorgada ao Estado para a manutenção do ensino, ensino leigo, escola única, coeducação dos sexos, etc. Afinal, o documento foi concluído e aprovado pelo plenário da Conferência e divulgado pela imprensa não especializada, em março de 1932. Trazia como título principal o de Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, era dirigido “Ao Povo e ao Governo” e onde se propunha “A reconstrução educacional no Brasil”.
A IV Conferência foi de tal forma tumultuada, “que as atas não foram sequer publicadas [...] A conferência foi encerrada sem a proposta educacional esperada; mas com a aparição do manifesto” (SOUZA, 2018, p. 137).
Tendo como redator final Fernando de Azevedo, o Manifesto de 1932 foi assinado por estudiosos das mais diversas áreas: “Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Roquette Pinto, Paschoal Leme, Cecília Meireles, Monteiro Lobato entre outros intelectuais, promulgam o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932” (PEREIRA, 2014, p. 39-40).
[...] se Azevedo foi o redator, Anísio era a “[...] espinha dorsal ideológica do ‘manifesto’”, como diz Lima. Não resta dúvida de que ele esteve presente à elaboração do manifesto e foi fundamental em sua aplicação; afinal, tornou-se um dos líderes desse grupo inovador que preconizava a educação como grande expressão do caráter nacional. Foram numerosas as conversas e cartas entre Azevedo e Anísio acerca do manifesto. Em carta de 12 de março de 1932, Azevedo reafirma a intenção contida no manifesto: caracterizar um projeto de reconstrução nacional via reconstrução educacional (SOUZA, 2018, p. 140).
O Manifesto “Foi produzido em uma ambiência de inquietação política, discussão dos rumos da instrução pública, reformas em desenvolvimento nos estados e de visibilidade da educação em conferências e congressos nacionais” (SOUZA, 2018, p. 136). Lemme (2005, p. 172-173) destaca 10 pontos que correspondem as orientações e finalidade do Manifesto da qual reproduzimos aqui apenas alguns:
[...] 2. A educação deve ser um direito de todos, de acordo com suas necessidades, aptidões e aspirações, dentro do princípio democrático da igualdade de oportunidades para todos. 3. Por isso mesmo, deve caber ao Estado, como representante de todos os cidadãos, assegurar esse direito, tornando-se assim a educação uma função essencialmente pública. 4. Para assegurar esse direito democrático a escola deve ser única, obrigatória, pelo menos até um certo nível e limite de idade, gratuita, leiga, e funcionar em regime de igualdade para os dois sexos.
O Manifesto de 1932 deu origem também a um Esboço de um Programa Educacional (LEMME, 2005, p. 173-175) que adota como alguns de seus princípios: a educação como uma função social a qual compete ao Estado a organização e custeio em todos os graus de ensino; educação integral para ambos os sexos e com oportunidades para todos.
Os pioneiros eram a favor de uma educação pública, gratuita, mista (ao contrário do costume de muitas escolas da época), laica e obrigatória. Isto quer dizer que o Estado deveria se responsabilizar pelo dever de educar o povo, responsabilidade esta que era, a princípio, atribuída à família. O Estado, para este fim, deveria proporcionar uma escola de qualidade e gratuita, possibilitando assim a concretização do direito biológico dos indivíduos à educação e, tendo em vista os interesses dos indivíduos em formação e a necessidade de progresso, consideram que esta educação deva ter caráter obrigatório.
Questionando os princípios da educação católica, defendem uma educação laica, o que distanciaria a educação de questões religiosas e a aproximaria das questões sociais. “No manifesto é notória a luta contra a Igreja privatizante que assegurava somente aos filhos das classes privilegiadas uma formação de qualidade” (PEREIRA, 2014, p. 40).
Em 1959 foi publicado um novo manifesto como reafirmação do Manifesto de 1932: O manifesto dos educadores ‘Mais uma vez convocados’. Contou com a assinatura de dezenas de intelectuais como: Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando Henrique Cardoso, Darci Ribeiro e também Anísio Teixeira. O manifesto de 1959 reafirmava mais uma vez os princípios do manifesto de 1932, de uma educação laica, obrigatória, gratuita, como bem público e dever do Estado.
Educação Popular: educação para todos os brasileiros
Sua atuação como secretário da educação, tanto na década de 1930 no Rio de Janeiro ou na década de 1950 em Salvador procurou uma forma de intervir sobre a educação das classes populares. O educador brasileiro acreditava que a educação não poderia ser um privilégio para a elite “por isso em sua obra Educação não é Privilégio o educador aponta e critica a desigualdade existente no campo educacional do seu período” (ASSUNÇÃO, 2014, p. 205). Anísio defende uma educação como um direito de todos, independente de classe social, e que deveria ser garantida pelo Estado.
Foi na década de 1950 na Bahia que Anísio concebeu a criação dos Centros de Educação Popular e é dessa época a construção da escola de tempo integral Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Esse modelo de escola deveria representar o ideal de escola primária pública no Brasil: “O ideal de educação primária pública de qualidade de Anísio Teixeira foi concretizado no Centro Educacional Carneiro Ribeiro” (ASSUNÇÃO, 2014, p. 208). Uma escola em que:
Não se tratava apenas de ensinar a ler e escrever, como pretendiam várias campanhas de alfabetização no país fadadas ao fracasso por sucessivas décadas. Entendia ele que era urgente preparar toda a população para formas de trabalho em que o uso das artes escolares fosse indispensável, bem como para uma forma de governo que exigisse participação consciente, senso crítico, aptidão para julgar e escolher (NUNES, 2010, p. 35).
Uma escola que possibilitasse uma experiência inovadora de educação integral que considera a formação total do sujeito: “uma escola para todos, de atividades artísticas, socializantes e de preparação para o trabalho e a cidadania, de alimentação equilibrada, de higiene e cuidado médico-odontológico” (SOUZA, 2018, p. 326). Inclusive que permitisse à criança viver em uma sociedade democrática.
Em pronunciamento de 1947 na Assembleia Constituinte da Bahia, após analisar os aspectos fundamentais da educação nacional, Anísio se referiu à relação indissociável entre educação e democracia ao afirmar que: “Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação faz-se o processo mesmo de sua realização. Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos. A justiça social, por excelência, da democracia, consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito” (SOUZA, 2018, p. 327-328).
Anísio é bastante categórico a este respeito ao pensar esta relação entre Democracia e Educação, inclusive no sentido de pensar que a democracia só existirá, de fato, no Brasil, no dia em que se montar a máquina que prepara as democracias: e essa máquina é a escola pública.
A Escola Parque se baseava em uma filosofia que era aquele pensada pelo pragmatismo do filósofo norte americano John Dewey, ou seja, uma educação que se efetiva através da experiência. Uma Escola planejada para que a criança pudesse experimentar na escola: “A filosofia da escola visa a oferecer à criança um retrato da vida em sociedade, com as suas atividades diversificadas e o seu ritmo de preparação e execução, dando-lhes as experiências de estudo e de ação responsáveis” (TEIXEIRA, 2007, p. 166 apud SOUZA, 2018, p. 335).
A Escola Parque foi pensada e organizada de modo que pudesse permitir aos alunos e alunas a realização de diferentes atividades, com oficinas de trabalho, ginásio e campo para atividades esportivas, um pavilhão para atividades sociais e até lojas, clubes, teatro e, é claro, bibliotecas.
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Acesse o site da Biblioteca Virtual Anísio Teixeira e encontre um rico acervo sobre o filósofo com livros, artigos, discursos, folhetos e muito mais.
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