MALCOM X

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em set. 2018

A segregação racial nos Estados Unidos deixou marcas profundas para a população negra. Nos E.U.A. era comum nas três primeiras décadas do século XX espancamentos, linchamentos, enforcamentos e até queimarem homens e mulheres negras pelas ruas de vários estados norte-americanos, principalmente no sul daquele país, em locais públicos com a complacência do estado e acompanhado pela comunidade branca das cidades. No site https://withoutsanctuary.org/pics_01.html é possível ter acesso a inúmeras fotos deste período, com enforcamento de negros e informações sobre cada foto.

Foi nesse contexto que viveu Malcom, nascido em 1925 e cujo ódio contra os brancos foi forjado desde sua infância marcada por inúmeras tragédias. Desde a morte de seu pai até a internação por problemas psíquicos de sua mãe. Além disso, sua avó engravidou de sua mãe depois de ser estuprada por um homem branco que nunca foi preso, sequer acusado de crime. “A infância de Malcolm foi árdua. Primeiro, pela cor da pele que sacramentava o futuro de uma boa parte dos negros do país, segundo por durante a década de 30, anos da sua infância, ter vivenciado a época da Grande Depressão” (RODRIGUES, 2010, p. 51).

O seu pai, Earl Little, um pastor batista que pregava a luta contra a discriminação racial, foi espancado até a morte em 1931 e teve o corpo colocado numa linha de bonde. O atentado foi uma represália aos sermões de Earl em favor dos direitos dos negros. Não houve investigação criminal e as autoridades concluíram que ele havia cometido o suicídio.

O braço esquerdo tinha sido esmagado, a perna direita quase separada do tronco [...] “O bonde o cortara logo abaixo do tronco, separando completamente a perna esquerda e esmagando a direita, porque o bonde... tinha passado bem por cima dele. Ele sangrou até morrer.” A lembrança mais vívida que Malcolm guardava do funeral do pai era a de ver a mãe histérica, e da dificuldade que ela teve para aceitar o acontecido (MARABLE, 2013, p. 43).


O Sr. Little, que “seguia a risca as teorias de Marcus Garvey, que pregava o retorno a mãe a África, por este motivo era alvo de constantes perseguições, principalmente da organização racista de origem cristã, a Ku Klux Klan” (ALVES, 2012, p. 2), foi mais um negro, entre milhares, a ser assassinado pelo ódio racista da classe branca e sem nenhum tipo de punição por parte do estado americano. “O pai de Malcolm era um negro politizado e que lutava pela libertação e justiça social aos seus irmãos. Por isso mesmo a casa da família Little chegou até a ser queimada por membros da Klan, episódio descrito mais tarde como ‘noite do pesadelo’” (RODRIGUES, 2010, p. 52).

O episódio da “noite do pesadelo” ocorreu dois anos antes da morte do pai de Malcom quando ele tinha apenas 4 anos, quando homens encapuzados da organização racista Ku Klux Klan jogaram gasolina e atearam fogo no sobrado da família Little, no subúrbio de Lansing, no estado norte-americano de Michigan.

Malcolm, de quatro anos, e os irmãos relembrariam esse episódio pelo resto da vida [...] “Quando acordamos, havia fogo por toda parte, e todo mundo corria para as paredes, esbarrando-se uns nos outros, tentando sair. Ouvi minha mãe gritar, meu pai gritar — queriam ter certeza de que estávamos todos juntos para nos tirar de lá. O fogo espalhava-se com tal rapidez que praticamente não conseguiram salvar mais nada. Minha mãe pôs-se a correr de volta para pegar roupas de cama, qualquer coisa que conseguisse, deixava na varanda e depois levava para o jardim. Ela cometeu o erro de deitar minha irmãzinha, ainda bebê, em cima de uns edredons, para voltar e pegar mais coisas. Quando retornou, não viu o neném — acontece que tinham colocado outras coisas por cima da criança. Minha mãe quase enlouqueceu. Quer dizer, tiveram de segurá-la para que não voltasse à casa. Até que o neném chorou, e descobriram onde estava” (MARABLE, 2013, p. 36).


Já no ginásio, quando disse ao seu professor Ostrowski que queria ser advogado, ouviu deste que o Direito não era realidade para negros, e sim atividades braçais, como a marcenaria. “Malcolm sabia que aquele conselho dado pelo Sr. Ostrowski não seria dado a outros alunos brancos, aquilo foi um duro golpe para a vida, como ele mesmo disse: ‘[...] foi neste momento que comecei a mudar por dentro’” (X, 1964, p. 44 apud ALVES, 2012, p. 6).

Na adolescência, passou por várias casas de custódia, por causa do colapso nervoso sofrido pela mãe que por isso precisou ser internada em um hospital para doentes mentais. Desde os 15 anos Malcom passou a frequentar os bares do Harlem, em Nova York (o mítico bairro de maioria negra) e conviver com os criminosos locais. Aos 17 anos, soube que um grupo de trapaceiros do Harlem precisava de um ajudante e entrou para o crime: tráfico de drogas, roubo, prostituição e jogos. Sua vida na criminalidade não terminou bem e após ser preso quando estava por completar 21 anos foi sentenciado a 10 anos de prisão.


Malcom na Cadeia

Disponível em: Rede Brasil Atual. Acesso em 15/09/2018.

A Conversão ao Islamismo 

Foi na cadeia que a vida de Malcolm mudou radicalmente, convertendo-se ao islamismo. Na prisão teve oportunidade de estudar diversas áreas do conhecimento, como o inglês, caligrafia e inclusive retórica, e se revelou grande pregador. Eis como Malcom descreve a vida na prisão (apud RODRIGUES, 2010, p. 71).

Descreve Halley sobre a vida de Malcolm no cárcere: Como um peixe (a gíria da prisão para indicar um novo preso) em Charlestown, senti-me fisicamente desesperado e hostil como uma cobra venenosa, por ficar subitamente privado das drogas. As celas não tinham água corrente. A prisão fora construída em 1805, nos tempos de Napoleão, e ainda tinha o mesmo estilo da Bastilha. Na cela suja e pequena, eu podia deitar no catre e encostar as mãos nas duas paredes. O banheiro era um balde coberto. Por mais forte que um camarada seja, não dá para agüentar o cheiro das fezes da ala de prisão. (...) “Ao sair da prisão, a mente tenta apagar a experiência. Mas não é possível. Tenho conversado com muitos homens que já estiveram na prisão. Sempre achei interessante verificar que muitos detalhes dos anos na prisão foram inteiramente apagados de nossas mentes. Mas, em todos os casos, pode-se descobrir uma coisa: um ex-preso jamais consegue esquecer as grades.


Na prisão Malcolm passou a conhecer os textos de Elijah Muhammad (1897-1975), líder da Nação do Islã (NOI), e passou a fazer parte da organização. O mais notável de seus seguidores talvez tenha sido o boxeador Cassius Clay, mais conhecido como Muhammad Ali. Nesse período adotou o nome Malcom X pois, segundo um dos preceitos da NOI, os sobrenomes adotados pela população negra americana eram resquícios da escravidão (para maiores detalhes sobre a fundação, história e ideologia da NOI, ver Růžičková, 2015, p. 21-30). As ideias pregadas por Elijah Muhammad alimentaram em Malcolm o ódio contra os brancos e embasaram sua disposição em responder com violência às agressões sofridas pelo afro-americanos. “A mensagem advogada pela Nação do Islã era de que não haveria possibilidade de emancipação política para a população afro-americana num sistema político dominado por ‘demônios brancos’” (MACEDO, 2011, p. 147).

Nesse momento a visão de Malcom era extremamente radical e passou a adotar o discurso de ódio aos brancos da Nação do Islã. Para Malcom, a história havia sido “embranquecida” pelo demônio do homem branco, que escravizou todas as raças da Terra e não só os negros. “O Homem Original era preto, no continente chamado África, onde a raça humana surgira no Planeta Terra. O homem preto, o original, construíra grandes impérios, civilizações e culturas, enquanto o homem branco ainda estava vivendo de quatro em cavernas” (apud RODRIGUES, 2010, p. 74). Mas ao longo da história o “demônio do homem branco”, movido por sua natureza demoníaca, violentou, saqueou, assassinou e explorou todas as raças que não fossem brancas. Ao chegar na África o demônio branco se impôs sobre o homem negro e na América o homem branco promoveu uma verdadeira lavagem cerebral no homem negro, impondo sua religião cristã o negro e ensinando que o negro era selvagem, de uma raça inferior e que até “se balançavam nas árvores como macacos”. E o negro aceitou essa alegação e até cultuou esse Deus branco, de olhos azuis. “Essa religião cristã do homem branco iludiu e fez uma lavagem cerebral ainda maior do ‘negro’, levando-o sempre a virar a outra face, sorrir, a rastejar, se humilhar, cantar e rezar, aceitar tudo o que lhe era dado como lambugem pelo demônio homem branco” (apud RODRIGUES, 2010, p. 74).

Malcom X se tornou ministro da Nação do Islã e seu segundo mais importante lider, atrás apenas de Elijah Muhammad. A pauta de luta da NOI era extremanente radical e se opunha ao movimento pelos direitos civis dos negros liderado por militantes pacifistas moderados, como o pastor batista Martin Luther King. King era adepto da não violência, ao passo que Malcom X recusava a igualdade racial e a integração à sociedade branca, defendendo o separatismo dos negros e afirmando que a violência era um recurso aceitável para a autoproteção. Sua ação política radical incluía a condenação da miscigenação racial, a separação total entre brancos e negros, a luta por um estado preto, separado de um habitado por pessoas brancas, a desobediência civil e a luta e a desobediência civil para alcançar seus objetivos.

Na década de 1955, uma série de manifestações populares ficariam conhecidas como “Movimento pelos Direitos Civis”, que teve origem no episódio ocorrido  em Montgomery, no Alabama, onde Rosa Parks, uma mulher negra se negou a ceder seu lugar para um branco dentro de um ônibus. Nesse contexto Malcolm X adotou um discurso violento e dizia que o negro precisava reagir diante do branco opressor.

As tensões raciais cresceram e os confrontos com a polícia viraram rotina. Na noite de 27 de abril de 1962, um grupo de policiais matou um membro da Nação do Islã, Ronald Strokes, deixou outro paralítico e cinco feridos ao invadir um templo em Los Angeles. Revoltado, Malcolm X convocou a comunidade negra para protestar nas ruas. Milhares atenderam, cerca de 80 foram presos e 14 feridos, entre eles dois policiais.

Em 1963, no auge de sua popularidade, Malcolm X decepcionou-se com a organização religiosa após descobrir que seu mentor, o venerável Elijah Muhammad, matinha relações sexuais com até seis mulheres que participavam da NOI, tendo filhos com algumas delas e um ano depois rompeu definitivamente com a NOI, o que fez aumentar o seu número de inimigos, já que muitos islâmicos negros o rotularam como traidor. O rompimento total de Malcom X com a NOI  “aconteceria no início de 1964, após meses enfrentando um silenciamento imposto por Muhammad devido a comentários realizados pelo ministro sobre o assassinato do presidente John F. Kennedy em 1963” (MACEDO, 2011, p. 147). O ano de 1964 marcou não apenas os últimos momentos de Malcom X como membro da Nação do Islã, como também o seu radicalismo religioso, que iria sofrer uma reviravolta após sua ida à cidade sagrada de Meca, na Arábia Saudita.

Malcolm, que havia mudado completamente após a saída da prisão e à conversão ao islamismo negro, passaria por uma nova, breve e última transformação em vida. A saída da Nação do Islã provocou em Malcolm o abandono do discurso radical e à aproximação de um diálogo com os brancos, fase que chamamos nesta dissertação de “consciência moderada” (RODRIGUES, 2010, p. 98).

Peregrinação à Meca 

Suas ideias se tornaram mais brandas após uma viagem que fez a Meca, em 1964, e marcou uma virada ideológica quando do seu retorno aos Estados Unidos, admitindo a possibilidade de convivência com a sociedade branca. “Durante sua visita a cidade sagrada o líder é surpreendido por vários exemplos cotidianos onde, de acordo com ele, diferenças raciais e de classe entre os indivíduos eram desconsideradas perante a fé religiosa” (MACEDO, 2011, p. 148).

Após sua peregrinação mudou seu nome para El-Hajj Malik El-Shabazz e sua visão de mundo se tornou muito mais tolerante religiosamente ao conhecer outras formas de professar sua fé em Alá. Essa mudança teve início um pouco antes de sua peregrinação. Quando Malcom X desembarcou na cidade do Cairo, no Egito por exemplo, ele relata: “Deparei com incontáveis pessoas, obviamente muçulmanos vindo dos mais diferentes lugares e iniciando a peregrinação a Meca. Subitamente, compreendi que não existia ali qualquer problema de cor” (apud RODRIGUES, 2010, p. 103). No Egito Malcom X encontrou uma humildade e uma fraternidade islâmica que ele jamais vira nos E. U. A. Além de encontrar não negros no mundo mulçumano que eram tão genuinamente fraternais com um negro como ele, como o Dr. Omar Azzam, que o fez refletir sobre sua própria posição diante dos brancos:

Eu era um ‘racista’. Era um ‘antibranco’... e ele, por toda aparência, era um branco... Foi naquela manhã que comecei a reavaliar o ‘homem branco’. Foi quando comecei a compreender que ‘homem branco’, na acepção comum do termo, significa a cor da pele apenas secundariamente; primariamente, descrevia atitudes e atos. Na América, ‘homem branco’ significa atitudes e atos específicos em relação ao homem preto, em relação a todos os homens não-brancos. Mas no mundo muçulmano eu conhecera homens de pele branca que eram mais genuinamente fraternais que quaisquer outros que encontrara anteriormente. Aquela manhã assinalou o início de uma mudança radical em toda a minha perspectiva sobre os homens ‘brancos’ (apud RODRIGUES, 2001, p. 104).


Em sua peregrinação Malcom X passou por uma profunda transformação. Na África, percebeu que o problema não era o homem branco, mas o imperialismo, o sistema político e econômico que permitia que negros pobres fossem explorados por negros ricos. Ele que era acostumado a chamar todos os homens brancos de demônios, agora estava revendo radicalmente seus conceitos, assumindo um discurso mais moderado em relação ao homem branco. Durante os 11 dias que passou no mundo mulçumano, comeu no mesmo prato,  bebeu no mesmo copo, dormiu na mesma cama “sempre rezando ao mesmo Deus, com irmãos muçulmanos cujos olhos são do azul mais azul, os cabelos do louro mais louro, a pele do branco mais branco” (apud RODRIGUES, 2010, p. 105).

Sua peregrinação a Meca revela o que ele jamais imaginara nos E.U.A.: homens e mulheres, de todas as raças e cores, circulavam e oravam em torno da Kaaba, no meio da Grande Mesquita: “a partir dali Malcolm tinha certeza de que o islamismo em que acreditava nos EUA estava totalmente equivocado, juntamente com todas as práticas da Nação do Islã, a qual subordinou-se por doze anos” (RODRIGUES, 2010, p. 105).

O impacto espiritual, emocional e ideológico da peregrinação islâmica em Malcolm foi melhor descrito em suas próprias palavras em uma carta que enviou para ser distribuída entre seus seguidores em Nova York: “Nunca testemunhei uma hospitalidade tão sincera e um espírito avassalador de verdadeira fraternidade como é praticado por pessoas de todas as cores e raças aqui nesta antiga Terra Santa,… Havia dezenas de milhares de peregrinos de todo o mundo. Eles eram de todas as cores, de loiros de olhos azuis a africanos de pele negra. Mas todos nós estávamos participando do mesmo ritual, exibindo um espírito de unidade e fraternidade que minhas experiências na América me levaram a acreditar que nunca poderia existir entre o branco e o não-branco. A América precisa entender o Islã, porque essa é a única religião que apaga da sociedade o problema racial. … Eu nunca tinha visto a irmandade sincera e verdadeira praticada por todas as cores juntas, independentemente da sua cor” (apud RŮŽIČKOVÁ, 2015, p. 53-54 - tradução nossa).


Após a peregrinação a Meca, Malcom viajou por alguns países da África, como a Nigéria, Gana, Etiópia, Quênia, Tanzânia. Dentre estas viagens a mais importante talvez foi a que Malcom realizou para participar da  segunda Cúpula da OUA (Organização da Unidade Africana). Nessa cúpula onde estavam reunidos os chefes de Estado africanos, Malcom conseguiu que fosse aprovada, com a ajuda do presidente da Tanzânia, Julius K. Nyerere, uma resolução que aborda a situação dos afro-americanos nos EUA. A aprovação dessa resolução “sobre a luta dos afro-americanos e do racismo nos EUA, na Cúpula da OUA do Cairo, em 21 de julho de 1964, foi um passo importante para conectar as lutas dos afro-americanos e dos africanos na África” (MBUGHUNI, 2014, p. 178 – tradução nossa). Embora a resolução aprovada seja considerada moderada pos alguns dos estudiosos pelo fato de que não foi emitida nenhuma declaração condenando os Estados Unidos, mas apenas realizando um pedido para que os E.U.A. “dediquem recursos para combater o racismo”, foi nessa Cúpula que, pela primeira vez, “trinta e quatro nações africanas independentes falaram em apoio aos afro-americanos como um grupo” (id., ibidem, p. 178 – tradução nossa). Em 1963 a OUA tinha aprovado uma resolução condenando a discriminação racial na África do Sul  e embora Malcom tivesse pressionado “os delegados africanos em 1964 [...] [que] deveriam também fazer o mesmo pelos EUA” (id., ibidem, p. 179 – tradução nossa), nesse ponto não obteve sucesso. Eis a resolução:

A Assembléia de Chefes de Estado e de Governo reunidos em sua Primeira Sessão Ordinária no Cairo, UAR, de 17 a 21 de julho de 1964, Relembrando a resolução 1904 (XVIII) da Assembléia Geral das Nações Unidas adotada em 20 de novembro de 1963: a Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial; Lembrando outras resoluções da Assembléia Geral e das Agências Especializadas das Nações Unidas, que pedem a eliminação de todas as formas de discriminação racial; Levando em conta a resolução adotada na Conferência dos Chefes de Estado e de Governo em Adis Abeba em maio de 1963, condenando a discriminação racial em todas as suas formas na África e em todas as partes do mundo; Considerando que cem anos se passaram desde que a Proclamação da Emancipação foi assinada nos Estados Unidos da América; Notando com satisfação a recente promulgação da Lei dos Direitos Civis, destinada a garantir aos negros americanos seus direitos humanos básicos; Profundamente perturbado, no entanto, por contínuas manifestações de fanatismo racial e opressão racial contra os cidadãos negros dos Estados Unidos da América:

1 REAFIRMA a sua convicção de que a existência de práticas discriminatórias é uma questão de profunda preocupação para os Estados Membros da Organização da Unidade Africana;

2 EXORTA as autoridades governamentais dos Estados Unidos da América a intensificar seus esforços para assegurar a eliminação total de todas as formas de discriminação baseadas em raça, cor ou origem étnica (apud MBUGHUNI, 2014, p. 184 – tradução nossa).


Após várias homenagens em solo africano Malcom retornou aos Estados Unidos onde fundou a Organização da Unidade Afro-Americana, Organization of Afro-American Unity (OAAU). Inspirada na Organização da Unidade Africana, a OAAU pretendeu unir os afro-americanos e compreendia que o problema enfrentado pelos afro-americanos era muito mais complexo do que apenas a cor e a opção religiosa e tinha relação com o desenvolvimento do capitalismo.

Malcolm anunciou a criação da Organização da Unidade Afro-Americana (OAAU) em 28 de junho de 1964 [...] Na coletiva de imprensa que anunciou a nova organização, Malcolm afirmou que seu objetivo era unir os afro-americanos para lutar pelos “direitos humanos” e “internacionalizar” o movimento dos direitos civis americanos levando seu caso para a ONU (MBUGHUNI, 2014, p. 181 – tradução nossa).


Malcom fundou também sua própria associação religiosa, a Muslim Mosque ou Mesquita Mulçumana Inc.: “que ainda era para ‘ensinar a mensagem de Maomé: separação, auto-aperfeiçoamento moral, auto-suficiência econômica - e, finalmente, um êxodo de volta ... para nossa própria pátria africana’” (RŮŽIČKOVÁ, 2015, p. 50 - tradução nossa). Posteriormente, ao invés de separação, Malcom falaria de independência e Růžičková (2015, p. 51 - tradução nossa) destaca ainda que a principal diferença entre a Mesquita Mulçumana e a NOI era a sua posição sobre a violência. Malcom não apenas condenou a violência da Guerra do Vietnã, como o faria Martin Luther King, como, ao invés “de ser rotulado como pró-violência, Malcolm desejou que ele, seus partidários e todos os americanos negros fossem retratados como vítimas da violência” (id., ibidem, p. 51 - tradução nossa).

O Malcolm de 1964, o último ano de sua vida, é um líder negro afinado com as lutas revolucionárias no continente africano, defensor da perspectiva de que a luta dos negros nos EUA não era uma questão de direitos civis, mas sim direitos humanos e, por conta disso, deveria ser debatida pelas Nações Unidas, órgão internacional que seria capaz de exercer pressão sobre o governo norte-americano. Sua passagem pelo continente africano, numa longa viagem realizada no segundo semestre de 1964, e seu contato com lideranças negras revolucionárias o aproximou de uma perspectiva pan-africanista que o diferenciava das outras lideranças negras norte-americanas da época (MACEDO, 2011, p. 148).


Esse novo Malcom X, ou melhor, El-Hajj Malik El-Shabazz, profundamente transformado pela sua peregrinação, teve pouco tempo para mostrar aos negros e brancos dos Estados Unidos sua nova personalidade. Em 14 de fevereiro de 1965, a casa em que ele, sua esposa Betty Shabazz, com quem casara-se em 1958, e suas quatro filhas foi alvejada por bombas. Uma semana depois, em 21 de fevereiro, Malcolm-X acabou assassinado por integrantes do próprio movimento negro, pouco antes de iniciar seu discurso, na sede da OAAU, alvejado por 15 tiros à queima-roupa, na frente da esposa grávida e das filhas. Ele morreu com apenas 39 anos, assassinado por 3 membros da NOI, depois de passar por inúmeras transformações: uma criança negra em meio as tragédias da vida, a adoção, a vida no crime, prisão, conversão ao islamismo e ativista internacional dos direitos civis e humanos: “cada transformação parece transcender a primeira. Cada transformação traz consigo novas lições, e o emergente Malcolm X poderia ser comparado a uma borboleta escapando de um casulo” (GILLESPIE, 2012, p. 1). Em 1965 calaram a voz de Malcom X, El-Shabbaz, mas não apagaram o seu legado: “Shabazz estava trabalhando em um novo legado para si mesmo. Ele acreditava que a crença islâmica em Um só Deus poderia ajudar os americanos brancos a perceber a unidade dos homens e livrar seu país de todos os problemas raciais” (RŮŽIČKOVÁ, 2015, p. 55 - tradução nossa).

Referências Bibliográficas

ALVES, Valdir. De bandido a herói: a subjetividade na construção da pessoa em Malcolm X. III Ebecult - Encontro Baiano de Estudos em Cultura, 18 a 20 de abril de 2012, UFRB.

GILLESPIE, Alex. Autobiography and identity: Malcolm X as author and hero. LSE Research Online, p. 1-23, mar., 2012. Acesso em 16/09/2018.

MACEDO, Márcio. Malcolm X: Uma Vida de Reinvenções (RESENHA). Sankofa, Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, Ano IV, Nº 8, p. 143-150, dez. 2011. Acesso em 13/09/2018

MARABLE, Manning. Malcolm X: um vida de reinvenções. Tradução Berilo Vargas. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

MBUGHUNI, Azaria. Malcolm X, the OAU Resolution of 1964, and Tanzania: Pan-African Connections in the Struggle Against Racial Discrimination. The Journal of Pan African Studies, vol.7, no.3, p. 177-194, sept., 2014. Acesso em 16/09/2018.

RODRIGUES, Vladimir M. Malcom X: entre o texto escrito e o visual. Dissertação (Mestrado em História, Cultura e Literatura). Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Campus de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, 2010.

RŮŽIČKOVÁ, Markéta. Malcom X: Spiritualism and Politics Before and After the Hajj. Tese (Doutorado em English Language and Literature). Pedagogická fakulta, Masaryk University, Brno 2015.

Livros sobre Malcom X e Sugestão de Filme

ASSENSOH, A.; ALEX-ASSENSOH, Yvette. Malcolm X: A Biography. California: Greenwood, 2013.

CLARKE, John Henrik (ed.). Malcolm X: The Man and His Times. New Jersey: Africa World Press, Inc., 1990.

GOLDMAN, Peter. A Morte e Vida de Malcolm X. 2. ed. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1979.

HALEY, Alex. Autobiografia de Malcolm X. São Paulo: Record, 1992. (autobiografia, escrita em conjunto com o escritor Alex Haley e publicada logo após sua morte)

MARABLE, Manning. Malcolm X: A Life of Reinventions. New York: Vinking/Penguim, 2011, 594 p. (Manning Marable: historiador, cientista político e professor da Columbia University.

PERRY, Bruce. Malcolm: The Life of a Man Who Changed Black America. New York: Station Hill, 1991.


Filme: Malcom X (1992)

O líder afro-americano Malcolm X (Denzel Washington) tem o pai assassinado pela Klu Klux Klan e sua mãe internada por insanidade. Preso aos 20 anos de idade, Malcolm se converte ao islamismo e passa a pregar seus ideais. O filme dramatiza eventos importantes da vida de Malcolm, desde sua presença no mundo do crime no Harlem, seu encarceramento, sua conversão ao Islã, seu casamento com Betty Shabazz (Angela Bassett), seu ministério como membro da Nação do Islã, sua peregrinação à cidade sagrada de Mecca até o seu assassinato em 21 de Fevereiro de 1965. Malcolm faz sua conversão religiosa ao islamismo como um discípulo messiânico de Elijah Mohammed (Al Freeman Jr.) e se torna um fervoroso orador do movimento.

Uma análise da representação de Malcom X através da produção cinematográfica de Spike Lee, foi realizada por Vladimir M. Rodrigues, na sua Dissertação de Mestrado: Malcom X: entre o texto escrito e o visual (2010, p. 119-169).

“O diretor Spike Lee traça a evolução dramática do líder negro, de criança empobrecida, ladrão e traficante a condenar o porta-voz da Nação do Islã a desprezar "diabos brancos de olhos azuis". "e, finalmente, após uma peregrinação a Meca, ao poderoso humanista que usou seu dom retórico para repudiar a exclusividade racial antes de ser morto aos 39 anos. O filme é estrelado por Denzel Washington como Malcolm X, Angela Bassett como sua esposa, Betty Shabazz e Al Freeman Jr. como Elijah Muhammad, líder da Nação do Islã”. RULE, Sheila. Malcolm X: The Facts, the Fictions, the Film. The New York Times, nov., 1992.