SOBRE O ÓCIO, DE SÊNECA
SOBRE O ÓCIO, DE SÊNECA
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em jul. 2024
A obra Sobre o Ócio (De Otio), de Sêneca, trata principalmente do uso racional do tempo livre, mas aborda também questões como o envolvimento dos sábios na vida pública e o estudo de questões fundamentais do universo. É uma obra escrita provavelmente no ano de 62, já nos últimos anos de vida de Sêneca, dirigida ao seu amigo Aneu Sereno.
Sêneca discute três modos diferentes de vida: dedicado ao prazer (uma referência ao epicurismo), à contemplação e ao ócio. E embora cada um destes modos possa ser pensado de forma separada, estão de alguma forma relacionados, “pois nem aquele que decide pelo prazer está sem contemplação, nem aquele que se entrega à contemplação sem prazer: nem ainda aquele cuja vida é dedicada à ação, sem contemplação” (Sêneca, 2020, VII, 1, p. 18).
Para Sêneca, a natureza criou os homens tanto para a ação quanto para a contemplação (aqui Sêneca dá o exemplo de contemplação da natureza, do universo, das estrelas, da origem de tudo).
Eu vivo segundo a Natureza, portanto me entreguei inteiramente a ela, e a admiro e reverencio. A Natureza, porém, quis que eu fizesse ambas, que praticasse tanto a contemplação quanto a ação: e eu faço ambas, porque nem mesmo a contemplação é desprovida de ação (Sêneca, 2020, V, 8, p. 16).
Com que propósito o sábio deve se dedicar ao ócio – pergunta Sêneca? “Qual é o propósito do sábio em se dedicar ao ócio? Ele sabe que, tanto no ócio como na ação, realizará algo pelo qual estará a serviço da posteridade” (Sêneca, 2020, VI, 4, p. 17). A resposta dada pelo filósofo é que:
a vida retirada em si mesma será benéfica para nós: seremos homens melhores quando tomados individualmente - e se assim for, que vantagem será retirarmo-nos em sociedade do melhor dos homens, e escolher algum exemplo pelo qual possamos orientar nossas vidas! Isto não pode ser feito sem o ócio: com o ócio podemos realizar aquilo que de uma vez por todas decidimos: sermos melhores, sem que haja ninguém para interferir conosco e com a ajuda da turba perverter o nosso ainda débil julgamento: apenas com o ócio pode a vida, que desviamos almejando coisas incompatíveis, fluir em uma única corrente suav” (Sêneca, 2020, I, 1, p. 10).
Sêneca divide ainda a sua argumentação em defesa do ócio em torno de dois pontos. O primeiro, é o de que “um homem pode, desde o início de sua vida, entregar-se inteiramente à contemplação da verdade” (Sêneca, 2020, II, 1, p. 11). O segundo é que um homem tem o direito de se dedicar aos estudos e assim poder ensinar aos outros. Pois é dever do homem:
ser útil aos seus semelhantes; se possível, ser útil a muitos deles; se assim não conseguir, ser útil a uns poucos; se assim não for, ser útil aos seus vizinhos e, se assim não for, a si mesmo: pois, quando ajuda os outros, faz progredir os interesses gerais da humanidade (Sêneca, 2020, III, 5, p. 13).
Deve-se acrescentar ainda o estudo sobre a virtude como mais uma forma que temos de utilizar o ócio à serviço da comunidade.
Podemos servir à grande comunidade, mesmo quando estamos em ócio; de fato, não estou certo de que não possamos servi-la melhor quando estamos em ócio pesquisando sobre o que é virtude, e se é única ou múltipla: se é a natureza ou a técnica que faz o homem bom: se aquilo que contém a terra e o mar e tudo o que neles há é único, ou se Deus colocou neles muitos corpos da mesma espéci” (Sêneca, 2020, IV, 2, p. 13).
Finalmente, uma outra possibilidade que tem o homem de se dedicar ao ócio é quando ele não tem mais razões para se dedicar a vida pública e isto porque:
Se o Estado está tão apodrecido a ponto de estar irremediável, se o mal tem todo o domínio sobre ele, o sábio não trabalhará em vão nem desperdiçará suas forças em esforços inúteis [...] então ele não tentará uma viagem para a qual não está apto, da mesma forma que não colocaria no mar um navio danificado, ou se alistaria no exército se fosse um inválid” (Sêneca, 2020, III, 3, p. 12).
SÊNECA. Sobre o Ócio. Montecristo Editora. Edição do Kindle, 2020.