NOTAS SOBRE A TEORIA TRADICIONAL E A RACIONALIDADE MODERNA

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em 2015


A obra de Horkheimer Teoria Tradicional e Teoria Crítica (1937) deve ser entendida em um contexto de crítica à racionalidade moderna da Teoria Tradicional. A razão sempre foi um tema central na História da Filosofia e a Filosofia Moderna Ocidental é marcada pelo rigor e sistematização do saber próprios das ciências empírico-formais e a raiz de tal concepção de razão encontra-se no cogito cartesiano. Desta forma, uma teoria, em sentido restrito e científico, corresponde a um encadeamento sistemático de proposições a partir de uma dedução lógica de proposições fazendo com que todas as partes estejam conectadas e livres de contradição.

Poincaré compara a ciência com uma biblioteca que deve crescer incessantemente. A física experimental desempenha o papel do bibliotecário que realiza as aquisições [...] A física matemática, teoria da ciência natural em sentido mais estrito, tem a tarefa de catalogar [...] O sistema universal da ciência aparece aí como a meta da teoria em geral. Não se restringe mais a uma área particular, mas abrange todos os objetos possíveis. Ao fundar as proposições referentes a ramos diversos nas mesmas pressuposições, elimina-se a separação das ciências. O mesmo aparato conceptual empregado na determinação da natureza inerte serve também para classificar a natureza viva (HORKHEIMER, 1975b, p. 125).


Acrescente-se a isso a ideia de que este mesmo modelo utilizado e bem sucedido nas ciências naturais deve ser também aplicado nas ciências do homem e da sociedade. E é com base nestes princípios que juristas e economistas como Merkel, Liefman e Radbruch, Weber (citados por Horkheimer, 1975b), desenvolveram aquilo que se pode chamar de “teoria da possibilidade objetiva”. Esta teoria deve construir um percurso ou uma explicação provável a partir de nexos de ordem econômica, social, psicológica, de acontecimentos e fatos históricos:

Opera-se com proposições condicionadas, aplicadas a uma situação dada. Pressupondo-se as circunstâncias a, b, e, d, deve-se esperar a ocorrência q; desaparecendo p, espera-se a ocorrência r, advindo g, então espera-se a ocorrência s, e assim por diante. Esse calcular pertence ao arcabouço lógico da história, assim como ao da ciência natural. É o modo de existência da teoria em sentido tradicional. (HORKHEIMER, 1975b, p. 129 – grifo nosso).


Horkheimer oferece como exemplo uma possível análise sobre fatos e fatores que podem desencadear uma guerra. Tais guerras (seja a primeira ou segunda guerra mundial) teriam acontecido ou não na ausência de determinados personagens históricos? Na ausência de Hitler, por exemplo? Tais guerras ocorreriam ou não na ausência de certas tomadas de decisões (a, b, e, d)? De acordo com esta lógica da teoria tradicional, uma guerra que seja desencadeada pela ação política de um estadista decidido não aconteceria no caso desta política não ser levada adiante, não se daria o efeito sem a causa, mas um outro fato determinado. A ideia de que todo efeito tem uma causa determinante implica sempre que, no caso de não existir a causa, um outro ou nenhum efeito determinado irá ocorrer.

A Teoria Tradicional tem sua razão de ser, quando aponta a necessidade de uma observação isenta, nos moldes das ciências naturais, para que possa produzir resultados vinculados o mais próximo possível do objeto estudado, sem a interferência do observador. Havendo a possibilidade de existir alguma influência do observador, é necessário estabelecer critérios corretivos. Mas a teoria tradicional expulsa da reflexão as condicionantes históricas. A sociedade é uma resultante de momentos históricos. Por isso a teoria tradicional é limitada e insuficiente para ser aplicada ao estudo da sociedade e explicar toda sua dinâmica.

A formulação de teorias em sentido tradicional constitui uma profissão na sociedade dada, delimitada por outras atividades científicas e demais, e não precisa se preocupar em saber nem das tendências nem das metas históricas com as quais essas teorias estão entrelaçadas. A teoria crítica, ao contrário, na formação de suas categorias e em todas as fases de seu desenvolvimento, segue conscientemente o interesse por uma organização racional da atividade humana: clarificar e legitimar esse interesse é a tarefa que ela confere a si própria (HORKHEIMER, 1975a, p. 164).


É preciso apontar os limites da Teoria Tradicional, com conhecimento e atitude crítica. No caso da realidade social, é preciso considerar que esta é o resultado da ação humana, que se dá no contexto de estruturas históricas determinadas. Não se pode ignorar ou expulsar, como o faz a Teoria Tradicional, as condicionantes históricas no estudo da realidade social, quando na verdade todo conhecimento é historicamente determinado, sob pena de não ser possível conhecer por inteiro ou em sua totalidade as reais conexões da realidade social. Como afirma Franklin Leopoldo e Silva (1997):

O que a teoria crítica tem de diferente da teoria tradicional, para além da questão do método, é a consideração do caráter histórico da própria razão. Jamais chegaríamos a notar que a razão iluminista traz em si o seu contrário se a abordássemos a partir de sua definição puramente lógica e a-histórica.


E Horkheimer chega inclusive a afirmar que, quando uma teoria possui uma fundamentação a-histórica, ele se transforma em uma categoria “coisificada”.

Referências Bibliográficas

HORKHEIMER, Max. Filosofia e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, Walter [et al.]. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975a. (Coleção Os Pensadores).

____. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. In: BENJAMIN, Walter [et al.]. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975b. (Coleção Os Pensadores).

LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Conhecimento e Razão Instrumental. Psicologia USP, São Paulo, vol. 8, n. 1, 1997. Acessado em 04/10/2015.