No Egito Antigo, o Livro dos Mortos contém as indicações que permitirão ao morto dirigir-se ao país das profundezas, onde receberá o julgamento no tribunal de Maat. Possui as fórmulas que despertarão a benevolência dos deuses, prevenindo-se contra a ação dos gênios maléficos. Antes de ser destinado ao inferno ou ao paraíso, o coração do morto, isto é, sua consciência, é pesado na balança dos deuses para aí ser julgado – a célebre cena pintada nos papiros funerários. Na presença de Thoth e Anúbis (Anúbis era filho de Osíris e Néftis, sendo que Osíris teve uma relação com Néftis pensando que era sua esposa Ísis: Corona, 2016), o morto deve provar que não pecou contra os homens, nunca fez nada que pudesse desagradar os deuses... nem causou sofrimento a ninguém...
Enquanto num dos pratos é depositado o coração do falecido, no outro era colocada uma pluma de Maat, que era símbolo da lei, da justiça, da verdade. O nível da balança era examinado pelo deus Anúbis e um animal em forma de macaco, que se encontra acima da balança, avisa ao deus Thoth para registrar o resultado. Caso haja desequilíbrio entre o coração e a pluma de Maat, este coração - ou seja, todo o ser do falecido - é imediatamente devorado por uma criatura com corpo de leão e cabeça de crocodilo chamado de Am-mit (Bovo, 2008, p.16). Caso o coração se equilibre em peso com a pluma de Maat, o deus Thoth registra tal resultado e profere um discurso de reconhecimento da dignidade do morto (Corona, 2016, p. 50).
A doutrina dos sacerdotes egípcios, cuidadosamente velada sob os mistérios de Ísis e de Osíris, abordam questões ligadas a alma, a imortalidade, o segredo da sua vitalidade. Osíris, Ísis, Seth e Néftis, de acordo com a mitologia egípcia, eram filhos de Geb (deus da terra) e Nut (deusa do céu), da descendência do deus-sol Rá. “Osíris era irmão e marido de Ísis, enquanto Seth era irmão e marido de Néftis” (Couto, 2008, p. 68 apud Corona, 2016, p. 45). Foi Osíris quem se tornou rei do Egito, governando toda a Terra e deu início a civilização humana, ensinando todas as coisas, inclusive a reverência e o culto aos deuses. A crença na vida após a morte e na ressurreição do homem está baseada no mito do Osíris (para mais detalhes sobre o mito ver: Budge, 2004; Corona, 2016; Couto, 2008).
Osíris passou a representar para os egípcios a ideia de um homem-deus, que viveu como um homem sofreu os sofrimentos humanos, morreu e ressuscitou, vivendo eternamente em seguida, no outro mundo. Por ter uma personalidade humana, os egípcios se identificaram facilmente com Osíris. Portanto, se Osíris viveu, morreu, passou por rituais de mumificação com palavras e atos mágicos e, por isso ressuscitou, então o egípcio poderia seguir o mesmo caminho (Budge, 1993, p.18 apud Corona, 2016, p. 48).
Debaixo da pompa dos espetáculos e da cerimônia pública do culto popular de Ísis e Osíris, ocultava-se o verdadeiro ensino dos pequenos e grandes mistérios que tinham como objetivo a ressurreição e a passagem para a vida eterna, através dos rituais funerários de mumificação. À medida que o adepto avançava em seus conhecimentos, descortinavam-se-lhe os véus dos mistérios.
Referências
BOVO, Elisabetta (Org.). História das Religiões: Origem e desenvolvimento das religiões. Trad. Carlos Nougué. Madri: Ediciones Folio, 2008.
BUDGE, Ernest Alfred Thompson Wallis. As Ideias Egípcias sobre a Vida Futura. (Egyptian Religion: Egyptian Ideas of the Future Life, 1900).Trad. Vera Maria de Carvalho. São Paulo: Madras, 2004.
CORONA, George F. O mundo dos mortos no Antigo Egito: interpretação sociológica dos funerais egípcios em perspectiva durkheimiana. UNITAS – Revista Eletrônica de Teologia e Ciências das Religiões, Vitória-ES, v. 4, n 1, p. 43-56, jan./jun., 2016. Acesso em: 27 dez. 2018.
COUTO, Sérgio Pereira. Desvendando o Egito. São Paulo: Universo dos Livros, 2008.