ESPIRITUALIDADE E PODER: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DA TRILOGIA O SENHOR DOS ANÉIS

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA CONTRIBUCIONES A LAS CIENCIAS SOCIALES, 17(5) EM 2024

por Alexsandro M. Medeiros

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& Luana Medeiros


RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar o aspecto semiótico audiovisual, ou seja, a partir da transmutação do texto verbal (literário) em um não verbal (cinematográfico) da trilogia O Senhor dos Anéis. Os dados apresentados foram coletados seguindo uma metodologia de pesquisa bibliográfica analisando aspectos teóricos referentes à semiótica. Discute-se como a trilogia retrata a relação simbólica entre o claro e o escuro, o belo e o feio, luz e trevas, a partir do confronto entre as forças do bem e as forças do mal cuja construção simbólica se dá em torno do poder do Um Anel. Pretende-se realizar uma hermenêutica da simbologia presente na trilogia e como essa simbologia é carregada de espiritualidade e disputa pelo poder a partir do confronto entre as forças do bem e do mal. Na luta contra o poder do Um Anel surge A Sociedade do Anel: nove companheiros que serão guiados através dessa longa jornada pelo mago Gandalf. Ao retratar o confronto entre as forças do bem e as forças do mal, a trilogia ressalta uma relação simbólica entre o claro e o escuro, luz e trevas, o belo e o feio.

 

Palavras-chave: Semiótica, Espiritualidade, Bem-Mal, Claro-Escuro.


O TEXTO COMPLETO DO ARTIGO ESTÁ DISPONÍVEL NO SITE DA REVISTA: TEXTO COMPLETO


Nota: Uma versão resumida deste artigo foi apresentada sob forma de comunicação oral no 1º ENCONTRO INTERDISCIPLINAR MÚLTIPLAS LINGUAGENS, SEMIÓTICA E DISCURSO NA CONTEMPORANEIDADE, realizado em MANAUS-AM, em junho de 2017. O resumo do trabalho está disponível nos Anais do SDISCON (p. 199).

Curiosidades: Alguns exemplos que podem ter servido de inspiração para Tolkien sobre o símbolo do Um Anel

1. Lenda nórdica do Anel dos Nibelungen

“a lenda nórdica do Anel dos Nibelungen [...] . Wotan (Odin) se apodera de um Anel que confere grandes poderes. Wotan, querendo se livrar do anel amaldiçoado, cede-o para os gigantes. A maldição causou logo efeito, pois um dos gigantes mata o outro, e o que restou se transforma em um dragão que passa a guardar o anel. O anel de Nibelungen dá ao seu portador o poder, a dominação sobre a natureza, tornando-se ao mesmo tempo seu amo e escravo (Pereira; Lopes; Lima, 2010, p. 93).

Na lenda da mitologia germânica, Nibelungos eram habitantes do norte gelado de Niflheim e possuíam um anel que era a garantia de seu poder e simbolizava a ligação entre o ser humano e a natureza: “[...] tal anel, na mão do homem, assinala a dominação do homem sobre a natureza, tornando-o, ao mesmo tempo, servo de turbilhões do desejo e das consequências dolorosas que o exercício desse poder acarreta. O homem que acredita dominar sente-se aprisionado. É uma figura do desejo de poder” (Chevalier, 2001, p. 56). Mas o anel foi retirado dos Nibelungos por Wotan.

O tema do Anel dos Nibelungos foi abordado em várias obras medievais como o Nibelungenlied (poema épico escrito em cerca de 1200), e também as obras nórdicas Thidrekssaga, Ältere Edda, Völsungasaga e Jüngere Edda.

 

Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo) foi transformado em ópera pelo compositor alemão Richard Wagner, em 1863. O Anel de Nibelungo é um ciclo de quatro óperas épicas que são adaptações dos personagens mitológicos das sagas nórdicas e do Nibelungenlied. As óperas que compõem o ciclo do anel - cuja execução completa do ciclo dura cerca de 15 horas - são, em ordem cronológica do enredo: O Ouro do Reno; A Valquíria; Siegfried; e O Crepúsculo dos Deuses. Tolkien pode ter se inspirado em algumas ideias e fontes de Wagner, como o conceito do anel dar ao seu dono um poder absoluto, e a influência corrupta nas mentes de quem o possui.


2. Platão e o mito do anel de Giges

Em A República, Platão nos narra a história do anel de Giges. Giges era um pastor que encontrou um anel de ouro em uma caverna e, por acaso, ele descobre que o anel tem o poder de torná-lo invisível, sendo esta a origem de sua fortuna. Graças ao poder da invisibilidade, o anel não apenas tornou Giges rico, como o ajudou a matar o rei, seduzir a rainha e ocupar o trono.

 

[...] segundo se conta, o antepassado de Giges, o Lídio. Este homem era pastor a serviço do rei que naquela época governava a Lídia. Cedo dia, durante uma violenta tempestade acompanhada de um terremoto, o solo fendeu-se e formou-se um precipício perto do lugar onde o seu rebanho pastava. Tomado de assombro, desceu ao fundo do abismo e, entre outras maravilhas que a lenda enumera, viu um cavalo de bronze oco, cheio de pequenas aberturas; debruçando-se para o interior, viu um cadáver que parecia maior do que o de um homem e que tinha na mão um anel de ouro, de que se apoderou; depois partiu sem levar mais nada. Com esse anel no dedo, foi assistir à assembléia habitual dos pastores, que se realizava todos os meses, para informar ao rei o estado dos seus rebanhos. Tendo ocupado o seu lugar no meio dos outros, virou sem querer o engaste do anel para o interior da mão; imediatamente se tomou invisível aos seus vizinhos, que falaram dele como se não se encontrasse ali. Assustado, apalpou novamente o anel, virou o engaste para fora e tomou-se visível. Tendo-se apercebido disso, repetiu a experiência, para ver se o anel tinha realmente esse poder; reproduziu-se o mesmo prodígio virando o engaste para dentro, tomava-se invisível; para fora, visível. Assim que teve a certeza, conseguiu juntar-se aos mensageiros que iriam ter com o rei. Chegando ao palácio, seduziu a rainha, conspirou com ela a morte do rei, matou-o e obteve assim o poder.

Com esta história, Platão quer demonstrar ao mesmo tempo um certo dilema moral e da justiça (agir ou não de forma justa) pois, se tivermos certeza da impunidade, não teremos preocupações com nossos atos e somos capazes de cometer qualquer ação, na certeza de que não seremos pegos pela justiça. Ao utilizar tal analogia, o filósofo nos fala que as verdadeiras forças estão presentes em nós mesmos, pois a invisibilidade dada pelo anel de Giges representa o fato de que o móvel de nossas ações é invisível aos olhos dos outros.

 

CHEVALIER, J. [et al.]. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da Costa e Silva. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

PEREIRA, André M.; LOPES, Leandro A.; LIMA, Lucas L. O simbolismo do anel: a representação do imperialismo europeu (1870-1914) na obra O Senhor dos Anéis, de J. R. R Tolkien. Revista Alpha, (11), p. 87-95, ago. 2010. Acesso em 27/02/2016.


Nova interpretação da passagem 359d da República de Platão

Mitologia Grega - O Anel de Giges (vídeo youtube)

Curiosidades: Referências ao “anel” em mitos e tradições religiosas

De acordo com uma lenda do folclore judaico, o arcanjo Miguel deu “o arcanjo Miguel deu um anel mágico ao rei Salomão para aprisionar as almas dos gênios maléficos. Salomão fez os gênios construírem um grande templo e depois os lançou no Mar Vermelho” (Colbert, 2002, 14 apud Ribeiro 2007, p. 78-79).

Encontramos na Bíblia, no livro do Gênesis (41: 42-43), a narrativa em que o Faraó entrega um anel a José:

Então tirou Faraó o anel de sua mão, e o pôs na mão de José, e o fez vestir de roupas de linho fino, e o pôs um colar de ouro no seu pescoço. E fê-lo subir no segundo carro que tinha, e clamavam diante dele: Ajoelhaivos. Assim o pôs sobre toda a terra do Egito (Lurker, 1997, p. 28 apud Ribeiro, 2007, p. 83).

Desde o séc. VII, o anel episcopal é “sinal da união com Deus e com o cargo por ele outorgado, expressão do poder daí resultante e selo de fé, chamado signaculum fide” (Lurker, 1997 apud Ribeiro, 2007, p. 84).

O Anel também está associado a poderes divinos na mitologia entre os Assírios e na Pérsia aquemenídica (Dinastia persa, fundada em 550 a.C. por um descendente dos Aquêmenes, Ciro I): “por exemplo, o sol era por vezes representado por um anel dotado de asas e associado às imagens dos deuses Assur e Ahuramasda” (Lurker, 1997, p. 28 apud Ribeiro, 2007, p. 84).

Deuses dos germanos setentrionais também possuíam um anel dourado no braço, como sinal de sua santidade e poder (Lurker, 1997 apud Ribeiro, 2007, p. 84).

 

Colbert, D. O Mundo mágico do Senhor dos Anéis: mitos, lendas e histórias fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

Lurker, M. Dicionário de Simbologia. Trad. Mario Krauss e Vera Barkow. São Paulo: Marins Fontes, 1997.

Ribeiro, E. S. A relação cinema-literatura na construção da simbologia do anel na obra O Senhor dos Anéis: uma análise intersemiótica. 2007. 151 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Linguística Aplicada), Centro de Humanidades, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza-CE, 2007.