LAQUES

*Laques foi um importante general que combateu na Guerra do Peloponeso, morto na Batalha de Mantineia, em 418a.C.

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em nov. 2018

O diálogo tem início a partir da preocupação de Lisímaco e Melésias sobre a educação dos filhos. “Da dupla, é Lisímaco quem tomará a frente no diálogo. Ele tanto abre (178a) como encerra a discussão, agendando para o dia seguinte sua continuação (201b-c)” (MATOS JÚNIOR, 2008, p. 126). É de Lisímaco a primeira indagação: “O que os jovens devem aprender? O combate com as armas? Que exercícios são aconselháveis? Que disciplinas” (SOFISTE, 2007, p. 57). “Os personagens que desempenham papel mais ativo no diálogo [...] são Laques e Nícias. A eles competem, em primeira instância, dar cabo tanto da questão sobre a educação – colocada por Lisímaco – quanto da questão sobre a coragem – exposta por Sócrates” (MATOS JÚNIOR, 2008, p. 138).

O Laques sublinha a importância política do problema ali tratado, o da essência da verdadeira valentia, quando introduz o exame deste problema numa conversa que incide sobre a melhor educação de dois jovens filhos de cidadãos, e na qual intervém ativamente dois chefes atenienses de nome famoso: Nícias e Laques (JAEGER, 1995, p. 604).


É a partir das indagações de Lisímaco que o diálogo se desenrola tendo como ponto de convergência a questão da coragem uma vez que após os interlocutores do diálogo definirem que é necessário saber o que é a virtude e de que modo se pode dar conselhos a alguém sobre a melhor maneira de se alcançar, a primeira virtude a ser analisada é a coragem. “Não será então preciso começar por aqui, por saber, enfim, o que é a virtude? Se nem sequer conhecemos exatamente o que porventura é a virtude, de que modo poderemos dar conselho a alguém sobre a melhor maneira de a alcançar?” (190b apud SOFISTE, 2007, p. 63). Quinalia Filho (2013, p. 76) acrescenta à ideia de coragem (andreía) o conceito de resistência (kartería) e define os principais argumentos que serão expostos no diálogo sobre a coragem como sendo: “(i) não ceder ao inimigo; (ii) uma força da alma; (iii) combater em velocidade; (iv) ciência; (v) conhecer os perigos e a serenidade, etc.”.

Após a concordância de Laques com Sócrates sobre o tema da virtude, decidem iniciar pela análise da coragem, examinando o que ela é, de que modo ela pode ser dada aos jovens e em que medida ela pode provir de exercícios e de que matérias de estudo.

Laques é quem dá uma primeira definição da coragem, como sendo aquele que toma a decisão de enfrentar o inimigo sem se ausentar, na linha de combate: “sem ressalvas, o general identifica a virtude buscada com a perseverança na linha de batalha; dessa maneira, o corajoso é aquele que mantém pé firme na linha de combate e não recua perante o avanço do inimigo” (MATOS JÚNIOR, 2008, p. 157).

Sócrates considera esta definição incompleta pois Laques incorre em um erro comum dos interlocutores de Sócrates: ao invés de definir o conceito, exemplifica-o em uma situação específica, como neste caso a coragem na guerra, mas não define o que é a coragem em todas as suas dimensões. “Assim ocorre com Laques, que em lugar de definir o que seja a coragem, alude a uma das situações onde identifica sua presença” (MATOS JÚNIOR, 2008, p. 157).

Diante das inferências de Sócrates, Laques apresenta uma definição que lhe parece ser legítima: a coragem como perseverança da alma (192b). Matos Júnior (2008, p. 162 ­– grifos do autor) propõe as seguintes representações esquemáticas para melhor entender a estrutura do diálogo com as definições (D1, D2, D3) apresentados por Laques, as premissas (P1, P2, etc), exemplos (E1, E2, etc.) para sustentar uma definição e as refutações (~D1, ~D2) de Sócrates:

 

I – Momento:

D1: Coragem é perseverança da alma

P1: Coragem é bela

P2: Perseverança mais sensatez é bela e boa

P3: Perseverança mais insensatez é prejudicial e má

___________________________________________

~D1: Nem toda perseverança é coragem

 

II – Momento:

D2: Coragem é perseverança da alma mais sensatez

P1: Perseverança mais sensatez é bela e boa

___________________________________________

\ A1: Coragem é bela e boa

 

D2: Coragem é perseverança da alma mais sensatez

Ex1: No gastar dinheiro, coragem é perseverança mais insensatez (~D2)

Ex2: Na arte médica, coragem é perseverança mais insensatez (~D2)

Ex3: No combate (hoplita), coragem é perseverança mais insensatez (~D2)

Ex4: Na cavalaria, coragem é perseverança mais insensatez (~D2)

Ex5: No combate com arco, coragem é perseverança mais insensatez (~D2)

Ex6: No mergulho, coragem é perseverança mais insensatez (~D2)

________________________________________________

~D2: Coragem é perseverança da alma mais insensatez

 

III – Momento:

D3: Coragem é perseverança da alma mais insensatez

P1: Perseverança mais insensatez é prejudicial e má

_______________________________________________

\ ~A1: Coragem é prejudicial e má

 

Em um determinado momento do diálogo Nícias é convidado a dele participar, como um pedido de socorro, para que ele ajude a encontrar uma definição mais precisa da coragem: “[...] vem em socorro destes teus amigos, flagelados e embaraçados na discussão. Bem vês como nós estamos sem saída. Mas tu, expõe a tua opinião sobre o que é a coragem, liberta-nos da aporia e confirma tu próprio, com as tuas palavras, o que pensas” (194c apud SOFISTE, 2007, p. 66).

Após aceitar o convite, Nícias define a coragem relacionando com a sabedoria, pois o corajoso, evidentemente, deve ser sábio, pois deve ter sabedoria diante do que é perigoso e do que é favorável, seja na guerra ou em outras circunstâncias. Mas desta vez é Laques quem discorda da definição do amigo.

Agora é a vez de Sócrates interrogar a Nícias, pedir explicações sobre sua definição da coragem e diz: “investiguemos, antes, o que é perigoso e o que é favorável, não vás tu pensar uma coisa e nós outra. Vamos, pois, explicar-te o que pensamos. Se não estiveres de acordo, terás de nos ensinar tu [....]” (198b apud SOFISTE, 2007, p. 69).

Após o exame do que é perigoso e favorável, todos concordam, Sócates, Nícias e Laques que “[...] é perigoso o futuro que é mau, que é favorável o futuro que não é mau, ou é bom [...] coragem a ciência dessas coisas” (apud SOFISTE, 2007, p. 70), diante do qual Sócrates faz novas inferências, de que a coragem então seria não apenas a ciência do que é perigoso e favorável, mas de todos os bens e de todos os males, a exemplo das outras ciências, obrigando seu interlocutor, Nícias, a repensar sobre o conceito de coragem mais uma vez. “Diante das incertezas, concluem: - Não descobrimos, portanto, ó Nìcias, o que é a coragem” (apud SOFISTE, 2007, p. 71). Matos Júnior (2008, p. 169-170 – grifos do autor) propõe, também em relação aos argumentos de Nícias, as seguintes representações esquemáticas para melhor entender a estrutura do diálogo com as definições (D1, D2), as premissas (P1, P2, P3), exemplos (E1, E2, E3) para sustentar uma definição e as refutações (~D1, ~D2) de Sócrates:

 

I – Momento:

D1: Coragem é a ciência do perigoso e do favorável

P1: Coragem é uma parte da virtude

P2: Perigoso é o futuro mal e favorável o futuro bom

Ex1: Na saúde, cabe à mesma ciência saber o que foi, é e será bom ou mal

Ex2: Na agricultura, cabe à mesma ciência saber o que foi, é e será bom ou mal

Ex3: Na guerra, cabe à mesma ciência saber o que foi, é e será bom ou mal

P3: Uma mesma ciência trata do passado, presente e futuro de um mesmo objeto

_____________________________________________________

\ ~D1: Coragem não é a ciência do perigoso e do favorável

 

II – Momento:

D2: Coragem é a ciência de todos bens e males, em todas circunstâncias

P1: Coragem é uma parte da virtude

P2: O conhecimento dos bens e males, em sua totalidade, é toda a virtude

_____________________________________________________

\~D2: Coragem não é a ciência de todos bens e males, em todas circunstâncias

 

A discussão se encerra sem que Sócrates e seus interlocutores cheguem a uma definição exata do que seja a coragem. Sócrates se reconhece incapaz, também ele, de dar uma definição exata do conceito e sugere que tanto ele, quanto seus interlocutores, procurem o melhor mestre que houver, tanto para eles próprios, para que adquiram um tal conhecimento, quanto para a educação dos mais jovens, que foi a questão inicial que deu origem a toda essa discussão.

Referências 

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

MATOS JÚNIOR. Fábio Amorim de. A contextualização dramática do Laques e sua relação com A Apologia de Platão. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2008.

QUINALIA FILHO, Rineu. Um estudo sobre a aplicação platônica da prática investigativa socrática. Anais de Filosofia Clássica, v. 7, n. 13, p. 74-89, 2013. Acesso em 05/11/2018.

SOFISTE, Juarez Gomes. Sócrates e o ensino da filosofia: investigação dialógica: uma pedagogia para a docência de filosofia. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2007.