REFERÊNCIAS DE MUNDO E ASPECTOS DA RACIONALILDADE DO AGIR EM QUATRO CONCEITOS SOCIOLÓGICOS DE AÇÃO (resenha)

Resenha da parte III do capítulo 1 da obra Teoria do Agir Comunicativo

HABERMAS, J. Teoria do Agir Comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. Tradução Paulo Astor Soethe. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. vol. 1

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em ago. 2016


Após um debate antropológico sobre a posição da compreensão de mundo moderna, realizada na parte II do Capítulo 1, e de uma análise provisória do conceito de racionalidade comunicativa a partir do emprego da expressão “linguística racional”, Habermas propõe agora (parte III do Capítulo 1) uma explicação mais exata do conceito de racionalidade comunicativa.

Procurarei cumprir essa tarefa de maneira indireta, a saber, na trilha de um esclarecimento formal-pragmático do conceito de agir comunicativo, e isso tão somente nos limites de uma passagem sistemática por diversas posições ao longo da história da teoria (2012, p. 147).


Em primeiro lugar, Habermas propõe analisar o conceito segundo o fio condutor de um entendimento linguístico, ou seja, que haja um comum acordo almejado pelos participantes que possa ser medido segundo pretensões de validade (verdade proposicional, correção normativa e veracidade subjetiva) criticáveis.

O conceito de racionalidade comunicativa remete, portanto, a formas de pretensões de validade e a referências de mundo aceitas intersubjetivamente pelos agentes comunicativos.

Em seguida Habermas analisa quatro conceitos sociológicos de ação (que dá o título a este tópico): a partir do conceito de mundo subjetivo de Popper, o agir teleológico, o agir regulado segundo normas e o agir dramatúrgico; relevantes para a formação da teoria em ciências sociais que possibilitem uma introdução, ainda que provisória, do conceito de agir comunicativo. Habermas irá analisar as implicações de racionalidade desses conceitos com base nas referências entre “ator e mundo”.

Habermas inicia com a análise dos “três mundos” propostas por Popper (p. 149-163): mundos objetivo, social e subjetivo. Habermas analisa o modo como esses três mundos se relacionam, como interagem e mantém um intercâmbio entre si. Sendo

[...] primeiro, o mundo dos objetos físicos ou dos estados físicos; em segundo lugar, o mundo dos estados de consciência ou dos estados espirituais, ou talvez o mundo das disposições comportamentais para a ação; e, terceiro, o mundo dos conteúdos objetivos do pensamento, principalmente dos pensamentos científicos e poéticos e das obras de arte (p. 149 – grifo do autor).


Não se trata de entrar no debate que Popper realiza a partir do conceito de “pensamento” de Frege (o terceiro mundo seria o conjunto de “pensamentos fregianos”), ou de assumir a crítica husserliana sobre o psicologismo (evitar uma concepção psicologista do espírito objetivo e uma concepção fisicista do espírito subjetivo), mas de como, para Popper, o sujeito encontra-se no mundo, recebe dele suas impressões por meio da percepção sensorial (concepção empirista fundamental) e como intervém por meio de ações sobre o mundo.

Quanto ao agir teleológico, desde Aristóteles que este conceito está no centro da teoria filosófica da ação. O ator realiza um propósito ou ocasiona o início de um estado almejado, à medida que escolhe em dada situação meios auspiciosos, para então empregá-los de modo adequado. O conceito central é o da decisão entre diversas alternativas, voltada à realização e um propósito, derivada de máximas e apoiada em uma interpretação da situação (2012, p. 163).

O modelo teleológico (p. 167-170) é frequentemente interpretado de maneira utilitarista e supõe que o ator escolhe e calcula os meios e fins segundo aspectos de sua maximização ou expectativas. O agir teleológico tem como pressuposto ontológico um mundo objetivo: “pressupõe relações entre um ator e um mundo de estado de coisas existentes” (p. 167) e que permite ao ator formar opiniões sobre estados de coisas existentes.

Já o agir regulado por normas (p. 170-174) se refere ao comportamento de um ator segundo valores em comum subsistente em um grupo social.

Todos os membros de um grupo em que vale determinada norma podem esperar uns dos outros que cada um execute ou omita as ações preceituadas de acordo com determinadas situações. O conceito central de cumprimento da norma significa a satisfação de uma expectativa de comportamento generalizada (2012, p. 164 – grifo do autor).


O agir regulado por normas pressupõe relações entre um ator e dois mundos: o mundo objetivo de coisas existentes e o mundo social, que o sujeito integra com outros atores, para os quais as normas integram o mesmo mundo social.

Que uma norma valha significa em termos ideais: ela recebe assentimento de todos os atingidos, porque regulamenta os problemas da ação em prol do interesse comum desses mesmos atingidos. Que uma norma subsista facticamente significa, por outro lado, o seguinte: a pretensão de validade com a qual ela se apresenta é reconhecida pelos atingidos, e esse reconhecimento intersubjetivo fundamenta a validade social da norma (2012, p. 171 – grifos do autor).


Por fim o agir dramatúrgico (p. 174-182), que se refere “aos participantes de uma interação que constituem uns para os outros um público a cujos olhos eles se apresentam” (p. 165). O ator age com a intenção de controlar em seu público o acesso à esfera de suas intenções, pensamentos, sentimentos etc., ao qual ele tem acesso privilegiado. O agir dramatúrgico pressupõe o mundo subjetivo.

O agir dramatúrgico foi introduzido nas ciências sociais em 1956 por E. Goffman e designa a maneira como indivíduos se apresentam para os outros em situações normais de trabalho, por exemplo. Com que meios controla suas atividades e dirige a impressão que causa nos outros. No palco é possível fingir o que está sendo apresentado e o ator se apresenta sob um disfarce. “Na vida, por outro lado, representam-se coisas altamente prováveis, que são autênticas mas ensaiadas de maneira insatisfatória” (p. 175, nota 148).

No agir dramatúrgico é preciso se relacionar com o mundo subjetivo, ao qual, em comparação com os outros, um ator tem acesso privilegiado. É o campo da subjetividade. Um ator tem desejos e sentimentos e procura externar essas vivências diante de um público, seja através da comunicação sincera de alguma intenção ou desejo, ou o direcionamento cínico das impressões que deseja despertar nos outros.

O conceito de agir comunicativo é o último analisado por Habermas (p. 182-195). Habermas analisa como o agir comunicativo se relaciona com a linguagem de modo diverso das três concepções anteriores que, segundo o autor, são unilaterais e tematizam apenas uma função da linguagem de cada vez.

Somente o modelo comunicativo de ação pressupõe a linguagem como um medium de entendimento não abreviado, em que falantes e ouvintes, a partir do horizonte de seu mundo da vida previamente interpretado, referem-se simultaneamente a algo no mundo objetivo, social e subjetivo a fim de negociar definições em comum para as situações (p. 183-184).


Quanto às três concepções anteriores, temos respectivamente: “o entendimento indireto dos que têm em vista somente a realização de seus próprios propósitos; [...] o agir consensual dos que apenas tratam de atualizar uma concordância normativa já subsistente; e [...] a autoencenação direcionada a espectadores” (p. 184). Só o agir comunicativo leva em consideração todas as funções da linguagem “marcado por tradições das ciências sociais filiadas ao interacionismo simbólico de Mead, à concepção wittgensteiniana de jogo de linguagem, à teoria dos atos de fala de Austin e à hermenêutica gadameriana” (p. 184).

Finalmente Habermas introduz de maneira provisória o conceito de agir comunicativo sob duas perspectivas: a do caráter das ações autônomas (a) (p. 185-190); e sobre a referência reflexiva ao mundo por parte dos atores no processo de entendimento (b) (p. 190-195).

Vale ressaltar que a análise dos conceitos de agir teleológico, agir regulado segundo normas e agir dramatúrgico prossegue no capítulo seguinte (p. 196-202), que tem por título: A problemática da compreensão de sentido nas ciências sociais. E isso porque os modelos de ação pressupõem não apenas relações diversas entre ator e mundo, mas também uma análise da racionalidade própria à interpretação dessas ações por um intérprete.