A FILOSOFIA E A BUSCA PELA FELICIDADE
A FILOSOFIA E A BUSCA PELA FELICIDADE
por Alexsandro M. Medeiros
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postado em mai. 2024
O filósofo Sêneca entende a Filosofia como um guia para o aperfeiçoamento moral, para o bem viver, uma busca pelo autoconhecimento, para a conquista da sabedoria e da felicidade. “Participante da tradição grega, Sêneca vê a filosofia como o meio para alcançar uma vida feliz e sábia” (Betancur-Gómez, 2012, p. 125, tradução nossa). Nas palavras do filósofo: “a Filosofia está em um nível superior, os seus ensinamentos dirigem-se à alma e não às mãos” (Sêneca, 1991, L. 90, 26, p. 448 apud Bezerra, 2005, p. 11-12).
Seguindo, portanto, o mais genuíno espírito da filosofia grega, Sêneca entende a Filosofia como sendo a busca pelo “aperfeiçoamento íntimo do ser. [...] o valor do agir conforme a virtude” (Bezerra, 2005, p. 9, grifos do autor), entendendo por virtude o agir conforme a reta razão e é este agir que constitui o verdadeiro Bem humano. Por isso Mantovani (2015, p. 23) ressalta “a obra filosófica de Lúcio Aneu Sêneca como sendo em sua maior parte constituída por ensaios de ética, perpassados de conselhos sobre como proceder no dia-a-dia” (Mantovani, 2015, p. 23). Sêneca se preocupava com o lado prático da filosofia. A filosofia é a arte de bem viver e de bem morrer e, para isso, a ética tem um aspecto fundamental, pois é através da virtude que se pode chegar à felicidade.
A filosofia não é uma habilidade para exibir em público, não se destina a servir de espetáculo; a filosofia não consiste em palavras, mas em ações. O objetivo da filosofia consiste em dar forma e estrutura a nossa alma, em ensinar-nos um rumo na vida, em orientar os nossos atos, em apontar-nos o que devemos fazer (Sêneca, 1991, p. 55).
A felicidade sempre foi um assunto de grande relevância filosófica, desde a Grécia Antiga e se tornou objeto de debates em torno do qual se debruçaram as mais variadas doutrinas éticas. Em sua Ética a Nicômaco, Aristóteles foi “o primeiro filósofo a tratar sistematicamente desta questão, identificando a felicidade com o Bem Supremo do homem” (Mantovani, 2015, p. 25). O filósofo estagirita procurou, ainda, refletir sobre o que ela é e quais os meios de alcançá-la.
Da mesma forma Sêneca se ocupou da construção de um sistema ético que possa orientar o homem para o bem viver e para a verdadeira felicidade e acreditava que “o fim supremo da filosofia é determinar em que consiste a felicidade e em guiar-nos pela via que conduz a este fim” (Sêneca, 1991, p. 448).
Por felicidade, Sêneca entendia certa disposição do espírito, onde a alma se mantém imperturbável diante dos acontecimentos da vida. Uma visão que poderíamos colocar como nos antípodas da visão contemporânea da nossa sociedade em que homens e mulheres se lançam em uma busca infinita e desordenada pela felicidade, por vias que seriam consideradas equivocadas do ponto de vista estoico (riqueza, honra, fama etc.) e que na verdade só resultam em angústia, desespero e um vazio existencial.
Para Sêneca, é a busca pela sabedoria que nos conduz à felicidade. Se a busca pela sabedoria conduz a felicidade, a ignorância, por sua vez, “corresponde ao que há de mais desprezível no homem. A ignorância, antes de tudo, é a causa dos mais violentos sofrimentos. É o distanciamento da reta razão e, consequentemente, da vida feliz” (Bezerra, 2005, p. 10).
Na busca pela felicidade, entretanto, não podemos ignorar aquilo que aflige a alma humana e que muitas vezes causa angústia e inquietação. Por isso precisamos considerar que as adversidades com as quais nos deparamos ao longo da vida, na verdade, são inúmeras e variadas. Obviamente não temos a pretensão aqui de abordar todas as adversidades e nem Sêneca se ocupou de todas elas.
o que importa então considerar é que, uma vez que estamos todos sujeitos a adversidades e que a maior parte de nós tende a perturbar-se a partir desta condição trágica, revelando, assim, uma perigosa limitação no modo de interpretar o mundo circundante, faz-se necessária, segundo a perspectiva estoica, uma revisão de valores, i.é, uma cura no modo de interpretar coisas e eventos do mundo circundante (Condé, 2020, p. 174).
Faz-se necessário lidar com aquilo que traz perturbação para a alma e, mais uma vez, a filosofia cumpre aqui um papel fundamental. A filosofia serve como um remédio que pode nos ajudar a lidar com aquilo que afeta a alma: “Fazer filosofia e proceder na cura de afecções da alma, tendo em vista o alcance de um estado de tranquilidade da alma aqui representam uma mesma tarefa” (Condé, 2020, p. 177).
Nesse ponto, a filosofia se torna algo fundamental na busca pela felicidade desde que não se entenda “a filosofia em um sentido que hoje classificaríamos como restrito para ‘profissionais’ ou ‘especialistas’” (Betancur-Gómez, 2012, p. 126, tradução nossa) e que a filosofia se dirige a todos e que todos podem elevar-se acima das adversidades da vida. Isto está de acordo com aquilo que poderíamos chamar de “a missão pública da filosofia” que é a de se dirigir a todos e não apenas aos sábios: “minha doutrina fala com os imperfeitos, com os medíocres e com os doentes, e não com os sábios (De tranq.: c. 11), uma doutrina que se dirige a todos os mortais (cfr. A Lucilio, 82.23)” (Betancur-Gómez, 2012, p. 126, tradução nossa).
A filosofia nos remete ao cuidado com a nossa alma e, por isso, serve também como uma arte terapêutica na busca pela felicidade.
A therapeia ou cura a que Sêneca costuma fazer alusão em algumas de suas Epistulae, consiste, de modo bastante simples, num cuidado ou cultivo da própria alma e só pode ser empreendido por meio da filosofia – devendo refletir-se, tão logo, no agir ético humano (Condé, 2020, p. 175).
“Para Sêneca, Filosofia é sinônimo de ‘remédio’ que atua como antídoto contra as dores e vícios” (Bezerra, 2005, p. 8). A filosofia é como um remédio para os males da alma. “De fato é na Filosofia que reside a saúde verdadeira. Sem ela, a alma estará doente e mesmo o corpo” (Sêneca, 1991, L. 51, 1, p. 50 apud Bezerra, 2005, p. 8). Se a filosofia é sinônimo de remédio, o filósofo é semelhante a um médico. Da mesma forma que um médico,
ao tratar da vista, aconselha como o paciente deve expor lentamente os olhos à luz. Se o homem não vislumbra com clareza os erros, a Filosofia deve conduzi-lo até o discernimento. Desse modo, não basta eliminar o erro; é preciso um avivar da memória acerca da maneira correta de agir” (Bezerra, 2005, p. 14).
O filósofo utiliza como remédio o uso da razão. Por meio da razão o filósofo busca o conhecimento verdadeiro e dessa forma procura utilizar os melhores antídotos para atuar contra os vícios. A filosofia deve prescrever remédios e antídotos para atuar eficazmente no combate contra os vícios. “É por essa razão que a Filosofia é pensada como medicamentum, como remédio, devendo pautar-se num compromisso com a formação do homem” (Bezerra, 2005, p. 10). Sêneca “entende a Filosofia como uma forma de medicina, onde cabe àquela curar os males da alma, tendo como fim último de todo pensamento a obtenção da serenidade do espírito” (Mantovani, 2015, p. 27). Por isso a filosofia de Sêneca se ocupa com o cuidado da alma e “chega a defender a hipótese de que aquele que filosofa é, devido a isto, um homem saudável. Filosofar é, em última análise, gozar de saúde, e sem ela, isto é, a Filosofia, a alma está doente” (Mantovani, 2015, p. 27).
BETANCUR-GOMEZ, J. C. Filosofía y ejercicio del alma en las Cartas a Lucilio de Séneca. Revista Pensamiento y Cultura, v. 15, n. 2, p. 123-133, 2012.
BEZERRA, C. C. A filosofia como medicina da alma em Sêneca. Ágora Filosófica, v. 5, n. 2, p. 7-32, jul./dez., 2005. Acesso em: 13 abr. 2024.
CONDÉ, M. M. Sêneca e a Terapia de Cura das Afecções da Alma. Perspectiva Filosófica, vol. 47, n. 1, p. 159-184, 2020.
MANTOVANI, B. A Estrutura da Felicidade. Um Estudo sobre a Ética em Sêneca. 2015. 58 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Programa de pós-graduação em Filosofia, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul-RS, 2015.
SÊNECA, Lúcio Aneu. Cartas à Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. [Trad. e introd. de J. A. Segurado e Campos, segundo o texto original latino intitulado Annaei Senecae ad Lucilium Epistulae Morales da Oxford University Press, 1965]