EFEITOS FISIOLÓGICOS DA MEDITAÇÃO
EFEITOS FISIOLÓGICOS DA MEDITAÇÃO
por Alexsandro M. Medeiros
lattes.cnpq.br/6947356140810110
publicado em ago. 2024
Um dos trabalhos pioneiros sobre eletroencefalografia (EEG) com praticantes da meditação zen-budista ocorreu em 1954, realizado
pelos japoneses Okuma et.al. (1957) [...] tendo sido observado um padrão eletroencefalográfico de ondas alfa. Na década de sessenta, Anand, Chhina e Baldev (1961), pioneiros da neurofisiologia indiana, relatam as suas descobertas numa interessante pesquisa com quatro yogues monitorados pelo EEG. Os cientistas citados acima possibilitaram que as práticas meditativas fossem bem aceitas e aplicadas em hospitais do mundo inteiro como metodologias integrativas e complementares dos tratamentos convencionais (KOZASA, 2002) (Simôes, 2011, p. 89).
Todavia, atribui-se ao doutor Herbert Benson, professor e cardiologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard nos E.U.A., o fato de ser um dos primeiros a estudar a meditação de forma científica no início da década de 1970 (Santos, 2010). O primeiro livro publicado em 1975 pelo doutor Benson a respeito, The Relaxation Response (2000), aborda os benefícios da meditação no tratamento e recuperação de seus pacientes.
a partir de sua pesquisa a respeito da MT [meditação transcendental], Benson e Wallace perceberam que os meditadores conseguiam manter estáveis o batimento cardíaco, o metabolismo corporal e a respiração. Benson denominou Relaxation Response (Resposta ao Relaxamento) ao conjunto resultante destas respostas fisiológicas em decorrência da prática (BENSON; WALLACE, 2000, p. 16) e foi o nome que deu origem ao livro lançado em 1975 (Assis, 2013, p. 74).
O livro do cardiologista e professor da Universidade de Harvard “[...] sistematiza os resultados de quase uma década de suas pesquisas iniciadas na década de 1960 sobre a possibilidade de práticas meditativas controlarem processos químicos-fisiológicos do corpo” (Toniol, 2015, p. 119)1. A pesquisa testou a meditação como recurso terapêutico, produzindo efeitos positivos para a manutenção da saúde e até mesmo para a diminuição da utilização de medicamentos.
Dez anos após a publicação de The Relaxation Response Benson publicou Beyond The Relaxation Response onde cunhou o termo “fator fé”, a partir da ideia de que a prática meditativa, combinada com crenças pessoais, tem seus benefícios de forma potencializada, sendo um pioneiro em estabelecer uma relação entre fé religiosa, a prática da meditação e a observação científica.
Benson percebeu, não apenas em suas pesquisas, mas também em outras de cunho similar que a influência do fator fé (Faith Factor) podia efetivamente: reduzir as dores causadas por angina e até mesmo eliminar a necessidade de intervenção cirúrgica (80% dos casos), reduzir a pressão arterial e controlar os problemas causados por hipertensão, aumentar a criatividade, principalmente nos casos de “bloqueio mental”, eliminar quadros de insônia e prevenir ataques de hiperventilação (Assis, 2013, p. 74-75).
Uma outra figura de destaque no campo da pesquisa dos efeitos da meditação na área da saúde, especificamente a partir da meditação budista, é o neurocientista americano Richard Davison, da Universidade de Wisconsin-Madison.
Em 2006, munido com imagens de cérebros de monges tibetanos, Richard Davidson comprovou que a meditação budista altera a estrutura e a densidade do cérebro, além de mudar o padrão das ondas cerebrais. Com número ínfimo de participantes para a dimensão subjetiva do problema, a pesquisa de Davidson conseguiu convencer a comunidade científica de que a meditação faz bem. As imagens de ressonância magnética indicaram o desenvolvimento da região do cérebro responsável pelas emoções “positivas” para aqueles que meditavam há mais tempo (Moraes, 2015, p. 1622).
Os trabalhos de Davison também são ressaltados por Simões (2011, p. 92-93)
Segundo Davison, um dos resultados mais marcantes das suas pesquisas ocorreu na chamada meditação da compaixão com um religioso, altamente versado e experiente. Nesta prática meditativa budista, o autor detectou uma elevação na atividade elétrica cerebral conhecida como gama [ondas cerebrais de grande amplitude, acima de 27Hz] no giro mediano frontal esquerdo [...] Segundo o mesmo autor, que já havia investigado centenas de pessoas leigas nessa mesma área cerebral, os níveis altos de ondas gama na região estudada do córtex pré-frontal esquerdo correlacionam-se, positivamente, com maiores tendências à felicidade, ao entusiasmo, à alegria e aos sentimentos bons”.
Sampaio e Lemos também ressaltam os efeitos da meditação sobre o funcionamento cerebral. Para Sampaio (2010, p. 3), os efeitos da meditação podem ser percebidos no sistema nervoso e experimentos científicos "comprovam que esta prática tem efeitos neuroendócrinos e neuroquímicos que modificam a atividade cerebral e o metabolismo do indivíduo, provocando inclusive, alterações estruturais em áreas do cérebro que favorecem a melhoria das funções cognitivas e emocionais da pessoa". Lemos (2014) destaca inclusive a possibilidade de a meditação rejuvenescer e melhorar as funções cerebrais e acrescenta:
A prática de meditação modifica os circuitos neuronais e ativa o córtex pré-frontal. O córtex pré-frontal é uma área anatomicamente mais desenvolvida em humanos que em outras espécies. Presume-se que esta área seja responsável pela autoconsciência, capacidade de planejamento complexo, resolução de problemas e foco [...] As pesquisas mostram que a meditação modifica a atividade cerebral e os circuitos neuronais, bem como reduz os níveis de cortisol – hormônio ligado ao estresse –, favorecendo ao relaxamento e redução de dor (Lemos, 2014, p. 49-50).
Além do próprio estudo, Hölzel, et. al. (2011, p. 19 – tradução nossa) apresentam uma tabela com diferentes estudos morfométricos sobre meditação relevantes para a constatação dos efeitos que a prática da meditação tem na estrutura cerebral (ver a Tabela 1 abaixo).
Temos aqui, portanto, estudos entre praticantes de meditação de diferentes tipos que, comparados com o grupo de controle (aqueles que não praticam meditação para que seja possível ter uma parâmetro de análise), é possível observar mudanças na estrutura cerebral em regiões como: 1) Ínsula anterior direita e sulco frontal médio e superior direito; 2) Meditadores não mostraram declínio relacionado à idade no putâmen esquerdo em comparação com controles; 3) Lobo temporal inferior esquerdo, ínsula direita e hipocampo direito; 4) Medula oblongata, giro frontal superior e inferior esquerdo, lobo anterior do cerebelo e giro fusiforme esquerdo; 5) Córtex orbitofrontal direito, tálamo direito, lobo temporal inferior esquerdo, hipocampo direito; 6) Córtex cingulado anterior dorsal direito, córtex somatossensorial secundário.
Mudanças na estrutura cerebral em regiões como o hipocampo, hipotálamo e córtex pré-frontal são destacadas também por Dias (2023).
Quando estimuladas através da arte meditativa, essas áreas melhoram o desempenho de importantes funções do cérebro, tais como: memória, cognição, tomada de decisões, motivação, atenção, aprendizagem, solução de problemas, capacidade de abstração, regulação das emoções, atividade hormonal etc. (Dias, 2023, p. 15, grifo do autor).
1 no artigo de Rodrigo Toniol, p. 119-121, encontra-se uma síntese da experiência realizada por Herbert Benson e de como o cardiologista chegou a essa constatação.
TABELA 1 – Visão geral dos estudos morfométricos sobre meditação. Sendo: VBM: morfometria baseada em voxel (Gaser), SPM: Mapeamento Estatístico Paramétrico (Wellcome Department of Cognitive Neurology, Londres).
ASSIS, Denise de. Os benefícios da meditação: melhora na qualidade de vida, no controle do stress e no alcance de metas. INTERESPE, vol. 1, n. 3, p. 70-80, 2013. Acesso em: 25 ago 2024.
BENSON, H. The relaxation response. In: GOLEMAN, D.; GURIN, J. (Ed.). Mind/Body medicine. Yonkers: Consumer Reports Books, 1993, p. 233-257.
BENSON, Herbert; KLIPPER, Miriam Z. The Relaxation Response. New York: HarperCollins Publishers Inc, 2000.
BENSON, Herbert; PROCTOR, William. Beyond The Relaxation Response. New York: Berkeley Books, 1985.
HÖLZEL, B. K., [et al.]. Mindfulness practice leads to increases in regional brain gray matter density. Psychiatry Research, v. 191(1), p. 36–43, 2011. Acesso em: 25 ago 2024.
DIAS, R. P. F. Meditação [livro eletrônico]: Serenidade emocional para tempos difíceis. Boa Vista, RR: UERR Edições, 2023.
KOZASA, E. H. Efeitos de exercícios respiratórios e de um procedimento de meditação combinados (siddha samadhi yoga – SSY) em voluntários com queixas de ansiedade. Tese (Doutorado em Psicobiologia). Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, 2002.
KOZASA, Elisa H. [et. al.]. Mind-body interventions for the treatment of insomnia: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria, 32(4): 437-43, 2010. Acesso em: 25 ago 2024.
LEMOS, Kelly C. V. Meditação baseada em mindfulness e o método Feldenkrais® como terapias complementares no SUS: A Implementação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO) Sob a Perspectiva dos Usuários. Dissertação (Mestrado em Psicossociologia). Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.
MORAES, Maria Regina C. Na fronteira entre religião e ciência: a meditação na grande imprensa brasileira. Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR, vol. 14. Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015. Acesso em: 25 ago 2024.
SAMPAIO, Cynthia. Meditação, Saúde e Healing. In: ANAIS DO ENCONTRO PARAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS, XV, X. Curitiba: Centro Reichiano, 2010. Acesso em: 25 ago 2024.
SANTOS, Jair de Oliveira. Meditação: Fundamentos Científicos. Salvador: Faculdade Castro Alves, 2010.
SIMÕES, Roberto Serafim. Fisiologia da Religião: uma análise sobre vários estudos da prática religiosa do Yoga. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2011.
TONIOL, Rodrigo. Espiritualidade que faz bem. Pesquisas, políticas públicas e práticas clínicas pela promoção da espiritualidade como saúde. Sociedad y Religión, Buenos Aires, n.43, vol XXV, pp. 110-143, mayo 2015. Acesso em: 25 ago 2024.