EUTÍFRON

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em nov. 2018


O tema central do diálogo é a piedade. Sócrates está sendo acusado por Meleto de corromper a juventude, impiedade e ateísmo e Eutífron, que dá nome à obra, acusa o próprio pai de homicídio.

Sócrates é acusado de não cultuar os deuses da cidade e de introduzir novas divindades: “Pois diz que sou fazedor de deuses e que, por isso mesmo – por fazer novos deuses e não crer nos antigos –, me denunciou, conforme diz” (PLATÃO, Êutifron, 3b). Por outro lado, Êutifron processa o seu pai pela morte de um servo. Para o adivinho, o assassinato traz uma mácula que contamina todos os membros da família. Para evitar isso e continuar sendo uma pessoa pia aos deuses, o adivinho se coloca na obrigação de processar o próprio pai (LEITE, 2013, p. 3).

 

Sobre o personagem que dá nome à obra, “sabe-se que ele era adivinho e do demo de Prospalta [a reforma administrativa e política efetivada por Clístenes, nos fins do século VI a.C, dividiu Atenas em aproximadamente cento e cinqüenta demos], conforme a citação feita no Crátilo (396d5). É conhecido também por ser um pretenso possuidor da ciência das coisas divinas e oferecer-se para interpretar as vontades dos deuses” (PETRELLI, 2011, p. 267).

Sobre a obra, Barros (2014, p. 21) ressalta que ela está dividia em duas partes: um prólogo e a discussão sobre a piedade. O prólogo, por sua vez, também está dividido em duas partes: uma que traz as informações sobre a denúncia de Meleto contra Sócrates e outra que traz informações sobre Eutífron e a acusação contra seu pai. Leite (2013, p. 2) chama a atenção para o título grego da obra peri hosiou que “demonstra qual será a palavra mais utilizada pelos dois interlocutores para definir o sentimento que conduz o homem a se relacionar com o religioso: hósios”.

Barros (2014, p. 22) propõe o seguinte esboço para se ter uma visão geral da obra:

 

Prólogo (2a – 5c): cenário e personagens.

Transição (5c – 5d): pedido pela definição e primeiras exigências.

Primeira Definição (5d – 6e): piedoso é perseguir a todos que cometem injustiça.

Segunda Definição (6e – 9c): piedoso é o que é caro aos deuses.

Terceira Definição (9c – 11b): piedoso é o que todos os deuses amam.

Interlúdio (11b – 11e): Dédalo e Sócrates.

Quarta Definição (11e – 13d): piedoso é a parte do justo concernente ao cuidado dos deuses.

Quinta Definição (13d – 14b): piedoso é o cuidado que os servos têm com os senhores.

Sexta Definição (14b – 15c): piedoso é o conhecimento de como orar e sacrificar os deuses.

Epílogo (15c – 16a).

 

Analisando de modo geral o diálogo e sem entrar nos detalhes de cada definição (para uma análise detalhada de cada definição veja a dissertação de Barros, 2014), de início ressaltamos que Sócrates fica admirado com a atitude de Eutífron diante do próprio pai e resolve questioná-lo pela sua decisão e os dois irão discutir sobre a piedade “entendida aqui como devoção, amor pelas coisas religiosas; virtude que permite render a Deus o culto que lhe é devido; cumprimento do dever, justiça, fidelidade” (PETRELLI, 2011, p. 264). Os dois se encontram em frente ao tribunal de Atenas no momento em que Sócrates vai tomar conhecimento da acusação que lhe fora feito. Diante deste fato, de que tanto Sócrates quanto Eutífron estão de alguma forma com problemas perante a justiça, eles resolvem analisar o tema da piedade.

Após uma primeira definição de piedade por parte de Eutífron, Sócrates pede-lhe que desenvolva com um pouco mais de clareza suas ideias. Eutífron deu como exemplo a si mesmo, ao acusar quem comete um delito, mesmo que seja um parente (5d-e). “Êutifron responde prontamente que o seu ato é um exemplo do que seria piedoso. Assim, para ele piedade era processar todos os que cometeram algum delito envolvendo a esfera sagrada” (LEITE, 2013, p. 3).

Sócrates porém, afirma que ele apenas falou de um ato que ele considera piedoso mas que não explicou suficientemente o que é a piedade. Eutífron então prossegue e tenta explicar dizendo que aquilo que agrada aos deuses é piedoso e ímpio o que não os agrada. Sócrates continua afirmando que Eutífron ainda não respondeu a pergunta e coloca a questão nos seguintes termos:

[...] pressupomos, querido Eutífron, que é a mesma coisa o que é agradável aos deuses e piedoso. [...] se o que é amado pelos deuses o é porque é amado, do mesmo modo o que é piedoso o é porque é amado. Mas percebes que na realidade acontece de modo muito diferente,  posto que são duas coisas completamente distintas. Uma é amada porque se o ama, a outra se a ama porque é amado. É provável, Eutífron, que ao ser perguntado o que é piedoso, não queres manifestar-me sua essência. [...] Assim, pois, não me ocultes, diga-me o que é realmente o piedoso, sem considerar se é ou não amado pelos deuses. Com efeito, não é sobre isso que vamos discutir, mas diga-me com boa vontade o que é propriamente o piedoso e o ímpio (11a-b apud SOFISTE, 2007, p. 77).

 

Sócrates não está interessado na exposição de um fato que seja considerado piedoso. Mas na definição do que seja a piedade em geral. E para isso pergunta “o que é?”, acompanhada de uma série de exigências meticulosas que deem conta de uma definição o mais próxima possível do conceito. Diante da insatisfação de Sócrates com as definições dada por Eutífron, ele sempre questiona algo mais, como nessa passagem:  “Será então que tudo que é justo também é piedoso? Ou o piedoso é todo justo, enquanto o justo não é todo piedoso – mas algo dele é piedoso, e o resto é outra coisa?” (PLATÃO, Êutifron, 11e-12d apud LEITE, 2013, p. 4).

Na última tentativa de Eutifron, o conceito de piedade (14d) surge como um conhecimento do pedir (orar) e do sacrifício aos deuses, que também será contrariado por Sócrates, afirmando que essa ideia é próxima da que já havia sido questionada que entende a piedade como sendo algo caro aos deuses, mas não define o que é a piedade mesma. Todas as definições dadas por Eutífron não satisfazem Sócrates. Os dois se despedem e o diálogo termina sem que se chegue a uma definição precisa do conceito de piedade.

Referências 

BARROS, Francisco de Assis N. Eutífron de Platão: estudo e tradução. Programa de Pós Graduação em Letras Clássicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

LEITE, Priscilla G. Aspectos da religiosidade em Platão: eusébeia, asébia, hósios e anósios. Rónai – Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2013. Acesso em 04/11/2018.

PETRELLI, Humberto Zanardo. Eutífron e a discussão sobre a piedade. Kínesis, v. 3, n. 05, p. 263-281, jul., 2011. Acesso em 04/11/2018.

PLATÃO. Diálogos: Eutífron; Apologia de Sócrates; Críton; Fédon. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

SOFISTE, Juarez Gomes. Sócrates e o ensino da filosofia: investigação dialógica: uma pedagogia para a docência de filosofia. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2007.