A FILOSOFIA COMO PREPARAÇÃO PARA A MORTE

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jan. 2024

Uma das principais características da filosofia para Sêneca consiste no fato de ser como uma arte de saber viver e saber morrer. A filosofia, ao servir de guia para nossas ações, nos orienta tanto no sentido de saber viver como de saber morrer. Livrar-se do temor da morte faz parte do processo de busca da sabedoria e da vida feliz.

 

Sêneca afirma, em um de seus escritos, que o medo da morte é um grande causador do sofrimento, mais do que a morte em si (Sen. Brev. 1.1). Aceitar a morte se torna, assim, a lição mais difícil, mas a mais importante para aqueles que buscam a felicidade por meio dos preceitos da filosofia (GOMES, 2020, p. 1000).

 

Em suas reflexões, Séneca considera a finitude da vida e, por isso, a necessidade de lidar com a aceitação da morte de entes queridos.

Para Sêneca a filosofia representa uma tomada de consciência da nossa condição de seres mortais ao nos proporcionar importantes reflexões sobre a morte, servindo como guia para nossas ações, além de refúgio e consolo em um mundo cheio de incertezas e instabilidade, fortalecendo a alma diante da morte, da dor e das vicissitudes da condição humana.

Há uma espécie de projeto terapêutico na obra de Sêneca, sobretudo nas chamadas consolatórias, como propõe Gomes (2020, p. 101): “O processo terapêutico das consolatórias, cujo objetivo é extirpar as paixões e o sofrimento pela perda, busca incitar o leitor ouvinte a transformar seu comportamento em busca da tranquilidade de sua alma”.

Sêneca tem como objetivo principal refletir sobre o estado de imperturbabilidade da alma, o estado de serenidade da alma tão almejado pelos estoicos e, para isso, acredita ser necessário refletir sobre a morte e a temporalidade. O sábio aceita, calma e racionalmente, o que ocorre em sua vida, sem resistir à ordem natural, em outras palavras, “o ideal do sábio se fundamenta em viver em perfeita harmonia com a natureza, de modo a suportar os sofrimentos da vida e não se deixar abalar pelas paixões” (GOMES, 2020, p. 101). É o que os estoicos entendiam por ataraxia: a impassibilidade diante da vida que coloca o homem no caminho para a felicidade. A ataraxia: “seria a condição indispensável para a conquista da eudaimonia, isto é, da felicidade e da tranquilidade da alma do sábio, livre de toda perturbação. Nesse sentido, a eudaimonia consiste na imperturbabilidade e na independência interior” (GOMES, 2020, p. 101).

As pessoas precisam empregar melhor o seu tempo e muitos até vivem suas vidas como se jamais fossem morrer. Ter um melhor entendimento da finitude da vida nos remete ao modo como lidamos com o tempo pois o tempo da vida não é um tempo que dure eternamente e precisamos, portanto, aproveitar melhor este tempo. Ao exortar o personagem Paulino, na obra De Brevitate Vitae, Sêneca fala que os se queixam do fato de a natureza ter dado pouco tempo de vida aos homens quando, segundo o filósofo, não é que tenhamos pouco tempo e sim, a forma como vivemos a vida, pois perdemos muito tempo valorizando coisas que não são importantes para a busca da felicidade e, por isso, precisamos utilizar melhor o nosso tempo e, inclusive, encarar o “tempo da morte”. Por isso Sêneca irá dizer que “mesmo a morte de um homem muito velho, quando ele não passou a vida com sabedoria, parece prematuro” (GOMES, 2020, p. 103). E ainda:

 

É que ninguém encara a morte. Apenas projetam expectativas. Alguns até providenciam acerca de coisas situadas para depois da morte: a construção de grandiosos mausoléus, a ereção de monumentos públicos, cerimônias mortuárias e solenes enterros. Para mim, mais valeria que as exéquias desses indivíduos fossem feitas de modo rápido e breve como foi a vida deles, a saber, à luz de velas e tochas como enterro de crianças. (Sen. Brev. 20.5 – Trad. de L. Feracine apud GOMES, 2020, p. 102).

 

Os textos das consolatórias têm uma grande importância ao tratar do tema da morte pois, como o tema sugere, Sêneca procura convencer o seu leitor a combater as dores que os afligem, dentre eles a dor dos enlutados, ou seja, daqueles que perderam entes queridos: “consolar seria exortar o destinatário a eliminar a raiz dessa dor. Para tanto, Sêneca se vale dos remédios adequados a cada situação com o objetivo de eliminar as emoções negativas, perturbationi animi” (GOMES, 2020, p. 115). As consolações latinas são direcionadas principalmente para aqueles que lidam com a perda de um ente querido e, no caso de Sêneca, temos três consolatórias: Ad Heluiam (Sêneca tem por objetivo abrandar o sofrimento de sua mãe Hélvia em decorrência de seu banimento para a Córsega), ad Marciam (escrita por ocasião do luto de três anos de Márcia, filha do historiador Aulo Cremúcio Cordo, em função da perda de seu filho Metílio) e ad Polybium (visa confortar Políbio pela morte de seu irmão, de quem o nome não é mencionado).

 

Entendemos que as consolações filosóficas de Sêneca possuem uma disposição semelhante: primeiro, uma introdução na qual o autor anuncia o mal que pretende sanar e o tratamento que vai aplicar; depois, a consolação propriamente dita, a qual se divide geralmente em duas partes, consagrada primeiro ao afligido e a segunda a causa da aflição; por fim, uma conclusão termina a obra (GOMES, 2020, p. 117-118).

 

De modo geral, em suas consolatórias, Sêneca procura demonstrar como os males são indiferentes, trata das condições da aflição e exorta a eliminar tais dores. Das três consolatórias mencionadas apenas a consolatória à Hélvia não trata diretamente do luto mas sim, em decorrência do banimento de Sêneca para Córsega em razão do seu exílio.

 

 

Referência

 

GOMES, Erick Messias Costa Otto. Morte e luto nas consolatórias de Sêneca: uma análise da filosofia como remedium contra o sofrimento (século i d.c.). 2020. 208 p. Tese (Doutorado em História), Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, 2020.