BUDISMO, MEDITAÇÃO E ILUMINAÇÃO

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em: jul. 2021


Geralmente quando se fala em Budismo a primeira imagem que vem associada a mente é a de um monge meditando e, de fato, as principais representações de Buda e dos chamados bodhisattvas (que são seres iluminados) é na forma de meditação geralmente também sobre uma flor de lótus que simboliza a pureza e a perfeição da sabedoria.

A meditação faz parte do chamado Caminho Óctuplo, que é o caminho através do qual o indivíduo consegue se libertar do sofrimento, pois, para o Budismo, a vida é cheia de sofrimento, é o que Buda nos ensina na primeira verdade nobre. O propósito da meditação é encontrar um caminho para a iluminação e, consequentemente, para a libertação do sofrimento, pois se somos responsáveis pelos nossos sofrimentos, somos responsáveis também pela nossa iluminação.

Esse Caminho Óctuplo é assim chamado porque são oito passos corretos que devem conduzir o seu praticante a se libertar do sofrimento e destes oito, três estão relacionados diretamente com a prática da meditação que são: o esforço correto, a atenção correta e a concentração correta.

Vale ressaltar que foi através da meditação que Buda encontrou a iluminação. Quando Siddartha Gautama, antes de se tornar Buda, sentou embaixo de uma árvore para meditar e só saiu de lá depois de encontrar as respostas que o afligiam. Esta árvore ficou conhecida como a árvore Bodhi ou a árvore da iluminação.

Aqui neste texto nós iremos nos concentrar nos três passos do Caminho Óctuplo que concernem a prática da meditação.

Embora existam diferentes tipos e práticas de meditação, podemos apontar como algumas características básicas senão de todas, pelo menos da grande maioria delas: a concentração, ou a capacidade da mente estar focada em um objeto; a atenção, ou observação da mente pela mente; e a integração entre concentração e atenção.

Outro ponto a ser considerado é a orientação para um resultado final geralmente associado a algum tipo de iluminação espiritual e ao nirvana (libertação). “No budismo, a meditação é o principal método para superar as emoções aflitivas e assim atingir a libertação do sofrimento e do ciclo de renascimentos (samsara)” (PLÁ, 2012, p. 18).

Mesmo assumindo diferentes formas e com diferentes abordagens da prática e ensino budista, a meditação pode ser incluída em duas modalidades. É assim o entendimento do Venerável Kenchen Thrangu Rimpoche (2001, 14 apud PLÁ, 2012, p. 22): “há um grande número de técnicas de meditação, mas todas podem ser incluídas nas duas modalidades: Shamatha e Vipashyana”.

A meditação shamatha está associada a prática da concentração e a Vipassana à prática da atentividade. A concentração consiste em focar a mente em um ponto, através de uma ação contínua forçada. Já a atentividade é mais refinada e sensível, e não submete a mente à força, mas quando percebe que a atenção da mente se esvai, procura fazer com que ela retorne ao estado de atenção. A atentividade percebe as coisas. “A Concentração oferece a força. Ela mantém a atenção pregada em um objeto [...] A atentividade pega os objetos de atenção, e percebe quando a atenção se vai. A concentração realiza o trabalho de manter a atenção estável no objeto escolhido” (MAHATHERA, 1991, 155 apud PLÁ, 2012, p. 23). Embora a prática shamatha e vipassana possam corresponder “a funções diferentes, essas práticas não são vistas como independentes. Pelo contrário, em muitos casos, a shamatha é apresentada como uma preparação e um complemento para vipassana” (PLÁ, 2012, p. 23).

A meditação do ponto de vista shamatha significa procurar estar sempre atento, evitando distrações, direcionando a mente para um objeto. Permanecer estável em meio a multiplicidade de pensamentos que tomam conta da nossa mente, além dos mais diferentes estímulos internos e externos.

[...] as duas primeiras sílabas de Shamatha querem dizer Paz o que, neste contexto, significa que a mente não está distraída, ou seja, não está afligida pelo ódio, tristeza, lamúria ou apego. Na meditação Shamatha a mente fica em repouso e tranquila, sem quaisquer dificuldades ou penúrias. A terceira sílaba do sânscrito (Tha) significa “permanecer com estabilidade” [...] neste contexto, quer dizer que a mente não se acha envolvida em dificuldades ou atividades forçadas, mas sim permanece estável, habitando um estado de paz (THRANGU, 2001, 11-12 apud PLÁ, 2012, p. 24).

  

Meditar é, portanto, manter-se estável em meio ao fluxo instável de pensamentos, sentimentos e percepções.

Para ajudar nesta prática de meditação, inicialmente pode-se utilizar a imagem de objetos externos ou focar a atenção na percepção interna, da respiração ou sensações corporais, por exemplo. Havendo distração, deve-se retornar ao mesmo objeto. Essa fase preliminar (direcionada para um objeto) deve, no entanto, ser sucedida por outra, sem objeto, permitindo à mente repousar na própria mente: “Este estágio, no qual a mente é objeto de si mesma, é, segundo Yongey Mingyur Rimpoche, a forma mais elaborada de shamatha” (PLÁ, 2012, p. 25).

Meditar 

Como iniciar a meditação? Simplesmente sentar, silenciar e experenciar. A isto serão acrescidas outras técnicas com o tempo, como repousar na respiração.

A meditação é um mecanismo de investigação da mente utilizando a própria mente.  A meditação visa uma experiência direta da nossa realidade interna, que pode ser chamada de Eu, Self, Atman, Anatman, Mônada ou outras nomenclaturas.

Através da meditação o Budismo nos ajuda a compreender os processos e mecanismos da mente, estar consciente de tudo o que acontece na mente, as percepções e reações que surgem através dela, a natureza dos fenômenos vivenciados, como podemos produzir aspectos construtivos (karma positivo) e não construtivos (karma negativo).

Para Souza (2012, p. 26), um dos grandes benefícios da prática da meditação é o de nos ajudar a “perceber quais emoções habitam a mente naquele momento, e trabalhar essas emoções durante a meditação, diminuindo as tensões, as angústias, o fogo das emoções aflitivas”. E com a prática diária da meditação, é possível fazer disto um hábito. O que significa “estar presente no próprio contínuo mental” a cada instante. Isto não significa que devemos meditar como se tivéssemos que manter uma postura de silêncio o tempo todo, mas manter-se em um estado de meditação, digamos assim. “Meditar é estar presente. Estar presente no seu próprio contínuo mental – o que significa estar se observando e se sentindo o tempo todo. Estar presente em cada momento, atento às percepções, ações, reações e impactos provocados” (SOUZA, 2012, p. 26). Ao manter tal postura, é possível atuar sobre pensamentos e emoções no momento em que eles surgem.

A meditação nos permite ainda experenciar vários níveis de consciência e analisar os processos que se constroem na mente e assim nos ajudar a intervir e até reconstruir determinados processos mentais. “Meditar corresponde a este processo de intervenção nos hábitos e padrões, possibilitando o nascimento de novas maneiras de agir no mundo” (SOUZA, 2012, p. 52). Ao possibilitar a experiências dos vários níveis de consciência, podemos pensar na possibilidade de ampliação da consciência que permita ao indivíduo se perceber para além do ego.

Meditar é observar. E assim como os pensamentos surgem, deve-se deixá-los passar, sem se identificar, rejeitar ou agarrar, deixando apenas que eles venham e vão. Meditar é entrar em contato com a realidade radiante que existe dentro de nós, com as energias da mente, com a força da mente.

Assim é a meditação: é o esforço correto (perseverança na prática) como treinamento da atenção correta (estar atento a cada instante, percebendo sensações, emoções, pensamentos) e da concentração correta (evitando a dispersão através da concentração).

Referências 

PLÁ, Daniel Reis. Sobre cavalgar o vento: Contribuições da meditação budista no processo de formação do ator. Tese (Doutorado em Artes Cênicas), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2012.

SOUZA, Carlos Henrique Amaral de. Constituição do Campo Sensível: Apegos, Renúncia, e Liberdade – Uma Contribuição da Filosofia Budista. Dissertação (Mestrado em Psicologia), Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, 2012.