A BELEZA ABSOLUTA NO BANQUETE DE PLATÃO
A BELEZA ABSOLUTA NO BANQUETE DE PLATÃO
No diálogo de Platão intitulado O Banquete, o personagem principal da obra, Sócrates, para falar sobre o amor, utiliza um recurso literário através do qual ele poderá livremente dizer o que deseja. Ele fala de um diálogo que teve com uma sacerdotisa chamada Diotima de Mantineia. É através dela que Sócrates define o conceito de amor (Eros). Ela, Diotima, é descrita como a sacerdotisa que instruiu Sócrates nas “coisas do amor” (erotika).
O ensinamento mais célebre de Diotima é o processo de ascensão erótica, onde o indivíduo deve aprender a direcionar seu desejo do particular para o universal: do amor a um corpo belo (a atração física inicial); para o amor a todos os corpos belos (o reconhecimento de que a beleza física é semelhante em todos); para o amor à beleza das almas (valorizando o caráter e a virtude acima do corpo); para o amor às leis e instituições (perceber a beleza na organização da sociedade); para o amor às ciências e conhecimentos (o amor intelectual); até finalmente chegar ao belo em Si (o ápice da visão, onde se contempla a essência pura, eterna e imutável da Beleza). É disso que trata o diálogo do qual reproduzimos o trecho abaixo (aqui é Diotima, falando com Sócrates, sobre o supremo grau da sabedoria):
É bem possível, caro Sócrates, que tenhas acesso a este grau de iniciação na doutrina do amor; não sei, todavia, se poderás chegar ao grau superior, o da revelação que é o fim a que irão ter todos os que praticam a boa vida. Não sei se ela está ao teu alcance [alusão aos mistérios de Elêusis, cujos adeptos deviam passar por diversos graus de iniciação]. Pouco importa, falarei sobre isso, e não pouparei esforços para elucidar-te. Se és capaz, tenta acompanhar-me.
Todo aquele que deseja atingir essa meta ideal, praticando acertadamente o amor, deve começar em sua mocidade por dirigir a atenção para os belos corpos, e antes de tudo, bem conduzido por seu preceptor, deve amar um só corpo belo e, inspirado por ele, dar origem a belas palavras. Mas, a seguir, deve observar que a beleza existente num determinado corpo é irmã da beleza que existe em outro – e que, desde que se deve procurar a beleza da forma, seria grande mostra de insensatez não considerar como sendo uma única e mesma coisa a beleza que se encontra em todos os corpos. Quando estiver convencido desta verdade, amará todos os belos corpos, passando a desprezar e ter como coisa sem importância o violento amor que se encaminha unicamente para um só corpo. Em seguida considerará a beleza das almas como muito mais amável do que a dos corpos, e destarte será conduzido por alguém que possua uma bela alma, embora localizada num corpo despido de encantamento, e a amará, zelando por sua felicidade, e inspirando-lhe belos pensamentos capazes de tornar os jovens melhores (...). Depois destas considerações, é para os conhecimentos científicos que o guia dirigirá o seu discípulo a fim de que ele possa agora perceber a beleza que existe nesses conhecimentos. Lançando seu olhar sobre a vasta região já ocupada pela beleza, deixando de ligar, como um lacaio, a sua ternura a uma única beleza – a de um jovem, a de um homem, a uma só ocupação – o discípulo liberta-se dessa escravidão, deixa de ser esse ente miserável. Ao contrário, voltar-se-á agora para o imenso oceano da beleza e, contemplando-o, dará à luz incansavelmente belos e esplêndidos discursos. E os pensamentos surgirão da inesgotável fonte do saber; e assim será até que o seu espírito fortificado e enriquecido alcance a compreensão de uma ciência única que é a da beleza, de que te vou falar! (...).
Quando um homem foi assim conduzido até esta altura da arte amorosa, e viu as coisas belas em gradação regular; quando atingiu corretamente a instituição amorosa, esse homem, caro Sócrates, verá bruscamente certa beleza, de uma natureza maravilhosa, aquela que era justamente a razão de ser de todos os seus trabalhos anteriores (...) conhecerá a beleza que não se apresenta como rosto ou como mãos ou qualquer outra coisa corporal, nem como palavra, nem como ciência, nem como coisa alguma que exista em outra, como por exemplo num ser vivo ou na terra ou no céu. Beleza, ao contrário, que existe em si mesma e por si mesma, sempre idêntica, e da qual participam todas as demais coisas belas. Estas coisas belas individuais, que participam da beleza suprema, ora nascem ora morrem; mas essa beleza jamais aumenta ou diminui, nem sofre alteração de qualquer espécie.
Quando das belezas inferiores nos elevamos através de uma bem entendida pedagogia amorosa, até a beleza suprema e perfeita (...) como de degraus de uma escada: de um para dois, de dois para todos os belos corpos, dos belos corpos para as belas ocupações, destas aos belos conhecimentos – até que, de ciência em ciência, se eleve por fim o espírito à ciência das ciências que nada mais é do que o conhecimento da Beleza Absoluta. Assim, finalmente, se atinge o conhecimento da Beleza em si! (...).