por Alexsandro M. Medeiros
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postado em: ago. 2025
Em um mundo cada vez mais globalizado e digitalizado, a comunicação tem sido um dos elementos essenciais para pensarmos questões ligadas à democracia e a cidadania. Não que ela não fosse essencial antes, mas agora foi potencializada no contexto das novas tecnologias de informação e comunicação. Daí surge igualmente a importância da educomunicação, como uma práxis que pretende atuar na educação e nas práticas de comunicação, organizando-se em torno do direito à comunicação como um direito humano onde as relações humanas devem ser pensadas a partir dos direitos e da dignidade da pessoa humana.
O que a Educomunicação preconiza é um tipo de gestão da comunicação que seja: aberta, democrática e participativa dos fluxos comunicacionais. Uma nova comunicação, uma comunicação pensada como diálogo, uma comunicação participativa. “A proposta entre comunicação e educação é de uma relação dialógica em que os educandos e os educadores sejam agentes ativos no processo de aprendizagem transformando constantemente a realidade” (Barbosa, 2020, p. 180).
Uma proposta de comunicação em uma interface com a educação, que deve enriquecer as possibilidades comunicacionais, dialógicas e de construção de saberes coletivos. Educar para a comunicação, além de promover o acesso aos meios de comunicação, busca também potencializar as habilidades comunicacionais, incentivar o pensamento crítico, a acolhida e o respeito ao outro nas relações interpessoais, a capacidade de ouvir e de discernimento.
Em outras palavras, os consumidores de mídia são igualmente agentes da criação de conteúdos porque são estimulados a participar da produção da informação. A Educomunicação promove relações horizontais onde todos estão envolvidos no fluxo de informação. A partir desta perspectiva, os indivíduos têm a oportunidade de expressar livremente opiniões e valores além de participar da produção da respectiva cultura. A Educomunicação possibilita criar espaços concretos para o exercício da autonomia, espaços que acolham a todos como agentes ativos de transformação social.
Há que se considerar que a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2018) entende que a comunicação é uma competência fundamental e que, por isso, deve ser desenvolvida no contexto da educação básica para formar cidadãos e cidadãs. Ao ressaltar a comunicação é uma competência fundamental, nada mais natural que a educomunicação e a educação midiática apareçam como caminhos para o exercício da livre expressão no âmbito de atividades educativas, entendendo a comunicação em sentido amplo, para além do uso cotidiano das novas mídias e tecnologias digitais (apropriação crítica e criativa), como processo essencial à ampliação dos direitos e liberdades, para a mediação de conflitos e manutenção da democracia. “A educomunicação e uma de suas especificidades, a educação midiática, propõem uma educação para e com as mídias há décadas, em contextos explicitamente fomentadores da participação social e, por isso, de exercício da cidadania” (Ferreira, 2023, p. 120).
Sabe-se o quanto a educação tem um papel importante na formação para a cidadania. A escola deve contribuir para a formação de cidadãos e cidadãs ensinando valores democráticos e estimulando seus estudantes a exercitar seus direitos. Nesse cenário, a educomunicação surge como uma possibilidade que pode ser praticada através de meios comunicacionais como uma rádio comunitária, a produção de vídeos, podcasts, que contribuam para a defesa dos direitos e exercício da cidadania. “Assim, entendemos que a intenção da educomunicação é, propriamente, formar um cidadão partícipe dos processos sociais que utiliza a comunicação como um processo fundamental à participação e, portanto, ao pleno exercício da cidadania” (Ferreira, 2023, p. 122).
Entre as muitas práticas comunicativas que os sujeitos podem utilizar para o exercício da cidadania estão a produção e formatação de conteúdos, veiculação e divulgação, gravação/edição de vídeos, áudios, entre outras. O século XXI tem diante de si novas formas de ação coletiva potencializadas pela cultura digital. Hoje é possível utilizar espaços comunicativos como as redes sociais, WhatsApp, Instagram, YouTube, Telegram, o Facebook, dentre outras. Mas é preciso apropriar-se das técnicas e de instrumentos tecnológicos de comunicação a partir de uma visão crítica, tanto pelas informações que recebem quanto pelo que aprendem através da vivência e da própria prática.
O que ressalta a importância de ampliar os estudos sobre as redes de mídias sociais e cultura digital para entendermos a cultura política e a nova cidadania que se estabelece através dessas ágoras online (uma alusão a ágora grega, a praça pública, onde eram debatidas as questões de interesse de cidades como Atenas, por exemplo). Estas ágoras on line (Lemos; Lévy, 2010) ou ágoras digitais são espaços onde são possíveis debates em torno de questões públicas em websites como o portal e-democracia da Câmara dos Deputados ou e-cidadania do Senado Federal brasileiro. Temos a possibilidade de uma Democracia Digital, que tenta dialogar com a geração digital e pode combinar outras formas de democracia especialmente a representativa, com a democracia direta via on line.
Com o advento da internet a concepção de um espaço público ou esfera pública ganha novas dimensões. Fala-se em esfera pública virtual (Marques, 2006; Oliveira, 2012), esfera pública interconectada – networked public sphere (Benkler, 2006; Diniz; Ribeiro, 2012; Silva, 2010; Silveira, 2009) que, em conjunto com as ágoras on-line, constituem um lócus destinado à formação de opiniões e debates para fomentar a participação dos cidadãos. “A Internet não permite somente comunicar mais, melhor e mais rápido; ela alarga formidavelmente o espaço público e transforma a própria natureza da democracia” (Cardon, 2012, p. 01).
O exercício da cidadania pode ser realizado através da comunicação. Uma comunicação participativa onde coletivos, associações e movimentos da sociedade civil utilizem a comunicação e seus recursos midiáticos e tecnológicos como meio de desenvolvimento social, contribuindo para a melhoria de vida de grupos sociais oprimidos e marginalizados. Para isso, devemos aprender sobre comunicação, mídias e informação, para que esse aprendizado possa contribuir para a formação cidadã e para a qualificação da participação social e política das pessoas na sociedade. É preciso aprender a decodificar mensagens midiáticas e identificar diferentes intencionalidades nos discursos que acessamos todos os dias.
Nesse contexto, a educomunicação se estabelece como prática social, como destaca Ferreira (2023, p. 121), segundo o qual, “uma importante referência de comunicação participativa para o campo da educomunicação é o comunicador popular argentino Mário Kaplún (1923-1998)”. Vale destacar também a criação do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE/USP), coordenado pelo professor Ismar de Oliveira Soares.
Dentre os diferentes exemplos que existem como práticas educomunicativas voltadas para o exercício da cidadania podemos citar:
1) Viração Educomunicação: uma organização da sociedade civil de São Paulo que desenvolve atividades sobre educação, comunicação e mobilização com o objetivo de aproximar adolescentes e jovens de seus direitos (Ferreira, 2023, p. 123-125).
2) Educom.Guarani: projeto formado por educomunicadores indígenas e não indígenas no oeste paranaense que utiliza ferramentas e tecnologias da comunicação na formação de professores das escolas estaduais indígenas, com foco em aspectos gramaticais da língua guarani. O projeto tem apoio de estudantes e professores da Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA). Ver o site do projeto: https://www.educomguarani.com
3) O programa Educomunicação Socioambiental: criado em 2005 pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o programa procura ampliar a mobilização da população para ações voltadas à preservação ambiental no Brasil, mediante o emprego dos recursos da comunicação comunitária (Soares, 2023, p. 55-56).
4) O projeto Educom.Saúde-SP: implementado entre 2019 e 2022, pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, tinha como objetivo utilizar práticas educomunicativas na preparação de agentes de saúde para a construção de planos de mobilização das populações locais (nível municipal) no combate a endemias, como a dengue, em todo o território do estado (Soares, 2023, p. 56).
5) Projeto Educom.rádio – Educomunicação pelas ondas do rádio: projeto implementado em 2001, entre a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo. O sucesso do projeto fez com que fosse criada na cidade de São Paulo a “Lei Educom – Educomunicação pelas Ondas do Rádio” (Lei nº 13.941, de 28 de dezembro de 2004), estabelecendo como meta: “o desenvolvimento da radiodifusão restrita e comunitária, bem como toda forma de veiculação midiática, no âmbito da administração municipal; o incentivo às atividades de rádio e de televisão comunitária em escolas e centros culturais” (Schwart; Ribeiro, 2018, p. 210). O rádio foi um dos instrumentos que marcou as experiências tecnológicas desenvolvidas ao longo do século XX. Sobre o projeto Educom.rádio, Schwart e Ribeiro (2018) destacam que as 455 escolas municipais do ensino fundamental que participaram do projeto receberam um equipamento de rádio e tanto jovens quanto adultos participavam das oficinas para produzir programas, roteiros, mapas narrativos e vinhetas.
[...] os programas foram pensados de acordo com o interesse dos alunos e dos integrantes da comunidade [...] Era um aprendizado social adquirido pela experiência e pela vivência [...] Um dos aspectos que diferencia esta experiência de demais, criadas em escolas ou comunidades, é que ela de fato trouxe o protagonismo dos envolvidos [...] Considera-se que o projeto resultou em produção de conteúdos midiáticos em processo de emancipação crítica. Os docentes e os discentes envolvidos com a produção dessa experiência estabeleceram laços de proximidade. O meio de comunicação rádio possibilitou a troca de saberes à medida que as crianças criavam seus programas, com seus focos de interesses e novos conteúdos sociais, culturais, políticos e econômicos (Schwart; Ribeiro, 2018, p. 213).
BARBOSA, Ana Karoline. Cidadania através da Educação e Comunicação. Puçá: Revista de Comunicação e Cultura na Amazônia, Belém, v. 6, n. 1, p. 179-192, 2020. Acesso em: 16 ago. 2025.
BENKLER, Yochai. The wealth of networks: how social production transforms markets and freedom. USA: Yale University Press, 2006.
CARDON, Dominique. A democracia internet: promessas e limites. Tradução de Nina Vincent e Tiago Coutinho. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
DINIZ, Eduardo H.; RIBEIRO, Manuella Maia. O conceito de esfera pública interconectada e o site “webcidadania” no Brasil. Gestão & Regionalidade, v. 28, n. 83., mai-ago, 2012. Acesso em: 16 ago. 2025.
FERREIRA, B. de O. Educomunicação e educação midiática no desenvolvimento da comunicação cidadã. In: MORAES, C. H. de; KOFFERMANN, M.; RADDATZ, V. L. S. (orgs.). Educomunicação para democracia e cidadania [livro eletrônico]. Brasília: Editora Edebê, 2023, p. 117-127.
LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010.
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SOARES, I. de O. Educomunicação e transformação social no Brasil, na América Latina e na Europa. In: MORAES, C. H. de; KOFFERMANN, M.; RADDATZ, V. L. S. (orgs.). Educomunicação para democracia e cidadania [livro eletrônico]. Brasília: Editora Edebê, 2023, p. 47-65.
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Webgrafia:
https://www.sabedoriapolitica.com.br/ciber-democracia/
https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/esfera-publica-virtual/