Introdução à Psicologia do Ser de Abraham Maslow

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em mar. 2017


Abrahma Maslow é considerado hoje um importante nome da Psicologia Humanista que, tal como o behaviorismo e a psicanálise, consiste de um campo de estudo da psicologia que propõe novos caminhos para pensar o homem e a sociedade, seja em áreas como a educação, a administração e gestão organizacional, além de propor terapias para o autoaperfeioçoamento. O próprio Mawslow (s/d, p. 12) considera, na realidade que

a Psicologia Humanista, ou Terceira Força da Psicologia, [é] apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Psicologia ainda “mais elevada”, transpessoal, transumana, centrada mais no cosmo do que nas necessidades e interesses humanos, indo além do humanismo, da identidade, da individuação (...) Essas psicologias comportam a promessa de desenvolvimento de uma filosofia da vida, de um substituto da religião, de um sistema de valores e de um programa de vida cuja falta essas pessoas estão sentindo. Sem o transcendente e o transpessoal, ficamos doentes, violentos e niilistas, ou então vazios de esperança e apáticos. Necessitamos de algo “maior do que somos”, que seja respeitado por nós próprios e a que nos entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico, talvez como Thoreau e Whitman, William James e John Dewey fizeram.


O livro Introdução a Psicologia do Ser é uma continuação de uma outra obra de Maslow, Motivation and Personality, publicado em 1954. Para Maslow (s/d, p. 17), Introdução a Psicologia do Ser:

É um antecessor do trabalho a ser ainda realizado para a construção de uma Psicologia e Filosofia Geral, abrangente, sistemática e empiricamente baseada, que inclua as profundezas e as alturas da natureza humana (...) Por outras palavras, constitui um esforço para construir, numa base psicanalítica geral e numa base científico-positivista de Psicologia experimental, a superestrutura eupsiquiana, S-psicológica e metamotivacional que falta a esses dois sistemas, superando seus limites.


Introdução a Psicologia do Ser é uma obra que se pode considerar ainda uma “pesquisa piloto”, com observações pessoais, deduções teóricas e hipóteses que precisam ainda de confrontação científica. Mas as afirmações aí encontradas foram redigidas de modo que possam ser colocadas à prova, ou seja, demonstrar sua verdade ou falsidade, e que possam gerar novas pesquisas. “Por todas essas razões, considero que este livro se situa mais no domínio da ciência, ou pré-ciência, do que no da exortação, ou da filosofia pessoal, ou da expressão literária” (s/d, p. 19). É um trabalho tanto teórico quanto experimental. E com base nesse espírito filosófico científico, é possível extrair algumas afirmações sobre os pressupostos básicos da Psicologia Humanista de Maslow (s/d, p. 27/28):


HIERARQUIA DAS NECESSIDADES DE MASLOW


Imagem disponível em: Wikipedia

Acesso em 06/03/2017

5. Se esse núcleo essencial da pessoa for negado ou suprimido, ela adoece, por vezes de maneira óbvia, outras vezes de uma forma sutil, às vezes imediatamente, algumas vezes mais tarde

6. Essa natureza interna não é forte, preponderante e inconfundível, como os instintos dos animais. É frágil, delicada, sutil e facilmente vencida pelo hábito, a pressão cultural e as atitudes errôneas em relação a ela.

7. Ainda que frágil, raramente desaparece na pessoa normal – talvez nem desapareça na pessoa doente. Ainda que negada, persiste subjacente e para sempre, pressionando no sentido da individuação (definida como o processo de realização de potenciais, capacidades e talentos, como realização plena de missão; a individuação consiste na humanidade plena do indivíduo, no desenvolvimento da natureza humana biológica e psiquicamente alicerçada).


Maslow acredita que se a verdade desses pressupostos puder ser demonstrada, então estaremos diante de uma nova visão sobre o homem, sobre o mundo e a sociedade, com um outro sistema natural de valores e pressupostos morais e, nesse sentido, “Quanto mais aprendemos sobre as tendências naturais dos homens, mais fácil será dizer-lhe como ser bom, como ser feliz, como ser fecundo, como respeitar-se a si próprio, como amar, como preencher as suas mais altas potencialidades” (s/d, p. 29)

Os pressupostos da Psicologia Humanista não eliminam outras áreas da psicologia como o behaviorismo ou a psicanálise freudiana, mas aponta os limites de considerar o ser humano como essencialmente reativo “o homem E-R, poderíamos chamá-lo, que é posto em movimento por estímulos externos, torna-se completamente ridículo e insustentável para as pessoas com capacidade de individuação” (s/d, p. 62), o que não significa dizer negar a influência que os estímulos externos do mundo desempenham nos seres humanos. Também não se trata de negar a psicanálise. “Pelo contrário, adiciona-se-lhe e suplementa-o. Para simplificar a questão, é como se Freud nos tivesse fornecido a metade doente da Psicologia e nós devêssemos preencher agora a outra metade sadia” (s/d, p. 30). A psicanálise freudiana nos ensinou que o passado continua existindo na pessoa no inconsciente, mas é preciso aprender igualmente que “segundo as teorias do crescimento e da individuação, o futuro também existe agora na pessoa, sob a forma de ideais, esperanças, deveres, tarefas, planos, metas, potenciais irrealizados, missão, fé, destino, etc.” (s/d, p. 249). Outro aspecto diferencial é que Maslow sugere a existência de um inconsciente sadio: “sugerimos também uma integração da racionalidade e da irracionalidade, com a conseqüência de que a irracionalidade também pode, em seu lugar, ser considerada sadia, desejável ou até necessária” (s/d, p. 243).

Para Maslow a dor geralmente é associada como algo que deve ser eliminada e, naturalmente, para isso deve ser tratada, mas tem um fator que precisa ser levado em consideração, pois a aflição e a dor são necessárias ao crescimento dos indivíduos e por isso não deve ser vista apenas como algo mal, mas como algo com o qual devemos aprender a lidar e conhecer suas origens.

Por vezes, podem ser boas e desejáveis. Tendo em vista as boas conseqüências finais. Não permitir às pessoas que expiem seu sofrimento e protegê-las da dor poderá resultar numa espécie de superproteção que, por seu turno, implica uma certa falta de respeito pela integridade, a natureza intrínseca e o desenvolvimento futuro do indivíduo (s/d, p. 33).


Mas a Psicologia Humanista não se fixa ou se detém na dor. Ao contrário, defende a ideia de que é preciso incorporar ao conhecimento a ideia de que o homem tem uma natureza interna que passa por um processo de desenvolvimento de individuação, além do conceito “de que o homem tem o seu futuro dentro dele próprio, dinamicamente ativo neste momento presente” (s/d, p. 42).

Estudos cada vez mais recentes postulam “alguma tendência para o crescimento ou autoperfeição, a fim de suplementar os conceitos de equilíbrio, homeostase, redução de tensão, defesa e outras motivações conservadoras” (s/d, p. 49), ou seja, além de lidar com a doença, é preciso lidar com o aspecto saudável do ser humano. No mesmo sentido em que nós temos necessidades básicas de ingerir água, aminoácidos, cálcio, etc., as doenças psíquicas parecem ser também, algumas pelo menos como a neurose, uma doença de deficiência, que se origina na privação de certas satisfações, como desejos insatisfeitos de segurança, de filiação, de relações de amor, respeito, prestígio, etc. “Não ocorreria a ninguém pôr em dúvida a afirmação de que ‘necessitamos’ de iodo ou vitamina C. Quero lembrar que a prova de que ‘necessitamos’ de amor é exatamente do mesmo tipo” (s/d, p. 49).

Essa tendência para o crescimento precisa ser acompanhada pelo sentimento de segurança, pois, por analogia, da mesma forma que “somente uma criança que se sente segura se atreve a progredir saudavelmente. As suas necessidades de segurança devem ser satisfeitas. Ela não pode ser empurrada para diante” (s/d, p. 76/77), o mesmo se passa com o processo de individuação, embora “não podemos forçar a pessoa a progredir, apenas podemos instigá-la a que o faça” (s/d, p. 80). Até que se chegue ao ponto em que tudo passa a acontecer espontaneamente, sem esforço ou obrigação. Quando se sente segura e certa de sua capacidade de individuação, a pessoa atua não para evitar a dor, o desprazer ou a morte, mas para aprimorar suas potencialidades internas e em busca do seu auto aperfeiçoamento.

Assim como todas as árvores precisam de sol, água e alimento do ambiente, também todas as pessoas necessitam de segurança, amor e status em seu próprio meio. Contudo, em ambos os casos, isso é justamente onde o verdadeiro desenvolvimento da individualidade pode começar, pois uma vez saciadas essas necessidades elementares de toda espécie cada árvore e cada pessoa passa a desenvolver-se em seu estilo próprio, singularmente, usando essas necessidades para os seus fins particulares. Num sentido muito significativo, o desenvolvimento torna-se, pois, mais determinado de dentro para fora do que de fora para dentro (s/d, p. 60).


Essa forma de compreender os indivíduos implica na necessidade de refletir sobre o aperfeiçoamento da personalidade, sobre a auto análise e reflexão sobre o eu.

Maslow acrescenta ainda outra contribuição importante da psicanálise, que foi a descoberta de que a maior parte das doenças psicológicas são consequências diretas do medo que temos de conhecermos a nós mesmos, “as nossas emoções, impulsos, recordações, capacidades, potencialidades, nosso próprio destino” (s/d, p. 87), uma reação de medo defensiva e até protetora de nossa auto estima e do nosso amor próprio. “Somos propensos a temer qualquer conhecimento que possa causar o desprezo por nós próprios, ou fazer sentirmo-nos inferiores, fracos, inúteis, maus, indignos” (s/d, p. 87).

Mas há outra espécie de verdade que somos propensos a evitar (...) também tendemos a esquivar-nos ao desenvolvimento pessoal, porque este também pode acarretar outra espécie de medo, de temor, de sentimento de fraqueza e inadequação. E, assim, descobrimos outro gênero de resistência, uma negação do nosso lado melhor, dos nossos talentos, dos nossos mais delicados impulsos, das nossas mais altas potencialidades, da nossa criatividade (s/d, p. 88).


Embora esse medo seja compreensível, ele deve ser superado. Precisamos descobrir em nós o nosso lado sadio, nossos talentos, ainda que essa descoberta traga responsabilidades que podem ser encaradas como fardo e, por isso, evitada. Por isso há uma necessidade de saber, o que nos leva

a uma relação dialética de vaivém que, simultaneamente, é uma luta entre o medo e a coragem. Todos aqueles fatores psicológicos e sociais que aumentam o medo sufocarão o nosso impulso para saber; todos os fatores que permitem a coragem, a liberdade e a audácia libertarão também, por conseguinte, a nossa necessidade de saber (s/d, p. 95).


Essa necessidade de saber se deve ao fato de que podemos e devemos conhecer nossas potencialidades que nos ajude a percorrer o caminho do processo de individuação e que nos conduza a níveis superiores de amadurecimento humano. Em tais níveis

são transcendidas, resolvidas ou fundem-se muitas dicotomias, polaridades e conflitos. As pessoas capazes de individuação são, simultaneamente, egoístas e altruístas, dionisíacas e apolíneas, individuais e sociais, racionais e irracionais, fundem-se com outras e mantêm-se separadas das outras, etc. O que eu pensava ser uma seqüência contínua em linha reta, cujos extremos eram polares, resultou se, afinal de contas, mais parecido com círculos ou espirais, em que os extremos polares se tocam e se fundem numa unidade (s/d, p. 120).


E se estas suposições estão corretas, então é preciso investigar o aspecto saudável do ser humano que nos ajude a compreender melhor esse outro aspecto da nossa personalidade. E da mesma forma como Freud chegou a suas teorias estudando as neuroses humanas, podemos seguir o mesmo caminho mas, agora, estudando pessoas saudáveis, sejam artistas, intelectuais ou outros tipos de pessoas criadoras, pessoas religiosas, pessoas que experimentam grandes introvisões psíquicas e outras experiências importantes de crescimento, inclusive a experiência mística.

Maslow considera bastante significativo que as experiências místicas tenham sido descritas de formas muito semelhantes por pessoas das mais variadas religiões e em todas as culturas. “Os grandes criadores, digamos, tal como foram antologicamente reunidos por Brewster Ghiselin (54a), descreveram seus momentos criativos em termos quase idênticos, embora fossem poetas, químicos, escultores filósofos e matemáticos” (s/d, p. 114).

Entre as características objetivamente estudadas por Maslow (s/d, p. 189) descritíveis e mensuráveis do ser humano sadio ele destaca:


“Tudo isso necessita de confirmação e exploração através de pesquisas, mas é evidente que tais pesquisas são exeqüíveis” (s/d, p. 189), ou pelo menos a maioria delas. Por exemplo, Maslow está ciente de que nem todas estas ideias são facilmente exequíveis de observação. Não é fácil, por exemplo, definir para fins de pesquisa, como as “satisfações da necessidade por déficit e as satisfações da necessidade de crescimento têm efeitos subjetivos e objetivos diferenciais sobre a personalidade” (s/d, p. 58) e que a primeira evita a doença e a segunda produz a saúde. Alguns aspectos ainda estão muito limitados ao domínio do teórico, mas quem disse que a ciência não se faz primeiramente construindo teorias, até que se possa testar tais hipóteses?

Por hora, é preciso levar em consideração as poucas pesquisas com pessoas saudáveis, o que nos permite pensar que “a doença geral da personalidade é definida como qualquer condição em que a pessoa fica aquém do seu pleno desenvolvimento, ou individuação, ou plena realização da sua humanidade” (s/d, p. 228). A principal fonte de doença, nesse caso, mas não a única, se deve a não satisfação de necessidades básicas e a ausência de necessidades de crescimento, como o amor, cuja ausência

certamente sufoca as potencialidades e pode até matá-las [...] o não-amor da mãe ou do parceiro sexual gera o oposto – ansiedade, falta de confiança em si próprio, sentimentos de insignificância, de ‘não-prestar’, e expectativas de ridículo – tudo isso fatores inibitórios do desenvolvimento e da individuação. Toda experiência personológica e psicoterapêutica é testemunha deste fato: o amor realiza e o não-amor frustra (s/d, p. 127/128).


Os dados até aqui analisados sugerem que estamos lidando com algo inerente à natureza humana “uma potencialidade dada a todos ou à maioria dos seres humanos no nascimento, a qual, com freqüência, se perde, ou é enterrada, ou inibida, quando a pessoa é enculturada” (s/d, p. 171) e que é preciso pensar os indivíduos a partir de suas potencialidades e forças criativas – que Maslow chama de criatividade individuacionante (s/d, p. 170).

Considerações Finais

O homem tem uma tendência para “realizar-se”. Esse núcleo interno, esse eu real, é bom, ético, digno de confiança? Maslow afirma positivamente.

Mas é preciso considerar “que a tendência para evoluir no sentido da plenitude humana e da saúde não é a única tendência que se encontra no ser humano... podemos também encontrar nessa mesma pessoa desejos de morte, tendência para o medo, a defesa e a regressão, etc.” (s/d, p. 188). É preciso considerar as forças regressivas que atuam em nossa psyché. “Também temos de encarar frontalmente o problema do que se levanta no caminho do desenvolvimento, quer dizer, o problema de cessação de crescimento e evasão de crescimento, de fixação, regressão e conduta defensiva” (p. 196).

Mas há um outro conjunto de forças e impulsos que nos direcionam no sentido de uma auto realização, mas que são facilmente ocultados pelo hábito e pelos valores sócio culturais. “Há dois conjuntos de força puxando o indivíduo, não uma apenas. Alem das pressões no sentido do desenvolvimento e da saúde, existem também pressões regressivas, geradas pelo medo e ansiedade, que o empurram para a doença e a fraqueza” (s/d, p. 197). Mas se por um lado precisamos considerar as fraquezas humanas, precisamos compreender igualmente suas tendências sadias, sob pena de cometer o erro de patologizar tudo. Precisamos compreender as fraquezas humanas porque elas também nos ajudam a compreender o fortalecimento de nosso processo de individuação. “Somente por uma completa apreciação dessa dialética entre doença e saúde poderemos contribuir para que a balança penda a favor da saúde” (s/d, p. 199).

Quanto maior a maturidade psicológica, mais as pessoas tendem espontaneamente a escolher o bem e não o mal, a beleza e não a fealdade, a integração e não a dissociação, a alegria e não a tristeza, a vivacidade e não a apatia, tais são os valores percebidos nas experiências analisadas por Maslow, quer dizer, o que as pessoas sadias escolhem é o que, no geral, é ‘bom para elas’ e para as outras pessoas, ainda que a longo prazo, e é o que as pessoas doentes também escolheriam se pudessem tornar-se melhores escolhedores.

Tais princípios nos remetem a algo que está presente em boa parte das religiões humanas, entendidas como expressões de uma aspiração humana. As descrições fornecidas por pessoas auto-realizadoras ou individuacionantes equipara-se em muitos pontos, segundo Maslow, aos ideais recomendados pelas religiões, como: a transcendência do eu, e sua fusão com o verdadeiro, o bom e o belo, a busca pela sabedoria, a renúncia de desejos ‘inferiores’ em favor dos ‘superiores’, maior amizade e gentileza. Esses aspectos têm sido grandemente negligenciado pelas atuais escolas de psicologia, e a Psicologia Humanista de Maslow vem para preencher essa lacuna e contribuir com uma nova visão sobre a psyché humana.

Referência

MASLOW, Abraham H. Introdução à Psicologia do Ser. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, s/d.