UM NOVO PARADIGMA: HOLISMO E SAÚDE

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

publicado em set. 2015


Segundo Patrick Pietroni (1988) a palavra holismo, que etimologicamente vem do grego holos e significa “todo”, foi utilizada pela primeira vez em 1928 no livro Holism and Evolution escrito por Smuts, onde o autor discute conceitos filosóficos que consideram os sistemas como um todo, e não as suas partes, passando a integrar um novo paradigma como modelo de conhecimento. A palavra paradigma é de origem grega, parádeigma, e significa literalmente modelo. Um paradigma é uma teoria-modelo que, em conjunto com um certo número de conhecimentos, serve de referência inicial para estudos científicos.

Sobre o debate em torno da noção de paradigma, é clássica a obra de Thomas Kuhn: A Estrutura das Revoluções Científicas (1987), que engloba um conjunto de crenças, valores, técnicas e procedimentos que são compartilhados, neste caso específico, por uma comunidade científica. De tempos em tempos acontece rupturas, e um novo paradigma surge para substituir um paradigma vigente, como é o caso do novo paradigma holístico.

O novo paradigma holístico tem sido utilizado frequentemente em oposição ao termo biomedicina que designa a medicina moderna e contemporânea, cujos fundamentos “[...] alicerçam-se na mecânica clássica; assim, os médicos supõem poder isolar as partes do todo para compreendê-las e, adiante, reintegrá-las ao seu mecanismo original - a leitura do todo é o resultado da leitura das partes isoladas” (SOARES, 2008, p. 151), trabalhando principalmente com dados físicos e quantificáveis, sem necessariamente levar em consideração a subjetividade na análise do binômio saúde-doença, já que a subjetividade não pode ser mensurada, objetivada ou analisada (GUEDES; NOGUEIRA; CAMARGO JÚNIOR, p. 1095).

Ao passar dos anos é possível observar uma crise do paradigma biomédico, a partir, por exemplo, da crítica ao modelo reducionista que fundamenta tal paradigma (CAMARGO JÚNIOR, 2005; FOUCAULT, 1977; QUEIROZ, 1986). Ao não levar em conta na determinação do seu objeto de conhecimento a subjetividade, e até mesmo a influência do contexto sócio cultural, este paradigma supõe que a saúde e a doença possam ser explicadas exclusivamente a partir da análise das interações mecânicas e biológicas existentes no organismo humano. Nesse sentido podemos dizer que a biomedicina ignora fatos que vão além do plano biológico e que podem, de alguma forma, ter influência direta no binômio saúde-doença.

A grande diferença entre o velho e o novo paradigma é que ao contrário da biomedicina, o holismo interpreta o binômio saúde-doença levando e consideração tantos os aspectos físicos quanto psíquicos, por considerá-los indissociáveis na busca do reestabelecimento do equilíbrio do organismo, enxergando o ser humano de forma integral.

Aplicado à saúde, o holismo surge como uma proposta que se opõe ao modelo vigente nas ciências da saúde de tipo mecanicista, reducionista, dualista e até mesmo positivista (CREMA, 1989; FONTES, 1999; LUZ, 1997). Para intervenções na área da saúde, é fundamental não reduzir o ser humano a um composto bio-físico. É necessário considerá-lo em sua integralidade. Uma perspectiva que deve influenciar diretamente na análise e discussão de políticas públicas de saúde que possa ter resultados mais efetivos do ponto de vista da promoção da saúde como uma política de Estado. Dentro desta perspectiva, o conceito de saúde e, por conseguinte, os conceitos de doença e patologia refletem uma teia de relações entre múltiplos aspectos do complexo fenômeno da vida e pelo contexto cultural em que elas ocorrem, já que este contexto influencia diretamente o modo como as pessoas se comportam quando adoecem e também no sentido de que a condição de saúde ou doença de uma pessoa depende tanto do meio ambiente natural quanto social. A saúde é, portanto, um fenômeno multidimensional e envolve aspectos físicos, psíquicos, sociais e ambientais, todos interdependentes, e não pode ser reduzida a um único aspecto.

Nos últimos trezentos anos, em nossa cultura, adotou-se a concepção do corpo humano como uma máquina, a ser analisado em termos de suas partes. A mente e o corpo estão separados, a doença é vista como um mau funcionamento de mecanismos biológicos, e a saúde é definida como a ausência de doença. Essa concepção agora está sendo lentamente eclipsada por uma concepção holística e ecológica do mundo, que não considera o universo uma máquina, mas um sistema vivo; essa nova concepção enfatiza a inter-relação e interdependência essenciais de todos os fenômenos e procura entender a natureza não só em termos de estruturas fundamentais, mas também em função de processos dinâmicos subjacentes. Diríamos que a concepção sistêmica dos organismos vivos pode fornecer a base ideal para uma nova abordagem da saúde e da assistência à saúde, que é inteiramente compatível com o novo paradigma, e mergulha suas raízes em nossa herança cultural (CAPRA, 1982, p. 300).


Fátima Tavares (2012), a partir da análise de artigos de jornais alternativos, fez uma espécie de “inventariado” de algumas categorias chaves das chamadas terapias alternativas, incluindo aí a noção de Holismo. Para a pesquisadora, que expôs suas análises em sua tese de doutorado transformada posteriormente em livro, a concepção de Holismo aplicada à prática terapêutica apresenta uma variedade de possibilidades explicativas que ela agrupou em quatro “categorias”: consciência holística; doutrina holística; síntese holística; cura holística.

Assim, observamos no emprego dos termos consciência holística e doutrina holística uma significação genérica e difusa do tipo de tratamento desenvolvido, por oposição a outras terapêuticas [...] Já no caso da utilização dos termos síntese holística e cura holística (este último abundantemente utilizado), o caráter difuso da categoria “holismo” desaparece e um significado mais preciso ganha operacionalidade na elaboração das noções de saúde e doença, bem como nos mecanismos de obtenção da cura, impregnando de sentido uma determinada concepção da prática terapêutica (2012, p. 36).


Expressa na ideia de cura holística está a percepção do ser humano como uma totalidade em si mesma, cujo desdobramento é observado pela pesquisadora na ideia d consciência holística, ou seja, de um ser humano harmonicamente integrado ao cosmos. A doença é uma espécie, portanto, de “aviso”, de que essa integração harmônica foi rompida por algum motivo. “Nessa concepção, o paciente é, ao mesmo tempo, o agente responsável e transformador desse processo, tanto da instauração da doença como de sua recuperação” (id., ibidem, p. 36).

Em sua obra Fátima Tavares apresenta um interessante quadro que resume o “inventário” realizado pela autora realizado não apenas em função do termo “holístico”, mas de três outras categorias como: energia, vibração e terapêutica (para mais detalhes consulte a obra da autora).

(adaptado de TAVARES, 2012, p. 47)

Citando alguns autores como Brian Swimme e Stanley Krippner, Elizabeth Teixeira (1996) cita algumas características do novo paradigma o qual destacamos: tudo interage no universo (que é uma realidade auto-organizante e inteligente), se envolve e se superpõe em um dinamismo de energia; a consciência humana consiste de apenas uma parte da atividade total do espírito que possui um potencial de criatividade e intuição bem mais amplo do que o que se conhece.

Para Leloup (1998), a dissociação entre corpo, mente e espírito, resultado de uma visão mecanicista, reducionista e dualista (que separava o mundo em duas substâncias: corpo e alma) em nada contribui para uma visão holística e integral do ser humano. Uma fragmentação que se reflete não apenas no indivíduo, mas também na sociedade, ao separar o organismo do meio ambiente. No extremo oposto desta dissociação, Fritjof Capra (1982) considera que a integração entre terapias físicas e psicológicas deve significar uma importante revolução na assistência à saúde, a partir do reconhecimento e interdependência entre mente e corpo no estado de saúde ou doença. Essa nova concepção que relaciona os aspectos biológicos e psicológicos da saúde tem servido de base para a formulação do que Lipowski (1977) chama de uma medicina psicossomática e reconhece a interdependência fundamental entre o corpo e a mente em todos os níveis de saúde e doença, ou seja, todos os distúrbios são, em última análise, psicossomáticos: não existe um distúrbio puramente psicológico que não se reflita no corpo, assim como nenhuma doença é puramente orgânica, sem nenhum reflexo ou componente psicológico. Toda doença envolve uma interação contínua do corpo com a mente. Embora, naturalmente, existam variações ao infinito, no sentido de que uma doença apresente um caráter predominantemente orgânico ou psíquico, ambos estão inter-relacionados.

Essa fragmentação na realidade foi estendida para todas as ciências, ocasionando uma série de problemas que vão desde a separação entre o sujeito e o objeto da pesquisa, até a compartimentação estanque e separada das diferentes ciências, como saberes distintos e sem conexão entre si. Assim temos as várias divisões da ciência como saberes especializados e separados entre si: física, biologia, psicologia, sociologia etc., produzindo uma verdadeira Torre de Babel entre os saberes científicos especializados.

Para Fritjof Capra a abordagem holística não é algo novo e está presente em muitas concepções tradicionais do xamanismo[1] e até mesmo em culturas sem escrita, tanto quanto é compatível com as modernas teorias científicas.

O moderno pensamento científico — em física, biologia e psicologia — está conduzindo a uma visão da realidade que se aproxima muito da visão dos místicos e de numerosas culturas tradicionais, em que o conhecimento da mente e do corpo humano e a prática de métodos de cura são partes integrantes da filosofia natural e da disciplina espiritual (CAPRA, 1982, p. 284).


O debate em torno do paradigma holístico tem acontecido em nível nacional e internacional.

Em 1987, em Brasília, de 26 a 29 de março, ocorreu o I Congresso Holístico Internacional e I Congresso Holístico Brasileiro. Deste evento emerge a Carta de Brasília, que reafirma a relação entre o homem e o universo, entre a parte e o todo [...] Surgem no Brasil a Fundação Cidade da Paz e a Universidade Holística Internacional de Brasília, para atuarem na construção de pontes entre as diversas ciências e as diversas experiências (TEIXEIRA, 1996, p. 290).


Mas antes da fundação da Universidade Holística Internacional de Brasília, Paris foi palco da fundação de uma Universidade Holística em 1980, sendo um marco decisivo para o avança do debate em torno deste novo paradigma e que com certeza, ainda há muito para ser discutido e debatido em torno deste novo paradigma e todas as consequências que podem acarretar desta nova visão de mundo.

Referências Bibliográficas

CAMARGO JUNIOR, Kenneth Rochel de. A biomedicina. Physis – Revista de Saúde Coletiva, v. 15, p. 177-201, 2005. Suplemento. Acessado em 02/01/2015

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1982.

CREMA, Roberto. Introdução a visão holística: breve relato da viagem do velho ao novo paradigma. São Paulo: Summus, 1989.

ELIADE, Mircea. Shamanism. Princeton University Press: Princeton, 1964.

FONTES, O. L. Educação biomédica em transição conceitual. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1999.

FOUCAULT, Michael. O nascimento da Clínica. Tradução por Roberto Machado. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1977.

GUEDES, Carla Ribeiro, NOGUEIRA, Maria Inês e CAMARGO JR., Kenneth R. de. A subjetividade como anomalia: contribuições epistemológicas para a crítica do modelo biomédico. Ciência & saúde coletiva, v. 11, n. 4, p. 1093-1103, out./dez. 2006. Acessado em 06/12/2015

KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.

LELOUP, J-Y. O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial. Petrópolis: Vozes, 1998.

LIPOWSKI, Z. J. Psychosomaticmedicine in the seventies: na overview. The American Journal of Psychiatry, março, 1977.

LUZ, Madel Terezinha. Cultura contemporânea e medicinas alternativas: novos paradigmas em saúde no fim do século XX. Physis – Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 07, n. 01, p. 13-43, 1997. Suplemento. Acessado em 06/12/2015

PIETRONI, Patrick. Viver holístico. São Paulo: Summus, 1988.

QUEIROZ, Marcos de Souza. O paradigma mecanicista da medicina ocidental moderna: Uma perspectiva antropológica. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 20, n. 4, 1986. Acessado em 02/01/2015

SOARES, Rogers Teixeira. As Associações Médico-Espíritas e as Controvérsias entre a “Medicina Espírita” e a “Medicina Convencional” na Atualidade. Sacrilegens, Juiz de Fora,v.5, n.1, p.144-163, 2008. Acessado em 06/12/2015

TAVARES, Fátima. Alquimistas da Cura: a rede terapêutica alternativa em contextos urbanos. Salvador: Edufba, 2012. Versão digital disponível no site da UFBA. Acessado em 18/11/2015.

TEIXEIRA, E. Reflexões sobre o paradigma holístico e holismo e Saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v.30, n.2, p. 286-90, ago. 1996.

nota

[1] Sobre as tradições do xamanismo ver, por exemplo, Mircea Eliade (1964). Em certos casos o Xamã, além de líder religioso, é também o médico da comunidade. É ele quem entra em contato com o mundo dos espíritos para o benefício dos membros de sua comunidade. Como líder religioso o Xamã faz predições, adivinhações e dá conselhos. Como médico faz diagnóstico de doenças e realiza curas. “A característica predominante da concepção xamanística de doença é a crença de que os seres humanos são partes integrantes de um sistema ordenado em que toda doença é consequência de alguma desarmonia em relação à ordem cósmica. Com grande frequência, a doença também é interpretada como castigo por algum comportamento imoral. Assim, as terapias xamanísticas destacam a recuperação da harmonia, ou do equilíbrio, dentro da natureza, nas relações humanas e nas relações com o mundo dos espíritos (CAPRA, 1982, p. 286)”.