PRÁXIS ARGUMENTATIVA NO HORIZONTE DA TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jun. 2016


A Teoria do Agir Comunicativo implica na necessidade de uma análise de uma teoria da argumentação já que a ação comunicativa pressupõe em que os argumentos apresentados entre sujeitos, em condições iguais, possam ser explicitados discursivamente para se chegar a um entendimento.

Dentro desta perspectiva, é preciso analisar o contexto discursivo cuja dinâmica envolve uma práxis argumentativa, nas diferentes esferas do agir comunicativo, ou seja, no campo da política, da democracia, da moral ou do direito.

É preciso analisar as características procedimentais e formais do processo de argumentação para que os argumentos sejam postos à mesa, nos quais não devem existir argumentos definitivos, mas asserções bem fundamentadas que eventualmente não se revelem falsas e que os melhores argumentos possíveis estejam fundados em pretensões de validades, na busca pelo entendimento.

Através desse modelo discursivo, o agir comunicativo coloca em jogo um amplo espectro de possibilidades de argumentos:

argumentos epistêmicos para discutir a verdade de afirmações; pontos de vista éticos para avaliar a autenticidade de uma decisão vital; indicadores para detectar a sinceridade de confissões, de experiências estéticas, de explicações narrativas, de padrões culturais valorativos, de pretensões de direito, de convenções, etc. (HABERMAS, 2007, p. 47).


O acordo que deve ser alcançado comunicativamente exibe uma base racional para que os argumentos possam ser analisados e, se for o caso, criticados e passíveis de nulidade. O acordo não pode ser forçado ou imposto por um sujeito sobre o outro, mas deve ser passível de discussão e argumentação recíproca.

A teoria da racionalidade habermasiana liga-se diretamente à prática da argumentação. Pela argumentação, torna-se possível a ação comunicativa ao se instalar o desacordo ou mesmo se as práticas cotidianas dificultarem o consenso. A prática da argumentação se institui na fixação de entendimento pelo diálogo, evitando-se práticas coercitivas (MELO NETO, 2011, p. 91).


Os participantes ao interagirem entre si, precisam compreender-se acerca da inteligibilidade dos argumentos apresentados. Só assim uma ação comunicativa é possível e só assim podem se colocar de acordo sobre a validade que pretendem de seus argumentos. Por isso, a ação comunicativa pressupõe uma reflexão sobre os argumentos, a partir da análise formal das condições de racionalidade do conhecimento, do entendimento linguístico e da ação racional, pois os sujeitos podem e devem questionar, por meio de argumentos, como uma determinada norma válida socialmente se justifica. É nesse momento que o agir comunicativo se transforma em uma práxis argumentativa onde o que é tido por verdadeiro assume a forma de um enunciado hipotético, cuja validade é suspensa até que o argumento seja reconhecido como verdadeiro (ou não).

Tão logo as pretensões de verdade – ingenuamente levantadas no agir comunicativo, e mais ou menos auto evidentes no contexto de um mundo da vida comum – são problematizadas e se tornam objeto de uma controvérsia com base em argumentos, os envolvidos passam (mesmo que de modo rudimentar) do agir comunicativo para outra forma de comunicação, a saber, para uma práxis argumentativa em que eles desejam se convencer mutuamente, mas também aprender uns dos outros. Sob os pressupostos comunicativos modificados de tal discurso racional, as opiniões, que até então pertenciam ao pano de fundo não-problemático do mundo da vida, são examinadas quanto à sua validade. (HABERMAS, 2004, p. 92).


Na práxis argumentativa as pretensões de validade passam por um momento de avaliação crítica e discursiva. As pretensões de validade devem ser suscetíveis de crítica e, então, ser aceita, defendida, ou negada pelos atores do discurso, ou como ressalta Oliveira (2009, p. 23): “as pretensões de validade devem poder ser submetidas à crítica de uma forma racional, e aberta a todos os implicados”.

A argumentação conduz a uma interação discursiva como um tipo de fala, construída com pretensões de validade, que contém razões que se conectam de maneira sistemática e que busca o consenso – ou concordância –, pelo discurso.

O objetivo de se conseguir entendimento (Verstândigung) é chegar-se a uma concordância (Einverständnis) que termine na mutualidade intersubjetiva de compreensão recíproca, no conhecimento partilhado, na confiança mútua e na concordância entre os ouvintes. A concordância baseia-se no reconhecimento das quatro pretensões de validade correspondentes: compreensibilidade, verdade, sinceridade e acerto (HABERMAS, 1996, p. 13 – grifos no original).


Assentado na capacidade de os participantes da interação produzirem um consenso fundamentado argumentativamente sobre pretensões de validez criticáveis, o agir comunicativo orientado para o entendimento é um modelo de ação que não é coordenado através de cálculos egocêntricos de êxito, por isso, o agir comunicativo é um agir baseado na busca do entendimento e diverge dos tipos de ação instrumental ou estratégico que decorrem do modelo weberiano do agir racional-teleológico orientado pela consecução de um fim (ver mais  em: Habermas e Weber), segundo propósitos claros: “de acordo com esse modelo, o ator escolhe os meios que lhe parecem apropriados em uma dada situação e calcula outras consequências da ação, que pode prever como se fossem condições secundárias do êxito almejado” (HABERMAS, 2012, p. 495).

O modelo weberiano do agir racional-teleológico acarreta um tipo de ação orientada pelo êxito que pode ser instrumental ou estratégico. O agir instrumental consiste de uma ação orientada pelo êxito “quando a consideramos sob o aspecto da observância de regras técnicas da ação e quando avaliamos o grau de efetividade de uma intervenção segundo uma concatenação entre estados e acontecimentos” (HABERMAS, 2012, p. 495). A ação estratégica é considerada “sob o aspecto da observância de regras de escolha racional e quando avaliamos o grau de efetividade da influência exercida sobre as decisões de um oponente racional” (HABERMAS, 2012, p. 496).

Falar e Ouvir na Práxis Argumentativa

Quando situamos o homem como um ser de linguagem e o processo comunicacional uma possibilidade de produzir entendimento por meio de argumentos, consideramos tanto os processos simbolicamente interativos e mediados pela fala (falante), mas também o ato de ouvir (ouvinte) e suas práticas sociais: ação social comunicativa com a possibilidade de um processo de interação, mediado pela linguagem, onde os participantes atuem livres das coerções naturais e/ou intrapsíquicas, descartando o uso da força e da coerção entre falante e ouvinte.

O entendimento deve se dar através do diálogo a partir da interpretação recíproca entre os agentes da fala (falante e ouvinte) que, ao pronunciar sua fala, agem e produzem efeitos um no outro, produzindo o que Habermas chama de atos locucionários (o falante expressa um estado de coisas para o outro, possui como finalidade informar), ilocucionários (o falante executa uma ação perante o outro ao mesmo tempo em que usa a fala) e perlocucionários (o falante é persuasivo e seu dizer imperioso). Essa distinção Habermas adota a partir da obra e J. L. Austin How to do things with words. “Com atos locucionários o falante expressa estados de coisas; diz algo. Com atos ilocucionários o falante executa uma ação ao dizer algo [...] Com atos perlocucionários, enfim, o falante almeja desencadear um efeito no ouvinte” (HABERMAS, 2012, p. 501 – grifos o autor). O ato locucionário também é denominado por Costa (1996, p. 84) de constatativo: “Com efeito, se alguém profere um constatativo, se alguém diz que o gato está sobre o tapete, que está chovendo, que sente fome, a finalidade primeira da ação é tornar também o ouvinte ciente disso”. Rauber (1999, p. 61), por sua vez, ressalta como os atos de fala ilocucionário e perlocucionário constituem interações sociais sendo que o primeiro caracteriza o agir comunicativo e o segundo o agir estratégico, ambos: “correspondem à execução de determinadas ações que envolvem sujeitos como receptores dos proferimentos lingüísticos, ou de forma mais exata, como interlocutores (no caso de ações orientadas ao entendimento) ou como vítimas do agente comunicativo (no caso de ações orientadas ao êxito)”. Para mais detalhes sobre a distinção entre atos locucionários, ilocucionários, perlocucionários e como os atos ilocucionários caracterizam o agir comunicativo e os atos perlocucionários o agir estratégico ver Habermas (2012, p. 500-511).

Echeverria (1997) analisa como a conversação é o gênero básico da interação humana e sua característica importante advém do fato de ela incluir não apenas o falar, mas também o escutar. Estamos diante de uma conversação quando o escutar e o falar estão “interatuando” juntos. “No mundo de hoje não é possível viver na completa autossuficiência. Somos dependentes uns dos outros. Temos que aprender, portanto, a colaborar com os outros, a apoiarmos mutuamente, a coordenar ações juntos” (id., ibidem, p. 237).

Na prática argumentativa, falante e ouvinte apresentam suas ideias com a pretensão de que concordem com o mundo e através do qual é possível exibir suas pretensões de validez, sujeitas à crítica, para que seja possível chegar a um entendimento.

Nesse contexto, os atos de fala são orientados por quatro princípios de pretensões de validade que orientam os sujeitos da comunicação:

[...] de compreensibilidade (busca da inteligibilidade das mensagens contidas nos proferimentos comunicativos), de verdade (do conteúdo das mensagens, proferimentos cognitivos que se realizam através de atos da fala constatativos) de correção (relativos à justeza dos conteúdos normativos e valorativos das mensagens, proferimentos referentes ao mundo social, através de atos de fala regulativos e valorativos) e de sinceridade (a autenticidade dos proferimentos que emanam do mundo subjetivo, através de atos de fala expressivos) (POLLI, 2013, p. 19 – grifos do autor).


Sobre os quatro princípios Habermas (1996, p. 54) pondera que: “Um acto de fala, para ser bem sucedido do ponto de vista da comunicação, exige (para além da compreensibilidade da expressão linguística) que os participantes no acto de comunicação estejam preparados para chegar a um entendimento e que apresentem exigências de verdade, sinceridade e acerto”. Em outras palavras, o falante assume um compromisso de fornecer fundamentos para o conteúdo proposicional daquilo que afirma (pretensão de verdade), fornecer justificações (pretensão de acerto) e demonstrar sua fiabilidade (pretensão de sinceridade) (HABERMAS, 1996, p. 97).

Para chegar a um entendimento são necessários, portanto, que os enunciados argumentativos sejam compreensíveis entre os sujeitos da comunicação, que o seu conteúdo seja verdadeiro, embora passível de correção e posto no debate de forma autêntica e sincera. O entendimento especifica-se como pretensões de validez comum; e a linguagem, com os atos de fala (processos semânticos construídos no transcurso da interação), é o meio adequado para a busca do entendimento. Os atos de fala são o “medium do entendimento” (HABERMAS, 2012, p. 533 – grifo do autor). Quando nos referimos ao processo comunicacional, nos remetemos à possibilidade de produzir entendimento por meio de argumentos, dos atos de fala cotidianos que acontecem nas relações face a face.

Tal perspectiva não elimina e nem pretende eliminar o conflito. Busca sua solução via uma interação dialógica baseada em argumentos. Werle (2013, p. 165) destaca uma espécie de tipologia de conflitos presentes na teoria habermasiana que caracterizam a política deliberativa: “conflitos de interesses e de questões pragmáticas; conflitos ético-culturais (as lutas por reconhecimento); questões de justiça e morais”.

Uma última observação merece ser feita. O fato de que o um enunciado seja verdadeiro mas passível de correção exige algumas considerações sobre a concepção de verdade na teoria habermasiana, pois o conceito de verdade aqui não se refere à adequação do sistema teórico discursivo à realidade, mas ao consenso criado entre os falantes acerca da veracidade das questões problematizadas. Uma verdade que possa ser problematizada, questionada e, se preciso, corrigida.

Embora a concepção de verdade aqui não seja entendida no sentido de adequação do discurso à realidade, não significa que a verdade de um enunciado – que exige um posicionamento racional de seus interlocutores –, não se refira a algo como existente no mundo objetivo e pressupõe um mundo intersubjetivamente partilhado, o mundo da vida, um outro importante conceito da teoria habermasiana.

Referências 

COSTA, Cláudio Ferreira. A linguagem factual. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

ECHEVERRIA, R. Ontologia del lenguaje. Santiago: Dolmen, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Entre Naturalismo e Religião. Estudos filosóficos. Trad. Flávio Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007.

____. Racionalidade e Comunicação. Lisboa: Edições 70, 1996.

____. Teoria do Agir Comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. Tradução Paulo Astor Soethe. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. vol. 1

____. Verdade e Justificação: Ensaios Filosóficos. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

MELO NETO, José Francisco. Diálogo em Educação: Platão, Habermas e Paulo Freire. João Pessoa: Editoria Universitária da UFPB, 2011.

OLIVEIRA, Juliano Cordeiro da C. Ação Comunicativa e Democracia: por uma Política Deliberativa em Jürgen Habermas. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.

POLLI, José Renato. Habermas: agir comunicativo e ética do discurso. Jundiaí, SP: Editora In House, 2013.

RAUBER, Jaime José. O problema da universalização em ética. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.