O CONCEITO DE FILOSOFIA

por Alexsandro M. Medeiros

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Para o historiador da filosofia Jean-Pierre Vernant, a Φιλοσοφία (filosofia) nasce na Grécia (por volta do séc. VI a.C.), quando os gregos começaram a olhar o mundo sob a ótica da razão. O objeto ao qual se liga o filósofo é a própria racionalidade – o λοɣος (logos). Aqui começa o intelectualismo, a doutrina segundo a qual a faculdade mais importante do homem é o seu intelecto e é pelo intelecto que se apreende a verdade. O filósofo alemão Jürgen Habermas enfatiza o aspecto racional da Φιλοσοφία em suas origens:

Pode-se dizer, até mesmo, que o pensamento filosófico tem sua origem no fato de a razão corporificada no conhecer, no falar e no agir tornar-se reflexiva. O tema fundamental da filosofia é a razão. A filosofia empenha-se desde o começo por explicar o mundo como um todo, mediante princípios encontráveis na razão, bem como a unidade na diversidade dos fenômenos (HABERMAS, 2012, p. 19).

Da mesma forma o filósofo francês François Châtelet fala da Φιλοσοφία como uma “invenção da razão”, no sentido de que a Φιλοσοφία é definida pelo pensamento racional e a história da filosofia seria uma espécie de progressão em direção à racionalidade (cf. CHÂTELET, 1994, p. 15-33). Para o filósofo alemão Johannes Hessen, os dois pontos essenciais de toda Φιλοσοφία são: uma orientação para a totalidade dos objetos e um caráter racional e cognitivo desta orientação (cf. HESSEN, 1987, p. 10).

Mas em suas origens a Φιλοσοφία não era só racionalidade, era também uma busca amorosa pela verdade e pelo sentido da vida. Com o filósofo grego Pitágoras se origina a noção de Φιλοσοφία como um modo de vida e descrevia o caminho traçado pelo mestre quando este chamou a si mesmo de Φιλοσοφος (filósofo), aquele que é amigo, ou que ama a sabedoria, aquele que empreende seus melhores e maiores esforços nesta busca amorosa da verdade.


Adaptado de: portal São Francisco

Acessado em 27/01/2016


Quando a Φιλοσοφία surge na Grécia Antiga ela adquire, para aqueles que a vivenciam, um significado bem específico, confundindo-se com o seu próprio sentido etimológico, de “amor à sabedoria”. A Φιλοσοφία surge como uma busca amorosa e desinteressada pela verdade. Essa era a ideia de Pitágoras que, segundo a tradição, foi o primeiro a utilizar o termo Φιλοσοφία neste sentido. Assim, o fim e o objetivo da Φιλοσοφία, para Pitágoras, está no puro desejo de conhecer e contemplar a verdade. Devido as suas grandes descobertas (como o que hoje denominamos teorema de Pitágoras, além da elaboração de uma das primeiras escalas musicais), ele foi chamado na época de sábio (em grego, sophos). Entretanto, por sua modéstia, recusou a designação e preferiu que o considerassem “amigo da sabedoria” – Φιλοσοφος (filósofo). Assim, a Filosofia surge sob a significação de amizade ou amor (philos) à sabedoria (sophia).

Os filósofos chamavam-se antigamente sábios. Pitágoras, observando que a sabedoria convém propriamente só a Deus, e desejando que não o chamassem de sábio, mas tão somente amigo ou desejoso da sabedoria, foi o primeiro que propôs o nome de filosofia [...] É esta a noção que tanto a etimologia como a linguagem comum nos dão de Filosofia. Um filósofo é um homem humanamente sábio. E aquele que se tem na conta de filósofo obriga-se a fornecer aos homens as luzes humanas mais profundas sobre os grandes problemas que o preocupam (MARITAIN, 1972, p. 19 e 20 – grifos do autor)

Para os gregos, em sua grande maioria, o filósofo é um amante da sabedoria ou aquele que busca a sabedoria. Aristóteles vê num filósofo um conhecedor de todas as coisas e não aquele que possui apenas uma ciência específica. O seu olhar derrama-se pelo mundo, sua curiosidade insaciável o faz investigar tanto os mistérios do kosmos (universo) como o da physis (natureza), como as que dizem respeito ao antropos (homem) e à polis (cidade). No fundo, o filósofo é um desvelador, alguém que afasta o véu daquilo que está a encobrir os nossos olhos e procura mostrar os objetos na sua forma e posição original, agindo como alguém que encontra uma estátua jogada no fundo do mar coberta de musgo e algas, e gradativamente, afastando-as uma a uma, vem a revelar-nos a sua real forma.

Mafalda é uma personagem dos quadrinhos do cartunista Argentino Quino (1932-), contestadora, que faz perguntas bastante reflexivas sobre os mais variados temas para seus pais (In: FEITOSA, 2004, p. 12).

Em obras como a Metafísica (ARISTÓTELES, 2002, Metafísica Α 2, 982b12-16; ver também Α 2, 983a12-16) ou Retórica (ARISTÓTELES, 2006), Aristóteles relaciona o maravilhoso e o admirável com o desejo de aprender e afirma que a filosofia surge a partir da admiração, seja a partir da admiração dos fenômenos da natureza ou da origem do universo. A admiração com o maravilhoso leva o homem à filosofar, provocando o entendimento e é nesta admiração que está contido o desejo de aprender: “De igual modo o aprender e o admirar são geralmente agradáveis; pois no admirar está contido o desejo de aprender, de sorte que o admirável é desejável, e no aprender se alcança o que é segundo a natureza” (Retórica I 1371a31-34).

Além de Pitágoras, vejamos como diferentes filósofos abordaram, algumas vezes, sob diferentes aspectos, a ideia de Φιλοσοφία.

Para Platão, a Φιλοσοφία significa posse ou aquisição de um conceito que seja ao mesmo tempo o mais válido e o mais amplo possível. “O objetivo da filosofia é o de elevar a alma à contemplação do mais perfeito do seres”, diz o filósofo. Além disso, o uso desse conhecimento deve ser realizado em benefício do homem. Platão usou também um outro termo, para designar os “amantes da opinião” (philodoxia), em oposição aos “amantes da sabedoria”, os filósofos. Os amantes da opinião são aqueles que se detêm no mundo das aparências, das ilusões, das opiniões, mas não consideram o bem em si, o ser em si, a verdade em si. Este termo também foi utilizado pelo filósofo alemão Kant, para designar aqueles que se comprazem em levantar problemas filosóficos, sem desejar atingir soluções universalmente aceitas.

Aristóteles, discípulo de Platão, define a Φιλοσοφία como a “ciência da verdade”, no sentido de que ela compreende todas as ciências teóricas: a filosofia primeira, a matemática e a física; e as ciências práticas devem recorrer à filosofia para esclarecer sua natureza e seus fundamentos. A filosofia era assim considerada entre os gregos, e depois também pelos medievais, como um saber mais profundo, mais radical, mais completo, que devia dar as respostas mais importantes sobre o sentido da vida humana e da realidade em geral. Entre os gregos e os medievais a filosofia era a ciência primeira, a ciência por excelência e todas as outras ciências, de certa maneira, dependiam dela. A filosofia era definida como a ciência de todas as coisas (da totalidade) pelas suas causas primeiras, que só a razão pode atingir. Por isso, era a filosofia considerada a ciência por excelência. No caso dos filósofos medievais, porém, é preciso acrescentar o elemento cristão e, qualquer que seja a forma de entender a filosofia, a teologia estava sempre um passo acima do saber filosófico.

René Descartes, na modernidade, retoma o sentido de Φιλοσοφία como sabedoria e, por sabedoria, não se entende somente prudência nas coisas, mas um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode alcançar. Já para o filósofo alemão Hegel a filosofia pode ser entendida como uma “ciência da razão, pelo seu modo universal de seu ser e segundo a sua natureza, é ciência para todos” (LOSURDO, 2014, p. 83).

Para Deleuze (filósofo contemporâneo), a Φιλοσοφία é a arte de formar, inventar, fabricar conceitos. O filósofo inventa e pensa o conceito. O filósofo é amigo do conceito. Platão dizia que é necessário contemplar as Ideias, perfeitas e imutáveis, para se atingir o conhecimento verdadeiro, mas foi necessário criar o conceito de Ideia. Pitágoras criou um conceito: o de amigo da sabedoria. Descartes criou um conceito: o do cogito; Leibniz o de mônada; Bergson o de duração. Deleuze criou um conceito: o de que a filosofia é criação contínua de conceitos. Desta forma, diz Deleuze, que valeria um filósofo do qual se pudesse dizer: ele não criou nenhum conceito?

Se a Φιλοσοφία é essa criação contínua de conceitos, perguntar-se-á, evidentemente, o que é um conceito como ideia filosófica. Evidentemente, todo conceito tem uma história e não há conceito simples. Todo conceito, no dizer de Deleuze, tem componentes e se define por eles. Mesmo o primeiro conceito, aquele pelo qual a filosofia começa, possui mais de um componente. Num conceito há, no mais das vezes, pedaços ou componentes vindos de outros conceitos que respondiam a outros problemas e supunham outros planos. Não poderia ser diferente com o conceito de filosofia. É interessante notar aqui como, em certo sentido, Deleuze retoma o método socrático de investigação e análise conceitual.

A relação entre Φιλοσοφία e conceito pode ser pensada desde a antiguidade, com Sócrates, no século V a.C. O método socrático de fazer filosofia partia de perguntas simples, mas sobretudo da análise de um conceito: o de justiça, de coragem, amor etc. E para responder a uma pergunta é preciso construir o seu conceito. “A filosofia, devo insistir, parte de perguntas simples [...] A partir daí, ela tenta construir uma argumentação que permita responder, não no plano da simples opinião, mas no plano do conceito” (CHÂTELET, 1994, 23).


Disponível em: Pré Vestibular Online

Acessado em 27/01/2016

Podemos perceber a grande variedade que o termo filosofia pode designar para tal ou tal filósofo. Sem pretender esgotar os significados que a filosofia pode assumir vamos nos limitar a fazer uma análise do seu conceito do ponto de vista do conhecimento e do saber investigativo. Nesse sentido, a filosofia pode ser entendia: 1) como sabedoria (Pitágoras, Platão) ou como saber racional e científico, no sentido mais geral da palavra (como em Aristóteles); 2) a filosofia como serva da teologia (cristianismo); 3) um conhecimento crítico (kantismo); 4) um conjunto de estudos que tem a função de reunir os dados da ciência numa visão de mundo (positivismo).

A primeira concepção tende a identificar a filosofia com sabedoria, como já foi amplamente mencionado, e com a metafísica (a filosofia primeira, dominante na Antiguidade). Nesse segundo aspecto sua característica principal é a negação de qualquer possibilidade de investigação autônoma fora da filosofia. Admite-se muitas vezes que fora da filosofia existe um saber imperfeito, mas nega-se que tal saber possua validade cognitiva própria. Essa é a visão, por exemplo, de Platão e Aristóteles.

A segunda concepção refere-se ao período medieval que se desenvolve quase por inteiro em época cristã, representado por um primeiro encontro entre Revelação bíblica e a cultura helênica grega, sobretudo a partir de teólogos cristão que tentaram conciliar Fé e Razão, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, ambos tentando conciliar a filosofia grega com os dogmas da teologia cristã utilizando-se, respectivamente, de filósofos como Platão e Aristóteles.

A terceira concepção consiste em reduzir a filosofia a doutrina do conhecimento ou a metodologia. Se lançarmos um olhar sobre a História da Filosofia, podemos constatar que os primeiros filósofos não tinham uma preocupação com o conhecimento enquanto conhecimento, quer dizer, não indagavam sobre a possibilidade de conhecer ou não o Ser, a Verdade, a essência das coisas. Os filósofos cristãos afirmavam poder conhecer a verdade à partir da revelação Divina; por isso, a razão não poderia contradizer a fé e deveria se submeter a ela em relação as verdades últimas e essenciais. Com a filosofia moderna a questão do conhecimento tornou-se pré-requisito. Antes de conhecer se pôs a questão: como é possível conhecer? Como podemos conhecer a verdade? Essa questão não era assim tão sem sentido, pois o entendimento humano pode facilmente mergulhar na ilusão e no erro.

Com o problema do conhecimento a filosofia tem de começar pelo exame da capacidade humana de conhecer, pelo entendimento ou sujeito do conhecimento. A teoria do conhecimento volta-se para a relação entre o sujeito do conhecimento e a realidade a ser conhecida. Na modernidade, a teoria do conhecimento torna-se uma disciplina central da filosofia. Sua tarefa é verificar a validade do saber, determinar seus limites, condições e possibilidades efetivas. Essa concepção tem raízes em John Locke, com o seu “Ensaio acerca do entendimento humano” e ganhará força com Kant. Para Kant, tanto as condições a priori (intuições, categoria) e a posteriori do conhecimento limitam nossa possibilidade cognitiva e, por conseguinte, fundamentam a própria possibilidade do conhecimento. Kant expressava o campo da filosofia com as seguintes perguntas: o que posso saber? O que devo fazer? O que posso esperar? O que é o homem? A metafísica responde a primeira questão; a moral a segunda; a religião a terceira e a antropologia a quarta e última. Desta forma, antes de abordar o conhecimento verdadeiro, os filósofos modernos começaram pelo exame das opiniões contrárias e das ilusões; examinaram as suas causas e formas do erro.

A quarta concepção tem raízes no pensamento de Francis Bacon, segundo o qual a tarefa da filosofia seria a de dividir e classificar as ciências particulares, conferindo-lhes seu método, material e técnica. Mas sem dúvida, foi o positivismo que deu destaque a essa função da filosofia, de reunir e coordenar os resultados das ciências específicas com vistas a criar um conhecimento unificado e geral. Para Auguste Comte, como em Bacon, a filosofia deve descobrir relações e concatenar as ciências, resumindo todos os princípios dessas ciências no menor número possível de princípios comuns, sempre em conformidade com o método positivo.

Diante de toda essa complexidade e diversidade de ideias haveria alguma forma de tentar definir a filosofia, de modo a englobar senão todos, pelo menos boa parte das questões discutidas até aqui? Sem pretender esgotar o tema, propomos então a seguinte definição:

Podemos entender a filosofia, em um sentido restrito, como uma tentativa de compreender de forma racional, a totalidade do real, da qual decorre uma forma de agir.

A filosofia é uma tentativa, porque não é uma certeza. Se fosse uma certeza, não teria mais porque sair em busca do conhecimento. Uma tentativa de compreender o real de forma racional, porque a filosofia não se vale da experiência, como o fazem as ciências, e nem tampouco se vale da fé, como o fazem as religiões, para tentar entender e explicar a realidade em que vivemos.

Além disso, diferentemente das ciências, que fragmentam o real, sendo que cada ciência particular se detém sob um aspecto diferente deste mesmo real, a filosofia tenta entendê-lo em seu conjunto, como um todo, quer dizer, enquanto o conhecimento filosófico é orientado para a totalidade das coisas, o conhecimento científico é orientado para parcelas da realidade. E por totalidade do real deve-se entender tanto o mundo exterior como o mundo interior, ou seja, a filosofia no sentido de uma concepção do universo e a filosofia no sentido de uma concepção do eu; sendo que estes dois elementos essenciais da filosofia se intercalam e se completam.

De todo esse esforço da razão para tentar compreender a realidade a nossa volta decorre uma forma de agir porque é preciso, de alguma forma, intervir na sociedade em que vivemos, para melhorá-la e modificá-la, diante de todas as injustiças e perversidades que existem no mundo.


Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio Introdutório, texto grego com tradução e comentário de Giovanni Reale. Trad. para o português de Marcelo Perine. Ed. Loyola. São Paulo, Brasil, 2002.

ARISTÓTELES. Retórica. Prefácio, introdução, tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Cunha. Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Lisboa, Portugal, 2006.

CHÂTELET, François. Uma história da razão. Entrevistas com Émile Noël. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

HABERMAS, J. Teoria do Agir Comunicativo: Racionalidade da ação e racionalidade social. Tradução de Paulo Astor Soethe. São Paulo. WMF Martins Fontes, 2012. Vol. I.

HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. 8. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1987.

LOSURDO, Domenico. A Hipocondria da Antipolítica: História e atualidade na análise de Hegel. Rio de Janeiro: Revan, 2014.

MARITAIN, Jacques. Introdução geral à filosofia: elementos de filosofia 1. Tradução de Ilza das Neves e Heloísa O. Penteado. 10. ed. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1972.

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Tradução de Ísis Borges B. da Fonseca. 16. ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2006.