RELIGIÃO / RELIGIÕES
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em jan. 2019
A Religião pode ser definida como um conjunto de crenças que buscam dar sentido à vida, explicando sua origem, a origem do universo e sua relação com o sobrenatural/invisível.
Muitas pessoas já tentaram definir religião, buscando uma fórmula que se adequasse a todos os tipos de crenças e atividades religiosas [...] Há também pesquisadores cuja opinião é que o único método construtivo de estudar as religiões é considerar cada uma em seu próprio contexto histórico e cultural (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 16)
De qualquer forma, é possível encontrar traços comuns que nos ajudem a definir as religiões, como a crença em divindades (uma ou várias), no sobrenatural e subsequente salvação e punições. “A garantia religiosa é sobrenatural no sentido de situar-se além dos limites abarcados pelos poderes do homem, de agir ou poder agir onde tais poderes são impotentes e de ter um modo de ação misterioso e imperscrutável” (ABBAGANANO, 2007, p. 816). A crença no sobrenatural/invisível, no sentido de algo que existe além do mundo natural/visível aos olhos, é um aspecto fundamental das mais diferentes religiões. De que fala a linguagem religiosa?, pergunta Alves (1984, p. 25-26) ao qual responde: “a linguagem se refere as coisas invisíveis, coisas para além dos nossos sentidos comuns que, segundo a explicação, somente os olhos da fé podem contemplar”. O sagrado existe em estreita relação com o invisível.
E é ao invisível que a linguagem religiosa se refere ao mencionar as profundezas da alma, as alturas dos céus, o desespero do inferno, os fluidos e influências que curam, o paraíso, as bem-aventuranças eternas e o próprio Deus. Quem, jamais, viu qualquer uma destas entidades? (ALVES, 1984, p. 26)
As religiões tem como fundamento uma revelação originária que garante a sua verdade. Seja a Bíblia, o Alcorão ou a Codificação Espírita, os conhecimentos que servem de base e fundamentação para uma religião são, geralmente, atribuídos a uma revelação divina.
As religiões assumiram formas míticas ao longo das eras, sempre com o mesmo objetivo de procurar uma explicação para a origem do universo e da vida, como na mitologia grega, nórdica, egípcia e tantas outras. “O mito procura explicar alguma coisa. E uma resposta metafórica para as questões fundamentais: de onde viemos e para onde vamos? Por que estamos vivos e por que morremos?” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 19). Através dos mitos procura-se elucidar algo que aconteceu no princípio dos tempos, na origem do mundo, do universo e até mesmo dos deuses, dando uma explicação para a existência. São os mitos de criação, como na narrativa bíblica do Gênesis ou na Teogonia (teos = deus ou deuses; gonia, de gênese) da mitologia grega. Há também narrativas sobre o fim do mundo, como no Apocalipse bíblico ou o Ragnarok da mitologia nórdica. Segundo este mito, “A Terra, que foi criada e organizada, está sob a constante ameaça das forças do mal, as quais querem destruir o sistema do mundo e um dia irão imperar” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 22). Ao longo da história temos o registro de várias formas de mitos e práticas religiosas.
Etimologia
Historicamente há mais de um significado para a palavra religião. O filósofo romano Cícero, na sua obra De natura deorum (45 a.C.), destaca o uso do termo relegere, cujo sentido é reler, sublinhando o carácter repetitivo do fenômeno religioso através da leitura dos textos sagrados.
Aqueles que cumpriam cuidadosamente todos os atos do culto divino e, por assim dizer, os reliam atentamente foram chamados de religiosos — de relegere —, assim como elegantes vem de elegere, diligentes de diligere e inteligentes de intelligere, de fato, em todas essas palavras nota-se o mesmo valor de legere, que está presente em R. [Religião] (CÍCERO apud ABBAGNANO, 2007, p. 847).
Uma outra interpretação destaca o uso do termo religare (religar). Esta interpretação tem origem com Lactâncio, no séc. III e IV d.C., que argumentava que a religião promovia uma espécie de religação da criatura com o Criador. Essa interpretação também existe em Santo Agostinho (séc. IV d.C.) que, na obra De vera religione, via em religio uma relação com religar. “Para Lactâncio (Inst. Div., IV, 28) e S. Agostinho (Retract., I, 13) [...] essa palavra deriva de religare, e a propósito Lactâncio cita a expressão de Lucrécio ‘soltar a alma dos laços da R. [Religião]’” (ABBAGNANO, 2007, p. 847).
Práticas e Símbolos
As práticas religiosas incluem narrativas, símbolos, oração, culto, sacrifício, cerimônias, que fazem parte de sua tradição. Como o batismo em uma igreja cristã, a prática da meditação em um templo budista, a peregrinação à cidade de Meca por um muçulmano.
A cerimônia religiosa desempenha um papel importante em todas as religiões. Nessas ocasiões, segundo certas regras predeterminadas, invoca-se ou louva-se um deus ou vários deuses, ou ainda manifesta-se gratidão a ele ou a eles. Tais cerimônias religiosas, ou ritos, tendem a seguir um padrão bem distinto, ou ritual” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 25 – grifos dos autores).
A religião se apresenta como uma rede de símbolos, uma teia de símbolos, com altares, amuletos, colares. O pão, algo usado para alimentação diária, pode igualmente ser usado como símbolo religioso, assim como o vinho: “os homens não vivem só de pão. Vivem também de símbolos, porque sem eles não haveria ordem, nem sentido para a vida, e nem vontade de viver” (ALVES, 1984, p 35).
História e Filosofia da Religião
As reflexões sobre o fenômeno religioso são tão antigas quanto a humanidade. Historicamente se confundem com a própria origem da humanidade. Mas os registros históricos que temos de tais reflexões não são tão antigos e podemos encontrar muitos desses escritos a partir dos pensadores e filósofos da antiga Grécia, ou de historiadores como Heródoto. Heródoto foi um historiador grego que descreveu nas suas Histórias as várias práticas religiosas dos povos que encontrou durante as viagens que efetuou. Outro Historiador, Tácito, também é conhecido pela descrição que faz em suas obras das práticas religiosas. Plutarco, no primeiro século de nossa era, escreveu uma série de obras que poderiam ser chamados mitologia comparativa.
As discussões da natureza de Deus (se ele é imutável, perfeito, imóvel) são elaboradas em tratados teológicos tais como Proslogion e Monologion de Santo Anselmo, A Summa Teológica de São Tomás de Aquino e também por filósofos que não eram sacerdotes ou monges, como Descartes e Leibniz.
Também estamos diante de questões filosóficas quando nos fazemos perguntas sobre a nossa existência, tais como: quem eu sou? De onde viemos? Para onde vamos depois da morte? Eu sou mortal ou imortal? Questões existenciais como estas surgem em todas as culturas e formam a base de todas as religiões.
Nos primeiros séculos da era cristã e durante toda a Idade Média, vários foram os teólogos e filósofos que produziram reflexões sobre a religião, como Santo Agostinho e posteriormente São Tomás de Aquino. Ambos são responsáveis não apenas por realizar estudos teológicos sobre os fenômenos religiosos, mas também filosóficos, na medida em que procuraram refletir sobre temas como a existência e a natureza de Deus e encontrar explicações racionais para os dogmas da fé, conciliando o cristianismo com as filosofias de Platão e Aristóteles, respectivamente.
No período do Renascimento também tivemos vários pensadores que realizaram estudos sobre a religião e não apenas sobre o cristianismo, como também sobre o islamismo e o judaísmo, dentre eles: o monge Nicolau de Cusa, Marsílio Ficino, Pico dela Mirandola.
No século XIX e XX, a história das religiões será influenciada por abordagens de diferentes áreas do conhecimento como: a sociologia de Émile Durkheim e sua obra Les formes élémentaires de la vie religieuse (As formas elementares da vida religiosa) ou Max Weber (autor de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo); os estudos em psicologia de Freud (Totem e Tabu), seu discípulo Carl Gustav Jung (Psicologia e Religião) ou William James (As Variedades das Experiências Religiosas); os estudos em antropologia social realizados por Claude Lévi-Stgrauss que publicou várias obras que abordam a temática religiosa; e na abordagem fenomenológica de Rudolf Otto (autor do livro O Sagrado) e Mircea Eliade (autor de várias obras, como: Tratado de História das Religiões e O Sagrado e o Profano).
Otto fala de uma dimensão especial da existência, a que chama de misterium tremendum et fascinosum (em latim, “mistério tremendo e fascinante”). É uma força que por um lado engendra um sentimento de grande espanto, quase de temor, mas por outro lado tem um poder de atração ao qual é difícil resistir (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 17).
Merece destaque ainda Friedrich Max Müller, um dos primeiros a usar o termo Ciência da Religião (Religionswissenschaft), para designar uma forma científica de estudar os fatos e fenômenos religiosos. Müller é autor da obra Introdução à Ciência da Religião, de 1882, dividido em 4 capítulos: Palestras sobre Ciência da Religião (Palestra 1, 2, 3 e 4). “Estas Palestras, destinadas como uma introdução a um estudo comparativo das principais religiões do mundo, foram entregues na Royal Institution em Londres, [...] e impressas na Fraser's Magazine de fevereiro, março, abril e maio do mesmo ano [de 1870]” (MÜLLER, 1882, p. VII – tradução nossa).
Referências Bibliográficas
ABBAGNANO, Nicola. Religião (verbete). In: ____. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007 p. 846-852.
ALVES, Rubens. O que é Religião. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Coleção Primeiros Passos).
HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O Livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
MÜLLER, F. Max. Introduction to the Science of Religion: Four Lectures. London: Longmans Green and CO, 1882.