CRÍTON

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em nov. 2018

Os personagens do diálogo são Críton, que dá nome ao diálogo, e Sócrates (PLATÃO, 1999) que, estando preso e às vésperas de sua morte, recebe um apelo do seu amigo Críton para que fuja da prisão, pois Críton em conjunto com outros amigos de Sócrates, como Símias e Cebes, já tinham tudo preparado para a fuga, inclusive com o suborno do guarda da prisão. “A intenção de Críton, que acorre sobressaltado no fim da madrugada, é a de propor que Sócrates fuja; tudo já estaria acertado, inclusive o suborno dos guardas” (MOTA; CUNHA, 2018, p. 206).

Segundo Di Giorgi (2010, p. 12), o diálogo Críton compõe, junto com Eutífron, a Apologia de Sócrates e Fédon, uma série de diálogos que tem como pano de fundo o julgamento e a morte de Sócrates.

No diálogo em análise, Críton expõe os argumentos para convencer seu amigo Sócrates de que ele deve fugir da prisão e, assim, evitar sua morte (o início da argumentação tem origem em 44b-46a). Sofiste (2007, p. 40-41) elenca os seguintes argumentos para justificar a fuga de Sócrates: o dinheiro a ser gasto com o suborno poderia ser facilmente pago pelos amigos de Sócrates (44e-45c); seus amigos também teriam como garantir a sua sobrevivência após a fuga; a injustiça da acusação e da condenação que o levariam à morte; a privação de sua presença, de Sócrates, aos amigos; ele deveria se preocupar também com os seus filhos, para não deixá-los órfãos (44c-46a); e por fim, Críton está preocupado com a opinião das pessoas, de acusarem-no de covardia e mesquinharia, por não ter ajudado um amigo a fugir da prisão (44b-d).

Sócrates propõe então examinar os argumentos de Críton, para saber se deve ou não ceder aos apelos dele e de seus amigos, deixando claro que a única forma de ceder aos seus apelos é que seus argumentos sejam melhores que os que ele pretende apresentar.

Em seu modo habitual, Sócrates propõe a Críton analisar os argumentos do amigo em favor da fuga, a fim de verificarem se suas razões seriam ou não as mais corretas. Não podendo repudiar os princípios que sustentara ao longo de sua vida só pelo fato de encontrar-se preso aguardando a execução da pena, Sócrates afirma (46b-d) só poder concordar com a fuga caso sua razão lhe diga que aquela seria a melhor atitude a tomar na situação (MOTA; CUNHA, 2018, p. 206).

 

Através do diálogo e uma série de perguntas e inferências, Sócrates se põe a examinar os argumentos de Críton sobre “se é justo que eu tente sair daqui [da prisão] sem permissão dos atenienses, ou injusto: se provar que é justo, tentemos; se não, desistamos” (apud SOFISTE, 2007, p. 42-43).

Antes, porém, de empreender este argumento, Sócrates estabelece alguns princípios que devem ser observados antes de analisar a proposta de Críton, que são: não se deve ter em grande importância a opinião do povo como pretendia Críton, pois nem sempre a opinião do povo é a opinião justa e verdadeira; que é mais importante viver bem, com honra e conforme a justiça, do que apenas viver (48b5); viver bem é o mesmo que viver bela e justamente (48b7); e que não se deve retribuir com uma injustiça ou fazer o mal a uma pessoa, nem mesmo diante de uma injustiça recebida.

Sócrates – Vejamo-lo juntos, meu caro, e se puderes de algum modo refutar-me, refuta-me e te obedecerei; se não, cessa desde logo, meu boníssimo amigo, de insistir no mesmo assunto, de que preciso sair daqui, contrariando os atenienses; porque dou muita importância a proceder com o teu assentimento e não malgrado teu. Vê, pois, se te parecem satisfatórios os argumentos básicos deste exame e procura responder a minhas perguntas com a maior sinceridade (apud SOFISTE, 2007, p. 43).

 

Os princípios anteriores a argumentação defendidos por Sócrates revelam, por assim dizer, um modo astucioso de proceder na argumentação pois, ao estabelecer que não se deve retribuir com uma injustiça ou fazer o mal a uma pessoa, nem mesmo diante de uma injustiça recebida, Sócrates já indica a única conclusão possível e o caminho que irá seguir, ou seja, a recusa da proposta de Críton.

Mesmo assim Sócrates procura responder aos argumentos de Críton, como por exemplo, se um ginasta deve dar atenção a qualquer um ou somente ao seu professor? Ao que chegam ao acordo de o ginasta deverá obedecer às ordens de seu competente mestre e, por isso, o mesmo no que diz respeito ao que é honesto ou desonesto, bem ou mal, justo ou injusto.

Sócrates questiona ainda sobre a justiça: jamais devemos cometer injustiças? é admissível cometer em certas circunstâncias? qualquer injustiça deve ser evitada? qualquer injustiça é indigna e maléfica para aqueles que a cometem? Diga o que disser a multidão? E conclui que não devemos cometer injustiças nem mesmo contra os que as cometem contra nós, mesmo que o povo julgue isto injusto; que é injusto pagar o mal com o mal; que é injusto praticar o mal contra uma pessoa; assim, não existe diferença entre praticar o mal e ser injusto e que jamais se deve cometer injustiças, nem pagar o mal com o mal, seja lá o que for que nos tiverem feito.

Ao final, Sócrates opõe às razões de Críton suas próprias razões, “refutando o esforço argumentativo do discípulo, sela o próprio destino rumo à execução de sua pena” (TOLEDO, 2006, p. 258). Aparentemente Sócrates parece argumentar contra si mesmo, afinal, seus argumentos irão conduzi-lo à morte, mas o que o diálogo procura mostrar é como Sócrates incorporou em sua vida uma sabedoria filosófica que ele perseguiu ao longo de todo sua existência. E não seria agora, na hora de sua morte, que ele deveria abandoná-la. Sócrates procura manter a coerência de seus ensinamentos com sua vida prática, mesmo à custa do sacrifício da sua vida.

O sentido da recusa de Sócrates, que se esquiva de fugir e aniquila as razões de Críton, deve ser entendido, caso se pretenda compreender não só o diálogo em questão, mas também a origem da firmeza moral do mestre ateniense que se apóia integralmente numa forma de saber fundada sobre as exigências do ser (TOLEDO, 2006, p. 258).