PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA (resenha)

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em set. 2016

atualizado em out. 2020

 


A ética de Pietro Ubaldi deve ser compreendida à luz de um sistema mais amplo de ideias que, conforme o próprio autor orienta, está contida em obras como: A Grande Síntese, Deus e Universo, O Sistema e Queda e Salvação. O pensamento de Ubaldi está contido em uma série de 24 volumes, das quais estas quatro oferecem um sistema científico-filosófico-ético-teológico completo e as demais obras, como Princípios de uma nova ética, explica os pormenores e amplia aspectos particulares. Por isso, alguns conceitos do pensamento ubaldiano devem ser levados em consideração para se compreende melhor o tema do qual aqui nos propomos destacar. Dentre estes conceitos, é necessário ter em mente que a ética ubaldiana é uma ética profundamente espiritualista e reencarnacionista, que toma como princípio fundante a existência de Deus, do espírito, e a ideia de que este mesmo espírito evolui através de vidas sucessivas cujo principal propósito é aperfeiçoar-se sempre mais e melhor, seja do ponto de vista gnosiológico, seja do ponto de vista moral. A teoria da reencarnação explica os aspectos da personalidade humana e do biótipo terrestre, abordados entre os capítulos IV e V, e serve de base para a teoria evolucionista segundo a qual a perfeição deve ser atingida pelo espírito e envolve aspectos filosóficos, científicos, religiosos e práticos, de uma moral que tem na moral do Evangelho do Cristo, sua expressão mais profunda e sublime.

Por isso o capítulo I é dedicado à existência de Deus e as consequências que a visão que se tem da divindade tem para a ética. Não se trata tanto de provar sua existência, pois a mesma já foi realizada nas obras anteriores que compõem as bases da filosofia ubaldiana. O materialismo ateu nega a existência de Deus mas essa negação representa apenas a negação daquilo que o homem, num dado momento histórico, pensa que seja a representação de Deus. Mas existe um Deus em Si mesmo, absoluto, acima de toda e qualquer representação e compreensão humana, que não pode ser negado. Neste capítulo Ubaldi analisa, portanto, a ideia de Deus concebida pelo homem no seu relativo, a imagem antropomórfica que é feita de Deus e, por isso mesmo, criticada e negada; e a ideia de Deus em si mesmo que nos foge completamente porque está além da nossa compreensão.

Assim, na economia da vida, o materialismo ateu não foi um meio para chegar à negação de Deus, mas só para destruir a velha ideia que Dele o homem fazia nas religiões, e com isso atingir outra nova, mais evoluída, completa, convincente. Tal processo se está ainda realizando. De fato, a nova ciência destruiu a concepção materialista da matéria, que desintegrou, desmaterializando-a em energia. Hoje está acontecendo isto: a ciência está constrangida pe­los fatos, que não pode negar, a abstrair-se cada vez mais da ma­terialidade sensória para chegar a entender a matéria como uma rea­lidade imaterial, e a explicar a substância das coisas com um concei­to que cada vez mais se aproxima e tende a coincidir com aquele imponderável inteligente, que no passado foi chamado espírito (1988, p. 4).


O conceito que as religiões podem nos oferecer de Deus e, portanto, a ética dele decorrente, corresponde ao grau de amadurecimento evolutivo da humanidade. Chegou, portanto, a hora de compreender uma moral mais condizente com a realidade do espírito, cujas bases, de tempos em tempos, foi revelada pelos grandes missionários e gênios da nossa história. Sendo o biótipo predominante na Terra o de tipo involuído, ele não pode compreender um conceito mais adiantado que esteja além da sua forma mental. Evoluído, ele pode agora compreender novas ideias, chegar a um nível mais alto de compreensão e entender que existe uma moral de base egoísta, em certos pontos arbitrária e baseada no princípio da força, mas que existe uma outra, de base altruísta e baseada no princípio da Lei e da Ordem. Com efeito, a Lei representa um princípio de ordem inviolável, porque representa o pensamento do próprio Deus e a Sua vontade.

A questão antropomórfica de Deus também é discutida na obra Queda e Salvação, no capítulo que tem como tema exatamente Princípios de uma nova ética. Onde Ubaldi já havia afirmado como o homem criou para si uma ideia de Deus relativa ao seu estado mental e a única que ele poderia compreender.

O homem acabou criando para si um Deus à sua imagem e semelhança, conforme a sua forma mental e instintos. Tudo isto foi trabalho despercebido, fruto de instintos, feito sem querer, nem saber, sem má fé, trabalho realizado no passado [...] trabalho profundo do subconsciente das massas, do qual as próprias Igrejas fazem parte, porque elas no seu conjunto não podem ser constituídas por biótipos diferentes do comum (UBALDI, 1984, p. 112).


Ninguém pode conceber algo que esteja além do limite da sua forma mental. Por isso não pode compreender um Deus que esteja completamente acima da sua psicologia. A única concepção que ele pode ter nos níveis inferiores de evolução é a de um Deus que se faz respeitar pelo medo do castigo em um inferno além deste mundo. Mas basta que sua inteligência comece a se desenvolver e algumas ideias lhe parecem absurdas. Deus não pode ser um chefe tirano “morando nos céus qual soberano no meio da Sua corte, olhando de longe para o nosso inferno selvagem só para receber na Sua glória egoísta as nossas humildes homenagens” (UBALDI, 1984, p. 114).

Na ética ubaldiana a dor representa um papel importante. Ela tem a função de ensinar a conhecer a Lei e a não mais errar, já que a dor é a consequência imediata da transgressão à Lei divina. Pela dor, o espírito humano vai aprendendo cada vez mais que cada ação sua tem uma consequência imediata, dolorosa quando essa ação vai de encontro à Lei divina. Evoluindo, homens e mulheres saberão libertar-se desse ciclo doloroso, pois se a Lei é justa, ela também trabalha para o progresso, impulsionando-os a evoluir e atingir sempre um nível mais elevado de amadurecimento espiritual. Evoluindo, aprendemos que existem leis na vida que não podemos enganar. Que cada ato desonesto ou injusto terá uma reação que a princípio pode parecer desonesta ou injusta, sendo que nada mais é do que a Lei procurando encontrar o equilíbrio. Não se rompe o equilíbrio das Leis divinas sem sofrer suas consequências, assim como cada ato honesto e justo trará consigo como reação uma compensação, uma vez que ao cumprir o seu dever de obediência à Lei cada indivíduo recebe, por direito, uma resposta do impulso criador da vida que sustenta o homem honesto, tal como foi dito na máxima: bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça, pois serão saciados.

Há, portanto, duas éticas diferentes, em consonância com dois tipos mentais diferentes do espírito humano: uma ética dos involuídos (psicologia egocêntrica individualista que se baseia na desconfiança e na luta) e outra, dos evoluídos (psicologia altruísta orgânica, que se baseia na colaboração). O evoluído exige virtude antes de tudo, de si mesmo, exige honestidade antes de tudo em si mesmo (O livro A Nova Civilização do Terceiro Milênio dedica um capítulo inteiro ao que Ubaldi (1982, p. 79-93) chama de A Lei da Honestidade e do Mérito), para benefício dos outros e se pede que pratiquem a honestidade é porque ele mesmo a pratica. O involuído exige virtude, antes de tudo, nos outros, porque a sua lógica mental é diversa do primeiro, e procura a honestidade nos outros, para melhor explorá-los em seu proveito e se pede que pratiquem a honestidade, ele mesmo não a pratica, para proveito próprio.

No nível dos involuídos, a regra é que os bons devem ser explorados, a bondade é uma forma de fraqueza, a força e a astúcia são reverenciadas com glória. Mas perante as Leis divinas “é loucura querer ser astuto, porque não há escapatórias. Quem faz o mal tem de pagá-lo à sua custa, não importando se é crente ou não. A nossa opinião, a nossa fé religiosa ou filosófica, não pode fazer mudar as leis da vida” (1988, p. 8). Se a injustiça e a desonestidade imperam neste mundo é porque os honestos ainda são poucos e não possuem, e nem desejam possuir, as qualidades de agressividade necessária para lutar no terreno dos involuídos. Quem procura agir de acordo com a Lei divina foge da luta, pois sabe que qualquer forma de violência receberá como consequência uma reação violenta, o que implica respeitar a forma de ação dos involuídos, pois quando não há um meio para tirar a cegueira aos cegos, é necessário deixá-los agir da forma como melhor lhes parecer conveniente. E nos casos em que esta ação pretende romper com a harmonia das Leis da vida, a dor surge como aprendizado, inexoravelmente.

O nível dos evoluídos é orientado por uma psicologia diferente o que implica uma ética e uma forma de agir diferente. Quanto mais se evolui, mais se aprende que existe um Deus imanente em nosso universo e que através dessa imanência existimos mergulhados e fundidos nEle, que tudo sustenta e tudo anima. “Trata-se de um Deus do qual ninguém pode sair, ao qual nada se pode esconder, um Deus vivo, ao nosso lado a toda hora, com a Sua inteligência e atividade” (1988, p. 13). Por isso não há mais lógica no egocentrismo. A rebeldia é uma atitude ingênua e infantil. Tornamo-nos conscientes dos princípios que regem o funcionamento orgânico do universo, compreendemos a lógica do plano divino que tudo dirige e só há um caminho a seguir. “Profundamente convencido disto, ele julga loucura o espírito de revolta do homem atual, e espontaneamente se coloca na ordem pa­ra obedecer à sabedoria da Lei” (1988, p. 13). Neste nível domina o princípio da justiça, da ordem, do equilíbrio, de reciprocidade de direitos e deveres, da obediência à Lei divina. Obediência que não é adesão cega a uma ordem que não se compreende. Quanto mais o espírito evolui, mais compreende, e sente, que há mais vantagem em obedecer do que desobedecer a Lei divina: fundir a sua vontade com a vontade soberana de Deus, em um impulso inimaginável de amor, sabedoria e paz. Deus só quer o bem de seus filhos e, por isso, não há maior desejo ou satisfação do que fazer a vontade do Pai, porque a vontade do Pai é aquela que o filho mais deseja, ou seja, a nossa felicidade.

A diferença entre os dois níveis é esta: que nos planos inferiores prevalece o antagonismo que divide os seres entre si e contra Deus, de modo que a obediência é uma opressão antivital, enquanto nos planos superiores tudo isto desaparece numa unidade que funde os seres entre si e com Deus, numa só vontade dirigida para a mesma finalidade de bem, o que transforma a obe­diência em elemento vital (1988, p. 15).


O capítulo II dá sequência a esta discussão aprofundando a dualidade que existe do ponto de vista da ética e abordando o que Ubaldi chama de Evolução da Ética.

A Ética é um tema fundamental na estrutura do pensamento ubaldiano pois ela representa a norma que deve dirigir nossas ações em torno da evolução, ensinando-nos o caminho a ser percorrido. São as regras morais, mais do que o conhecimento científico ou filosófico, que levam os indivíduos a aproximar-se cada vez mais do estado de perfeição que é o destino de todos. A Ética representa uma expressão direta da Lei. Mas, se assim o é, porque encontramos éticas relativas e tão distintas umas das outras? Por que não há uma única norma ou regra moral que possibilite homens e mulheres a evoluírem sem se desvirtuarem do caminho a ser seguido? A resposta de Ubaldi é que a ética é relativa, progressiva e proporcional ao estado de adiantamento do espírito e ao conhecimento da Lei por ele atingido. A cada nível evolutivo corresponde uma ética relativa que se transforma assim que o indivíduo sobe a um nível de evolução mais adiantado. É por isso que a ética dos antigos se fundamenta na lei de talião: olho por olho, dente por dente. Ao passo que a ética cristã se fundamenta no amor: o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo como a si mesmo. E estas duas éticas coexistem porque a humanidade vive uma fase de transição evolutiva, onde seres involuídos e evoluídos se misturam na trama da vida e fazendo coexistir a velha e a nova ética.

Para entender em maiores detalhes o porquê deste fenômeno, a coexistência de duas éticas, é preciso ter uma clareza maior da obra O Sistema e também a obra Queda e Salvação, do mesmo autor, pois a ética aqui é tomada como referência ao Sistema e o Anti-Sistema: grosso modo, o primeiro representa a realidade do espírito e o segundo representa a realidade material. Ao longo de toda a obra em análise, Ubaldi faz referência a estes dois momentos do processo evolutivo: o período de descida (queda) do espírito na matéria e o momento de subida (evolução) do espírito que se liberta da matéria, do Anti-Sistema. A ética do involuído, do Anti-Sistema, representa desordem. A ética do evoluído, do Sistema, representa a ordem e é vista pelo involuído como uma utopia (de fato a ética do evoluído está além da realidade que os involuídos conhecem e que acreditam representar toda a realidade). Através da evolução o ser deve realizar uma conquista: descobrir, através do esforço, uma ética cada vez mais adiantada e mais próxima da verdade que contém a felicidade e será encontrada no Sistema; libertar-se da dor e do sofrimento do Anti-Sistema, lançado em um mundo de forças negativas e inimigas, percorrendo o caminho oposto em direção ao Sistema. Enfim: “a ética representa o guia que nos ori­enta e dirige no caminho da evolução, o que nos leva para a salva­ção e a felicidade. Eis o significado da ética” (1988, p. 18-19). O ponto de referência da Ética é a Lei de Deus: tudo o que estiver de acordo com Sua Lei é bom, moral e lícito; tudo o que a contrarie é mau, imoral e ilícito. A dualidade entre o moral e o imoral, no fundo, está enraizada na dualidade entre Sistema e Anti-Sistema, de Lei e anti-Lei. E aqui Ubaldi faz uma distinção entre ética e moral: a moral diz respeito à ética do evoluído; a ética do involuído é imoral, que se afasta da moral e a nega. Quanto mais a ética é evoluída, mais ela se afasta das qualidades do Anti-Sistema, do imoral. A ética depende da forma mental do indivíduo que possui uma ética diferente, de acordo com o plano de evolução ao qual ele pertence.

Então, como em nosso mundo o nível biológico oscila do plano do involuído ao do evoluído, assim a ética relativa vai de um extre­mo de tipo involuído a outro de tipo evoluído. Ela vai da fera ao santo, do nível do subdesenvolvido, selvagem, feroz, ao nível do super-homem, civilizado, evangélico.  A maioria se equilibra no meio destes dois extremos, com uma moral ambígua, que pretende ser do segundo tipo, conquanto muitas vezes na substância é do primeiro. Moral anfíbia, de adaptações entre o superior e o infe­rior, ética de transformação em que coexistem as normas de condu­ta de dois níveis de vida, as do inferior convertendo-se nas do su­perior, o qual se vai conquistando por lentas aproximações evoluti­vas (1988, p. 19).


Entre a ética do involuído e a ética do evoluído pode haver também um choque. O passado que não quer morrer e o futuro que tem de vencer. Muitos estão nesta condição. Compreendem a Lei, sabem que é melhor seguir o caminho por ela determinado, mas estão em conflito interno e permanente com as forças do subconsciente e dos instintos que lhe prendem ao chão. De qualquer forma,

O trabalho atual da evolução em nosso mundo é de passar do 1tipo de ética para o 2.º. O eu vai assim despertando cada vez mais, aproximando-se das raízes espiri­tuais do ser, funcionando sempre mais com as qualidades do S [Sistema], e sempre menos com as do AS [Anti-Sistema]. Trata-se de um lógico desenvolvimen­to da evolução, de uma necessária conquista biológica, que leva consigo um novo tipo de ética e estilo de vida, conforme o telefinalismo de todo o fenômeno que vai do AS para S (1988, p. 22).

Capítulos III a VI

(III – MÉTODOS DE VIDA; IV – A PERSONALIDADE HUMANA; V – OS TRÊS BIÓTIPOS TERRESTRES; VI – O DESTINO)


O trabalho atual da evolução não é o de criar novas armas para dominar o mundo, mas criar homens justos e honestos que não queiram usar armas para alcançar a justiça e a paz. O que interessa para a nossa civilização é a conquista da honestidade, e não a conquista da paz com a guerra, porque enquanto houver guerra, haverá ação e reação. A guerra representa apenas a semente de uma nova guerra. Além disso, um homem desonesto e capaz de realizar o mal permanecerá sempre um perigo social. A diferença entre uma ética dos involuídos e outra dos evoluídos corresponde uma diferença substancial que vai do desonesto ao honesto, do justo ao injusto, do mal ao bem. “Hoje, justos e injustos estão misturados em todos os grupos. Pode haver ótimos elementos nos piores grupos, assim como péssimos no­ seio dos melhores [...] Há uma imensa diferença entre os dois métodos de vida e respectiva ética” (1988, p. 25). Com isso, Ubaldi vai nos preparando para o capítulo III que tem como título Métodos de Vida. O método de realização praticado pelo evoluído diverge profundamente do método utilizado pelo involuído. O evoluído não necessita do esforço da agressão destruidora: o evoluído que se tornou consciente de que é um instrumento da Lei sabe que a sua vontade deve coincidir com a vontade de Deus e Sua Lei. O seu método de vida, a sua ética, não é a ética da luta, mas a ética da não-resistência pregada pelo Evangelho.

O grande trabalho que as leis da vida têm para realizar no momento presente é fazer ascender o atual biótipo dominante, o involuído, para formas de vida mais adiantadas, com o objetivo de que ele possa entender e praticar a ética do evoluído.

O evoluído não julga que o involuído seja culpado ou mau, mas considera-o um menino a educar, ao qual é útil mostrar, para que ele o saiba, o que melhor lhe convém fazer para seu bem. Cabe aos mais adiantados o dever de ajudar os menos adiantados, não os con­denando, mas indo ao seu encontro com a devida compreensão (1988, p. 28).


O método de vida do involuído, o que ele entende e pratica, é a ação através da força, da astúcia, que devem se transformar em justiça e honestidade, para que o involuído amadureça e alcance novos níveis de consciência espiritual. O ponto de partida do involuído é a força. Seu ponto de chegada é a justiça. O processo evolutivo consiste em substituir o elemento da força, pelo princípio da justiça.

Eis como as qualidades do involuído podem continuar funcio­nando, mas cada vez mais dentro dos limites da nova ordem que se vai realizando, isto é, não mais força para fazer guerra, agredindo e destruindo, mas força empregada para o cumprimento da Lei, não para esmagar o fraco, mas para o triunfo da justiça (1988, p. 29).


Poderíamos então, falar de níveis evolutivos de ética relativos ao estado de maturidade espiritual em que cada um se encontra neste mundo e, em torno do qual, estabelecem para si o seu método de vida. No nível mais baixo, nas posições mais atrasadas, estão aqueles que usam a força e praticam o mal sem escrúpulos. Acima deles estão os que reconhecem a ideia de justiça, mas ainda assim acreditam na necessidade da força para fazê-la prosperar. E acima destes estão os mais adiantados, que praticam o método do Evangelho: não entram na luta, custe o que custar; não reagem, mas perdoam. E cada um recebe de acordo com o seu merecimento: os que usam a força recebem como lição o sofrimento, tanto maior quanto maior for o uso da força e em prejuízo de outras vidas; os evangelizados vão progredindo e subindo, cada vez mais, a níveis mais elevados de consciência e espiritualidade.

O contraste entre essas diferentes posições biológicas nos apa­rece evidente neste exemplo: quando Cristo foi preso no Getsêma­ne, Simão Pedro puxou da espada e, dando um golpe no servo do sumo sacerdote, decepou-lhe uma orelha. Então, Jesus lhe disse: "Embainha a tua espada; pois todos os que tomam a espada, mor­rerão pela espada. Então, tendo tocado a orelha, a sarou".

Vemos aqui chocarem-se dois sistemas, os do segundo e tercei­ro casos acima mencionados. Simão Pedro pretendia usar a força para uma finalidade benéfica, defendendo um justo.  Mas Cristo preferiu praticar um método superior, o do evoluído, o da não-re­sistência e do perdão, para dar este exemplo e ensinar esta lição, avisando ao mesmo tempo do perigo que espera quem desce ao ní­vel do involuído e pratica os seus métodos — o perigo de ter depois de ficar sujeito ao domínio das reações e leis ferozes daquele plano (1988, p. 31).


A forma mental do involuído, sua psicologia, é a forma mental de um rebelde egocêntrico e agir em função dos outros é sinal de fraqueza e derrota. Na psicologia do involuído a inteligência consiste em enganar o próximo, burlar a lei, aproveitar-se da situação no interesse próprio. Em alguns casos tal atitude é fruto de pura perversão, em outros apenas de ignorância. A psicologia explica o modo de ação do involuído, ao aclarar a ideia de impulsos subconscientes instintivos. “Não se pode acusar tal biótipo de insinceridade, quando ele, das coisas de espírito, apenas lhes pode entender a forma exterior, e quando ele a pratica com toda a exatidão, obedecendo a todas as regras mecânicas estabelecidas” (1988, p. 35). É o mesmo que exigir aos surdos, principalmente daqueles que o são porque não desenvolveram o sentido da audição, que entendam os sons que lhes são proferidos, ou aos cegos que saibam distinguir os feixes de luz que lhes são direcionados. Os valores do involuído estão nos antípodas do evoluído. Para o evoluído o valor está na obediência à ordem e à Lei. Ubaldi  encerra este capítulo destacando pelos menos quatro níveis diferentes de “forma mental” e amadurecimento evolutivo característico dos seres humanos: o 1º grau da forma mental elementar do “animal” e res­pectiva ética de obediência mecânica aos impulsos primitivos; o 2º grau da forma mental do “selvagem” e “delinquente” e respectiva ética da força e do princípio da luta; o 3º grau da forma mental do “involuído” e respectiva ética de obediências às leis, mas de forma superficial, porque constrangido pela força, e alimentada pelo desejo de transgressão da lei para satisfação dos desejos e difere do 2º grau pelo tipo de violência que não é mais física, “mas econômica, nervosa, psicológica, e a desobediência está disfar­çada sob as aparências da obediência” (1988, p. 37); e o 4º grau da forma mental e respectiva ética “do evoluí­do que abandonou todos esses métodos de luta, porque chegou a entender a Lei de Deus e a esta espontaneamente obedece” (1988, p. 37). “Eis os biótipos que encontramos em nosso mundo atual, cada um com a sua forma mental e ética respectiva” (1988, p. 37).

A análise da psicologia da forma mental do involuído e do evoluído ou, como Ubaldi também costuma se referir, o biótipo terrestre, serve de base para aprofundar a discussão sobre a personalidade que será empreendida no Capítulo IV – A personalidade humana, e que também está conectado de alguma forma com o tema do Capítulo V – Os três biótipos terrestres, dos Capítulos VII e VIII que abordam o tema da psicanálise e o Capítulo IX – Técnicas de Tratamento.

No início do capítulo IV – A personalidade humana, Ubaldi revela que o objetivo da obra é aproximar o leitor da realidade prática da vida. E para saber qual deve ser na vida a nossa conduta, é necessário conhecer a personalidade humana, bem como a finalidade para a qual estamos na vida, pois um problema só pode ser resolvido em função do outro. “Veremos, assim, como os princípios gerais que regem a vida poderão ser aplicados ao caso particular de cada indivíduo, conforme o seu tipo de personalidade e de destino” (1988, p. 40). Uma classificação prévia dos tipos de personalidade já fora realizado no capítulo anterior, quando Ubaldi se refere ao biótipo terrestre. Trata-se de aprofundar o debate e a temática de que existem tipos de personalidades diferentes correspondentes ao grau de entendimento e maturidade de consciência, conquistado por evolução, através das variadas experiências realizadas nas vidas sucessivas. Além disso, Ubaldi admite a existência de uma parte inconsciente da personalidade humana (dividido em subconsciente e superconsciente), tal como postulado pela psicanálise e que será debatido mais adiante, cujo conteúdo e limites não conhecemos e que escapa ao nosso controle. Esse aspecto da personalidade é de capital importância pois explica muito das ações humanas.

Existe um tipo de personalidade humana que age obedecendo apenas aos impulsos primitivos, de maneira inconsciente e até descontrolada e, por isso, se torna mecanicamente arrastado pelas forças da Lei. Há, porém, um tipo de personalidade mais evoluída que tem consciência de uma vida muito mais vasta e que conhece, em maior ou menor grau, o duplo problema da personalidade e do destino, “isto é, sabe quem ele é e qual é o objetivo particular que ele deve atingir na sua atual vida física, em função dos objetivos maiores de toda a sua evolução” (1988, p. 41).

Relacionando a ideia de que existem tipos diversos de personalidade humana com a estrutura psíquica dessa mesma personalidade (subconsciente, consciente, superconsciente), é possível dizer que a personalidade pode se manifestar de, pelo menos, três maneiras distintas: através do subconsciente caracterizado pelo instinto, funcionando por reações inconscientes; através da consciência caracterizada pela razão; ou através do superconsciente que corresponde ao domínio da intuição.

A ética do primeiro se baseia em uma ação instintiva semelhante aos animais “aos quais ele obedece cega e mecani­camente, não entendendo o porquê do que ele faz, não se orientan­do por autonomia de juízo, mas imitando, isto é, repetindo o que fazem os outros, porque para ele o que faz a maioria representa a verdade” (1988, p. 44). Funciona por imitação e repetição do que fazem os outros e aceitando a solução dos outros. É o método do “rebanho de ovelhas”, fazendo o que as outras fazem, sem necessariamente saber porque o faz e age de tal forma. A ignorância é o estado normal deste biótipo que não tem problemas morais ou intelectuais. Age de acordo com seus instintos básicos: da fome, do amor, do esforço necessário para satisfazer tais necessidades. As necessidades imediatas são os problemas mais elementares e urgentes que ele lhe impõe, para a continuação da vida. É a escola primária “na qual se aprende sem entender, repetindo por sugestão, imitando um mode­lo, até que pela longa repetição mecanicamente se adquirem hábi­tos, que assim se fixam no subconsciente como novas qualidades” (1988, p. 44).

A ética do nível médio se baseia em uma forma mental mais complexa e racional. Além dos instintos, ele age através do intelecto, o que implica pensar, refletir, analisar, e não apenas imitar. Aceita as normas da ética com relativa autonomia de juízo. A inteligência controla os instintos e emoções e dirige os impulsos cegos do subconsciente, não se deixando levar mecanicamente por eles. Entende os processos lógicos e exige provas e demonstrações para ser levado à compreensão e convicção e não aceita algo como verdade simplesmente porque lhe disseram que é assim ou tem que ser assim. E mesmo que ainda não saiba o porquê, sua ação não é cega ou fruto do subconsciente, mas obedece a regras que são ditadas porque estabelece uma disciplina e uma ordem, ainda que exterior e formal. “Então esse biótipo possui outros recursos mais adiantados: para a norma de conduta certa, ele tem um guia representado pelas soluções oferecidas pelas éticas teoricamente aceitas, que representam uma sabedoria descida dos pla­nos superiores” (1988, p. 44). Os problemas que se impõe vão além das necessidades da vida animal da fome e do amor: ele quer conhecer, que entender as normas de vida social, quer sair do seu estado de ignorância, descobrir novos caminhos para o progresso da humanidade. É uma escola um pouco mais adiantada, que não se contenta com os métodos de aprendizagem anteriores: “cogita de com­preender e julgar com a inteligência, que é a qualidade que agora se vai desenvolvendo” (1988, p. 45).

Enfim o nível superior, onde aparecem novas qualidades. Além do controle racional dos instintos e do subconsciente surge a intuição, que permite perceber a verdade por visão imediata. Enquanto a razão vai por um caminho mais longo, a intuição atinge diretamente o conhecimento e o conteúdo do pensamento que constitui a Lei que tudo rege. Sua ação não é mais atividade baseada nos instintos do subconsciente animal, nem as normas éticas exteriores e formais da razão. A sua disciplina é iluminada pelo conhecimento da Lei divina que alcançou por intuição, por visão imediata, por haver entendido a ordem estabelecida pela Lei. Esse biótipo vibra pela sua sensibilidade, reflete e pensa com sua mente racional, e ilumina o seu conhecimento através da intuição. É o nível superior de conhecimento, depois de ter passado pela escola primária e pelo ginásio, chegando por fim à faculdade. E assim como o aluno não fica estacionário na escola primária, o espírito vai se movendo de um nível a outro, de acordo com os esforços que faz para progredir e amadurecer, mudando com isso a sua personalidade, suas qualidades e o seu modo de agir.

É fácil perceber que o capítulo V – Os três biótipos terrestres é praticamente uma continuidade do capítulo anterior. Com efeito, aos três modelos de personalidade humana discutidos por Ubaldi no capítulo anterior correspondem três biótipos diferentes. São apenas formas diferentes de falar sobre um mesmo conceito, sendo que no primeiro caso a personalidade humana é analisada a partir de conceitos psicanalíticos, com base nas ideias de subconsciente, consciente e superconsciente, ao passo que agora trata-se de uma definição mais no plano biológico no qual prevalece a lei do mais forte, no primeiro biótipo terrestre. No nível mais avançado há um maior grau de compreensão que convence pelo raciocínio: é o animal racional. E o biótipo ainda mais evoluído que, acima da linguagem dos sentidos e da mente, entende a linguagem da intuição. Assim temos o nível do subconsciente ou plano animal, dirigido pelos instintos, que vive apenas em função das necessidades básicas como a fome (que garante a sua sobrevivência) e o sexo (que garante a sobrevivência da espécie). O nível consciente ou do ser racional, ainda é dominado por um certo egocentrismo mas que já entende e compreende a necessidade de normas e regras para a vida em sociedade. E o nível superconsciente ou do homem espiritualizado, acima dos dois biótipos precedentes que entende e pratica a Lei de Deus. Ubaldi toma como exemplo de um biótipo excepcional a figura de Francisco de Assis:

Com os três votos básicos da sua regra, ele quis despedaçar os correspondentes instintos fundamentais do homem, a eles contrapondo como virtu­des três impulsos opostos Ao 1.º instinto, o de possuir, ele contrapôs a regra da pobreza; ao 2.º instinto, o do sexo, contrapôs a regra da castidade; ao 3.º instinto, o do egocentrismo dominador, contrapôs a regra da obediência. Assim, o indivíduo fica como aniquilado no nível do subconsciente (instintos) e do consciente (ra­zão a serviço dos instintos); o seu passado biológico é esmagado de uma vez (1988, p. 56).


Em nosso mundo estão misturados os três biótipos terrestres e a personalidade humana pode oscilar entre cada um dos três níveis. Cada indivíduo representa uma personalidade diferente, de acordo com o nível em que se encontra, ao mesmo tempo em que em cada indivíduo estes três biótipos coexistem simultaneamente. Não são apenas tipos de personalidade diferentes (de indivíduo para indivíduo), mas também três personalidades, por assim dizer, em uma só. E o mundo está suspenso entre dois mundos:

um debaixo e um acima dele, do primeiro re­cebendo impulsos inferiores, do segundo, impulsos superiores, im­pulsos opostos em luta, que, porém, representam o trabalho criador do amadurecimento evolutivo. Assim, quando em nós surge um impulso, pela sua natureza podemos entender de que nível evolutivo ele chega. As chamadas tentações de pecado, para fazer o mal, perten­cem ao nível inferior, enquanto as boas inspirações de fazer o bem pertencem ao superior. Mas em cada um surgirão com mais poder os impulsos do seu plano biológico e estes vencerão. Assim, com a sua conduta cada um revelará a que plano pertence, quem é e qual é o seu grau de evolução. É claro que, tratando-se de indivíduos em transformação, destinados mais cedo ou mais tarde a mudar de um andar para outro, encontramos em nosso mundo impulsos e condutas de todo o gênero (1988, p. 58).


O maior e mais penoso trabalho que deve ser realizado por cada indivíduo é subir de um nível biológico para outro, transformando a sua personalidade e afastando-se da dor e do sofrimento.

Os temas estudados no capítulo IV e V, preparam o leitor para o capítulo VI pois, como afirma Ubaldi ainda no capítulo V, “do que somos e dos nossos impulsos é que depende o tipo de destino que a cada um dos três biótipos pertence [...] aos três tipos de homem correspondem três tipos de destino” (1988, p. 58). Sendo que o capítulo V trata de analisar o fenômeno do destino de maneira geral e no capítulo seguinte temos as linhas do destino no caso particular do indivíduo separadamente. Temos um destino biológico geral, enquanto seres da raça humana, que inclui também do ponto de vista biológico um destino clínico, em torno do qual teremos certas pré-disposições a esta ou àquela doença, determinado pela herança genética que recebemos de nossos pais; temos também um destino econômico e social, dependente da posição e do ambiente em que nascemos; e temos também um destino psicológico e espiritual, que deve deslocar-se para um plano de vida mais alto e de progresso evolutivo e que significa amadurecimento biológico. Compreender o biótipo terrestre e a correspondente personalidade humana ajudam a entender o destino de cada um e como, cada qual, deve (ou pode) agir, de acordo suas possibilidades. Além do seu plano de evolução e de sua forma mental, o indivíduo não pode conceber e nem realizar e, por isso, seu destino é limitado àquilo que ele é capaz de fazer. Em cada caso,

[...] vemos funcionar o indivíduo em três níveis diferentes. [...] Na luta pela vida, cada um resolve o problema fun­damental da sua defesa de uma maneira diferente: o 1.º biótipo ape­nas com a força bruta dos seus recursos físicos, ignaro de qualquer idéia de justiça; o 2.º conhece o que é justiça, mas a usa só para de­fender os seus interesses, em seu proveito; o 3.º biótipo não julga e se entrega completamente à única verdadeira justiça, a de Deus, usando como arma para a sua defesa somente a sua obediência a Lei (1988, p. 61).


Pode ocorrer também que um indivíduo esteja em uma fase de transição, de um nível para outro, no qual se mesclam impulsos de níveis diferentes (instintos, inteligência, intuição). Por se tratar de um fenômeno de evolução, representa um contínuo transformismo, e é bem provável que um indivíduo oscile de um nível para o outro. É assim que nasce a luta entre o novo e o velho, a matéria e o espírito, a fera e o anjo. Pode até parecer que o mesmo indivíduo tenha duas personalidades distintas, dois eus distintos, chocando-se uma contra a outra, até uma delas vencer, mas em essência é a mesma personalidade. É a luta que, por lei de evolução, eleva o indivíduo do nível da animalidade para a espiritualidade. E assim acontece que um indivíduo não ocupe somente um nível de evolução. Há casos em que os impulsos instintivos dominam e o ser permanece no nível inferior. Mas há outros, em que a inteligência começa a predominar, ora em favor dos instintos (e o ser continua no nível inferior) ora em favor das aspirações do espírito (e o ser se eleva ao nível superior). E há ainda casos em que o espírito vence a matéria, a animalidade, e supera definitivamente os instintos inferiores.

Assim é possível entender, no terreno da ética, alguns valores apregoados por diferentes religiões, de luta contra os instintos inferiores para superar a animalidade, ou o que na psicanálise seria chamado de sublimação. A ética precisa levar em consideração esses diferentes níveis de personalidade humana e não pode tratar da mesma maneira o involuído do evoluído. Por isso se verifica uma luta entre éticas de níveis diferentes, porque relativas ao grau de adiantamento dos indivíduos. Por isso os mais evoluídos tendem a se isolar, porque não compartilham dos valores comuns dos biótipos predecessores, que não é o seu, tornando bastante complexo o problema da ética que não pode ser resolvido isoladamente.

Cada um tem o seu destino, cada um constrói o seu caminho: “quem é gozador, quem é avaren­to, apegado à posse dos bens materiais, quem é orgulhoso, ávido de poder e glória, quem é agressivo, guerreiro, quem segue a vereda do sacrifício e do amor” (1988, p. 66). E o capítulo VI – O Destino aprofunda essa discussão. De acordo com o nível evolutivo no qual cada um se encontra, muda a responsabilidade (e a ética a ela correlativa), muda o caminho a percorrer, muda o trabalho construtor a realizar. “É ló­gico que o caminho que terá de percorrer um tipo inferior não po­derá ser igual àquele de um tipo médio, ou de um superior porque os impulsos que os movimentam, as reações ao ambiente, as suas exigências evolutivas são de tipo diferente” (1988, p. 68).

No início de cada existência, cada indivíduo traz consigo o seu passado (de vidas pretéritas) gravado no subsconsciente e esta base representa um aspecto significativo de sua personalidade e determinante de sua existência. Cada um traz em si na forma instintiva o conhecimento adquirido. Nasce assim o poeta, o artista, o filósofo, o homem de ciência. E seu destino é determinado de acordo com o aprendizado adquirido e o aprendizado que deve realizar. Mas sempre em função de sua personalidade. Na sua viagem pela jornada da vida, o indivíduo traz o fruto de sua experiência passada, mas que não permanece estática, e que vai acumulando novos conhecimentos, nova sabedoria, que no futuro farão parte do seu subconsciente, cristalizando-se tanto mais quanto mais forte for o aprendizado. Cada vida é uma continuação, visando a evolução do espírito, e não pode ser vivida senão em cima do que foi construído no passado e existe como potencialidade para viver no futuro. Esse algo construído representa a parte determinística do destino e estabelece o ponto de partida, o desenvolvimento. Mas, como dissemos, não é um determinismo estático. O livro da vida continua a ser escrito, agora com novos caracteres a partir de novas experiências e ao velho conteúdo do subconsciente, vamos juntando outro novo para construir o futuro. O destino então é concebido como um fenômeno em que passado, presente e futuro estão ligados pela Lei (determinismo), pela livre escolha e pela lógica do amadurecimento espiritual.

Com a sua livre escolha, o ser se lança no caminho da vida numa direção ou outra, da qual ele depois não poderá sair senão por meio de impulsos seus, diferentes, lança­dos em diferente direção. Mas até que ele realize com o seu esforço esta mudança, tudo continuará avançando na direção precedente. E mudar não é fácil. Não é fácil modificar os instintos. Eles represen­tam u'a massa lançada, uma velocidade adquirida, e por inércia uma autônoma vontade de continuar, que não é fácil corrigir (1988, p. 72).


O futuro está relativamente determinado não por causa de um impulso arbitrário de uma Lei superior, mas porque, tal como um projétil lançado no espaço, o efeito de nossas ações podem ser calculados segundo suas características. Cabe a cada um de nós reverter a polaridade de tais impulsos, se forem negativos, ou continuar na senda do bem, se forem positivos.

De posse de tais conhecimentos, o homem pode moldar o seu destino, evitando os choques com a Lei e o correlativo sofrimento e subindo para níveis cada vez mais adiantados. Estão determinados o ponto de partida e o ponto de chegada, mas o caminho que cada um vai percorrer de um ponto a outro, é determinado por suas livres escolhas.

O destino se poderia definir: o caminho que o indivíduo per­corre na construção da sua personalidade. Os resultados dependem da escolha que ele faz deste caminho, conforme ou contra a Lei, aproximando-se ou se afastando dela. Agora sabemos que no desti­no há uma parte determinística representada pelo retorno e conti­nuação do passado, a qual temos de aceitar à força; mas que há também uma parte livre, na qual podemos tomar novas iniciativas. Então, se o passado foi errado e hoje nos esmaga, é possível liber­tar-nos dele, neutralizando-o, seja deixando que ele esgote o seu mau impulso e suportando com paciência os sofrimentos decorrentes, seja substituindo aos velhos hábitos contra a Lei por outros novos, de acordo com ela. Eis o que fazem os inteligentes, os sá­bios (1988, p. 73).

Capítulos VII a IX

(CAPÍTULO VII – PSICANÁLISE; CAPÍTULO VIII – A NOVA PSICANÁLISE; E CAPÍTULO IX – TÉCNICAS DE TRATAMENTO)


Em seguida temos três capítulos dedicados ao tema da Psicanálise: capítulo VII – Psicanálise; capítulo VIII – A Nova Psicanálise; e capítulo IX – Técnicas de Tratamento.

Por tudo o que já vimos até aqui, sobre a personalidade humana e os diferentes biótipos terrestres, fica fácil perceber que o estudo da psicanálise completa os capítulos precedentes, pois a psicanálise

ela é a arte de fazer pesquisas no subconsciente, para descobrir quais são os elementos componentes da personalidade do indivíduo, o seu passado em que ele assim a construiu, e por fim o seu destino em que, como consequência necessária, aquele passado e o presen­te devem continuar desenvolvendo-se (1988, p. 80).


É no subconsciente, na profundidade de nossa alma, que iremos encontrar a origem de nossos atos e que determinaram a constituição da nossa personalidade. Para entender quem somos e a origem de nossos atos, precisamos entender os impulsos interiores dos quais eles derivam. A psicanálise aqui é entendida como ciência que desvenda não apenas o mistério da personalidade humana, mas de nossa alma, de nossa psyché. E há uma grande diferença desta psicanálise para a psicanálise ordinária, freudiana: enquanto esta se limita a analisar a personalidade humana dentro do limite do nascimento até a morte, a primeira é muito mais vasta e muito mais profunda e engloba todas as existências anteriores. “Então, a primeira característica de nossa psicanálise é a de atingir a parte mais profunda do eu, mais escondida, porém mais enraizada e firme porque a mais antiga, a parte mais verdadeira. porque controlada por mais longa experimentação, a parte que está antes do nascimento” (1988, p. 81). Uma psicanálise que não abarca apenas o passado, mas que pode prever em linhas gerais igualmente o destino futuro, entendendo este como uma consequência lógica e necessária do passado, dentro dos limites previstos pela Lei divina.

Ubaldi faz uma analogia com a ideia de uma árvore: a psicanálise atual não desce até as raízes. A psicanálise precisa ir além do período do nascimento e também deve se dirigir para o futuro (ir além da morte), de onde resulta a possibilidade até de prever o destino.

As experiências que nós temos são registradas diversamente pelas várias partes da zona da personalidade. No subconsciente estão as experiências passadas, assimiladas, que ficam depositadas nas estratificações antigas da personalidade de onde emergem os instintos: é a zona dos instintos formados, das ideias inatas, dos automatismos resultados da repetição habitual da vida, representa o patrimônio acumulado. O que foi vivido, ou seja, nossa história, jaz em repouso nos estratos do subconsciente, por isso se pode dizer que é um imenso repositório de reservas do que foi vivido. O consciente é a zona do presente, do trabalho atual, onde está o esforço da subida, a atividade com que se fazem as provisões: “é, pois, um tentáculo ativo, consciente, porque em fase de trabalho” (UBALDI, AM, p. 97). O superconsciente representa o futuro, a zona de espera, das expectativas e possibilidades, das tentativas e formações futuras. “O passado sobrevive no consciente como síntese, o futuro aí nasce como antecipação. A consciência está re­pleta e se nutre do presente em construção” (UBALDI, ANCTM, p. 380). Se o consciente é a zona de trabalho, as outras duas zonas representam uma zona de descanso (saiba mais em: A psicanálise evolucionista e espiritualista de Pietro Ubaldi).

Somente a zona do trabalho é consciente. Para o alto e para baixo este clarão nítido se perde gradativamen­te nas trevas e o dinamismo desaparece na inércia. Acima e abaixo, imersas na inconsciência, estão as zonas crepus­culares onde a consciência sente as sombras vagarem incer­tas, embrião de futuros motivos ou restos de motivos destruídos ainda sonolentos no marasmo da indiferença ou do es­quecimento [...] As três zo­nas estão ante a experimentação nestas posições: de quem já recebeu o depósito, de quem o está recebendo e de quem o espera. O eu sente no campo onde está ativo e não onde está latente. O sistema está em movimento evolutivo, e o consciente, isto é, a zona ativa do registro, não é o mesmo para todos (UBALDI, ANCTM, p. 380).


A leitura do subconsciente, da estrutura da nossa personalidade, ajuda-nos a entender os nossos pontos fracos e o que precisa ser corrigido, remodelando hábitos errados, alterando a nossa conduta, penetrando no terreno da ética, mas não da ética mundana, mas da ética aqui apresentada em termos profundamente espirituais. Compreendido isto, entendemos que não há fatalidade determinada senão pela força de nossas ações e que por isso tudo depende de nós: do que fizemos no passado, do que fazemos no presente. A função da psicanálise é ajudar os indivíduos a ler no subconsciente as forças que determinaram a personalidade e conhecer os impulsos na sua origem.

Estes princípios sugerem também a ideia de que um psicanalista será, no futuro, um médico de almas. Que ajuda os indivíduos a entender seus dramas pessoais, seus complexos, a partir da análise do subconsciente, entendendo a natureza dos impulsos instintivos que hoje emergem como um retorno do passado e, com isso, podendo sugerir um antídoto corretivo. O tratamento é psicológico e moral.

Aqui começa a parte mais importante do trabalho do psicana­lista. Uma vez que ele descobriu o fio condutor do destino do indi­víduo em exame, a sua função é a de orientar esse destino, dirigin­do-o, conforme sua natureza e os elementos que contém, para um futuro melhor, onde, por lógicos corretivos de conduta: erros, complexos e sofrimentos sejam eliminados. O princípio geral é que o paciente deve ser orientado para que o seu caminho se desenvolva na direção do S, que representa o bem, a felicidade, Deus. Psica­nálise profundamente moral e religiosa, ligada aos princípios de éti­ca, que de propósito explicamos neste mesmo volume, como pre­missa indispensável ao estudo da psicanálise (1988, p. 85).


O tema continua no capítulo VIII – A Nova Psicanálise reforçando a ideia dos limites da psicanálise atual que se detém na análise da personalidade apenas a partir do momento do nascimento do ser humano. A Nova Psicanálise vai além e procura reconstruir a história da personalidade levando em conta elementos de vidas passadas e que, por isso, escapam à psicanálise hoje praticada. “O subconsciente contém um mun­do muito mais vasto do que o que ela julga, um imenso passado em que o eu viveu infindas experiências, que constituem sua atual sa­bedoria inata, diferente para cada um, conforme o caminho por ele percorrido” (1988, p. 90). Além disso, para que a psicanálise seja completa, ela não pode se deter apenas na análise do fenômeno psíquico, mas deve levar em consideração fatores éticos, religiosos, biológicos, evolutivos, sociais etc. Ela precisa incluir o elemento ético e espiritual. É uma Nova Psicanálise mais completa porque afirma que não se pode tratar apenas as neuroses e complexos mentais a não ser substituindo o impulso originário de desordem, por outro impulso volitivo na direção certa, na direção do bem, que possa corrigir os primeiros, lançados na direção errada. Trata-se de dirigir a vontade do indivíduo em sentido positivo, conforme a Lei de Deus. A Nova Psicanálise é ciência que observa os impulsos do subconsciente, não apenas nesta vida, mas de outras vidas, que permanecem latentes nas profundezas do espírito humano. Só assim é possível entender o movimento em sentido errado diante da Lei ao qual é preciso opor um movimento em sentido oposto. “Se a causa foi uma desobediência que gerou desordem, o remédio está na obediência que reconstrói a ordem. O tratamento consiste na re­integração dessa ordem, da qual dependem a saúde e o bem-estar, assim neutralizando a desordem, da qual dependem a doença e a dor” (1988, p. 92).

E aqui chegamos a um ponto novo de toda discussão apresentada até o momento: a nova psicanálise deve abranger todo o imenso campo do inconsciente, incluindo aí o subconsciente e o superconsciente. O mundo imenso da personalidade humana inclui não apenas as camadas inferiores situadas no subconsciente, mas uma história maior, que está adormecida e vai despertando aos poucos: os impulsos do superconsciente, das potencialidades do espírito, com toda sua riqueza e poder.

A parte referente à psicanálise encerra com o capítulo IX – Técnicas de Tratamento: proceder a uma psicodiagnose com o objetivo de obter a cura das neuroses e complexos da personalidade via sublimação. Admite-se, como na psicanálise freudiana, que os complexos sejam devidos aos choques que surgem na luta entre subconsciente e consciente: um desejo subconsciente reprimido. O resultado do choque de dois impulsos antagônicos na personalidade: as velhas experiências que se agitam no subconsciente na forma de impulsos instintivos e um dinamismo ascensional que exige renovação e superação. “Quando não é possível um acordo entre subconsciente e consciente, eles entram em luta [...] o impulso comprimido acaba produzindo formas mentais torcidas e, com esse esmagamento, a própria personalidade fica magoada e ferida” (1988, p. 103). Mas como a intenção deste estudo é se ater ao título do livro, isto é, os aspectos ético e morais do pensamento ubaldiano, remeto o leitor à leitura do livro, caso tenha interesse em se aprofundar na psicanálise assim concebida por Ubaldi, com uma última ressalva: se antes cabia apenas à ética e às religiões o estabelecimento de normas para o agir individual, esse papel cabe agora também à psicologia: o da direção espiritual das almas, com base nas ideias até aqui estabelecidas. Se no passado cabia às religiões estabelecer as normas de conduta moral e do agir de seus fiéis, este papel agora pertence também ao domínio da ciência do espírito, da psicologia, atingindo horizontes muito mais vastos, colocando os indivíduos no caminho da evolução: “a psicanálise se torna a arte de educar o homem para o levantar a um plano de vi­da superior. Ela pode desse modo colocar-se ao lado da ética e religiões, iluminando-as no terreno difícil da direção das almas” (1988, p. 112). Entendida desta forma, a psicanálise é a ciência da alma, que abrange não apenas os problemas da personalidade humana, mas da evolução biológica e espiritual, da orientação individual e social, da ética e da religião:

seguindo a Lei de Deus e tra­balhando em função do plano geral da existência [...] psica­nálise que penetra o mistério do espírito e trabalha na luta entre a animalidade e o ideal, para a superação dos instintos inferiores em favor da espiritualidade, para a transformação do biótipo primitivo do homem evoluído do futuro (1988, p. 115).

 

Implicações do Estudo da Psicanálise para a Ética

O estudo da psicanálise “é de fundamental importância para compreender a vida, porque é na profundidade de nossa psique onde se encontra a primeira raiz de nossos atos” (UBALDI, 2014, p. 155). Por isso se pode dizer que estamos diante de uma “Psicanálise profundamente moral e religiosa, ligada aos princípios da ética” (UBALDI, 2014, p. 163), e que a tarefa desta psicanálise “é a de construir destinos sadios e felizes, dando saúde às almas, curando os doentes, fortalecendo os fracos, sanando feridas, tudo isso no terreno do espírito” (UBALDI, 2014, p. 163). “Uma psicanálise completa não pode limitar-se ao tratamento das doenças nervosas e mentais, mas tem que entrar no terreno da ética, para dirigir, com inteligência, a conduta humana” (UBALDI, 2014, p. 184).

Para entender o significado e a razão de nossos atos, precisamos compreender e conhecer os impulsos que brotam do interior da personalidade: “Não é possível acompanhar o significado de nossos atos, sem ter compreendido de que impulsos interiores a conduta humana deriva” (UBALDI, 2014, p. 155). Por isso, pra viver de forma inteligente, “devemos compreender os longínquos elementos que se desenvolvem em nossa vida atual” (UBALDI, 2014, p. 156).

O princípio moral que nós temos aqui é o de acordar o consciente, digamos assim, para que ele controle os impulsos inferiores instintivos do subconsciente. O que é possível através da técnica do exame de consciência. “Trata-se, de fato, de uma observação introspectiva dos impulsos aninhados no subconsciente, assim submetidos ao controle e domínio do consciente” (UBALDI, 2014, p. 210). Desta forma é possível transformar maus hábitos em virtudes que “com a repetição podem ser gravadas no subconsciente novas e melhores qualidades, sendo possível edu­car o homem e realizar a evolução, construindo a personalidade em formas cada vez mais adiantadas (UBALDI, 2014, p. 210).

Assim, a psicanálise adquire uma importância nova, muito maior, porque se torna uma escola de evolução, cuja função não é mais só aquela de tratar doenças, mas a de ajudar o homem novo a nascer, realizando o milagre da transformação biológica do involuído em evoluído, isto é, do primitivo atual, no biótipo que deverá constituir a humanidade do futuro. Então, a psicanálise se torna a arte de educar o homem para o levantar a um plano de vi­da superior. Ela pode desse modo colocar-se ao lado da ética e religiões, iluminando-as no terreno difícil da direção das almas (UBALDI, 2014, p. 211).


Este conhecimento deve possibilitar ao indivíduo orientar-se no caminho da vida e na realização de seu trabalho. Na construção ou reconstrução da sua personalidade.

Então a tarefa da psicanálise no estudo da personalidade é a de descobrir quais são os pontos fracos por carência de positividade, por ter o indivíduo trabalhado às avessas, em descida, em favor da negatividade ou AS, fortalecendo esses pontos com injeções de positividade, endireitando o caminho errado do ser, na direção da vontade da Lei, para o S (UBALDI, 2014, p. 158).


Temos também a luta entre o bem e o mal, a fera e o anjo, o involuído e evoluído que existe dentro de nós. É como se nós tivéssemos duas personalidades mas, na verdade, é a mesma personalidade lutando contra dois impulsos da vida.

“Isto se revela na luta consigo mesmo, que se encontra nos indivíduos em fase de transformação evolutiva e os leva do nível da animalidade para a espiritualidade, chocando-se uma contra a outra, até a segunda vencer, superando a primeira. Assim, o novo se substitui ao velho, criam-se instintos superiores que tomam o lugar dos inferiores” (UBALDI, 2014, p. 161).

Como “arte de educar o homem” esta psicanálise apresenta também uma dimensão pedagógica, considerando que o trabalho construtivo realizado pela consciência desloca-se, por evolução e, através da educação e de bons hábitos, para o superconsciente. Os hábitos se fixam em automatismos transmitidos ao subconsciente, transferindo-se “para campos mais elevados e mais profundos, para o âmago do ser, na assimilação de qualidades espirituais” (UBALDI, AGS, p. 310). Cada ato deixa uma marca (bom ou mau). Nada do que é praticado (bem ou mal) se perde).

Não se perde fora de vós, pelo princípio de causa e efeito; não se perde dentro de vós, pelo princípio de transmissão ao subconsciente. A herança de vossas culpas como de vossos merecimentos, o resultado de todas as vossas fraquezas ou esforços, vós os carregais sempre convosco, de acordo com o que quisesteis. A assimilação por automatismos e a transmissão ao subconsciente é o meio de transmissão para a eternidade das qualidades adquiridas, fruto de vosso trabalho [...] A técnica dos automatismos reside em vossa experiência cotidiana, na aquisição de cada habilidade mecânica ou psíquica. [...] Daí todas as diversíssimas capacidades inatas, às quais tanto deve a vida, doutra forma não teriam explicação (UBALDI, AGS, p. 310-311).


Tal é o método desta “arte da educação da alma”. Uma educação que leva em consideração como a repetição constante de algo faz o hábito e se transmite ao subconsciente. A repetição dos atos de defesa deu aos animais o instinto de defesa. Da mesma forma agir moralmente conferirá ao homem hábitos morais, enriquecendo o pensamento e desenvolvendo a inteligência. Assim se pode transformar e moldar a personalidade. É possível plasmá-la seja para o bem ou para o mal. Nosso destino é produzido pelas qualidades que assimilamos e se constitui pelas forças que colocamos em movimento.

Quanto um ato é assimilado, através do hábito, “a economia da natureza o deixa fora da consciência, porque, para subsistir, não mais precisa que ela o dirija” (UBALDI, AGS, p. 307).  Quando uma qualidade é apreendida “também é abandonada aos automatismos, em forma de instinto, de caráter que se fixou na personalidade” (UBALDI, AGS, p. 308 – grifo do autor).

Com a educação e o hábito construímos a nós mesmos, apoiados pelo férreo determinismo da lei de causa e efeito mas onde domina o nosso livre arbítrio “senhor da escolha, que mais tarde, salvo ulteriores correções, vos prenderá, por sua vez, na mesma lei de causalidade” (UBALDI, AGS, p. 311).

 

O Método Introspectivo

Para compreender e conhecer os impulsos que brotam do interior da personalidade Ubaldi propõe o método da introspecção: “... para conhecer o seu mundo interior, ele tem que [...] se concentrar em si mesmo, com calma e silêncio, escutando as vibrações sutis desse outro ambiente subterrâneo” (UBALDI, 2014, p. 180).

Existe um biótipo humano extrovertido, que se dirige par fora, para o ambiente material, onde se realiza a vida e é o mais comum de se encontrar na Terra, “enquanto é mais raro o biótipo introvertido, dirigido para dentro, para o seu mundo interior, onde realiza a sua vida” (UBALDI, 2014, p. 181). Este tipo introvertido, que olha em suas profundezas,

descobre, atrás das aparências exteriores, uma realidade interior mais profunda, atinge o conhecimento da sua verdadeira natureza e do seu destino numa visão de conjunto. Assim ele pode orientar-se a respeito dos gran­des objetivos de sua vida, dirigindo-se inteligentemente por si pró­prio para os atingir, conforme vastos planos maiores, que ao outro tipo escapam completamente (UBALDI, 2014, p. 181).


É um mundo imenso que se estende além das camadas inferiores do subconsciente e revela uma outra história, muito maior, de impulsos superiores advindos do superconsciente.

Eis então que, se os impulsos piores, nos chegam dos baixos níveis da evolução, os melhores chegam desse passado muito mais longín­quo, mas nem por isso morto. Ele está só adormecido, e com a evo­lução, vai despertando e se reconstituindo.  Eis, então, que esta observação introspectiva pode nos revelar toda a nossa história, com tudo o que ela contém, isto é, não somente o nosso passado inferior, mas também o nosso mais longínquo passado superior, do qual decaímos. Eis que essa introspeção pode nos revelar também o que no plano geral da evolução está potencialmente contido, o que quer dizer, também, o seu futuro desenvolvimento, que representa o nosso porvir (UBALDI, 2014, p. 184).


Por meio da introspecção, atravessa-se as camadas inferiores do subconsciente e além delas dilata-se a visão, de um ainda mais vasto inconsciente “que contém um passado mais longínquo, que volta e já alvorece na consciência dos mais evoluídos, na qual ele se revela como antecipação do futuro, percebido pelas intuições do superconsciente” (UBALDI, 2014, p. 184). Por meio da introspecção teremos uma psicanálise muito mais vasta, cujas pesquisas devem

abranger todo o imenso campo do inconsciente, que escapa ao controle imediato do consciente, isto é, deve pene­trar os mistérios da personalidade, não somente no terreno do sub­consciente, mas também no do superconsciente, deve atingir não somente o passado do indivíduo, mas, o que é mais importante, o seu futuro, numa visão de conjunto em que passado e futuro se fundem no mesmo problema. Assim, a penetração psicanalítica do inconsci­ente poderá ser completa, porque atingirá ambos os seus aspectos: o subconsciente e o superconsciente (UBALDI, 2014, p. 184).

Capítulos X a XIII

(CAPÍTULO X – A ÉTICA DO SEXO; CAPÍTULO XI – A ÉTICA SEXÓFOBA DO CRISTIANISMO; O CAPÍTULO XII – O SEXO COMO PROBLEMA ATUAL; CAPÍTULO XIII – AMOR E CONVIVÊNCIA SOCIAL)


Nos capítulos precedentes vimos como Ubaldi faz uma extensa análise da personalidade levando em consideração a estrutura mental desta personalidade, dividida em zonas de consciência e inconsciência (subconsciente e superconsciente). Agora trata-se de seguir com o estudo desta mesma personalidade mas considerando sua natureza biológica sexual. Deste ponto de vista temos a personalidade humana como conjunto de dois elementos biológicos: o macho e a fêmea.

De modo semelhante à psicanálise, mas a partir de princípios bem diversos, Ubaldi considera importante uma reflexão em torno da sexualidade, chegando a afirmar que o sexo (assim como o amor) é um dos pontos nevrálgicos da vida (individual e social) e a solução do problema do sexo significa ajudar a solucionar o problema da convivência social. Sobre este assunto temos os últimos capítulos da obra: Capítulo X – A Ética do Sexo, Capítulo XI – A Ética Sexófoba do Cristianismo, o Capítulo XII – O Sexo como Problema Atual, e o Capítulo XIII – Amor e Convivência Social.

Como Freud viu no fator sexual um aspecto crucial para o desenvolvimento da personalidade, Ubaldi vê na questão sexual um ponto nevrálgico para compreender a vida. Ubaldi aceita, mas sem os mesmos exageros, a orientação psicanalista que ao estudo da personalidade atribui grande valor ao fator sexual. Freud viu no homem apenas o animal, é preciso ver nele também o gênio e o santo.

Do ponto de vista da natureza sexual humana Ubaldi a considera em sua bipolaridade. Tal como existe uma dualidade universal aqui temos uma bipolaridade biológica (macho e fêmea).

Temos a personalidade humana como conjunto de dois elementos: macho (espírito de luta e função biológica da conquista) e fêmea (espírito de bondade e função biológica de proteção e conservação). “O primeiro impulso executa a tarefa da defesa à afirmação e sobrevivência do indivíduo, o segundo assegura a continuidade da raça” (UBALDI, 2014, p. 174).

No macho temos o desenvolvimento da força (agressividade e ferocidade) para lutar contra um ambiente hostil e com o objetivo da vitória e da conquista (domínio territorial e posição alfa). Na fêmea temos o desenvolvimento da proteção maternal, do amor para gerar, pacifismo conservador e submissão ao poder do macho. Mas com um mesmo objetivo: viver para evoluir. “[...] no primeiro caso temos o que foi chamado o sexo forte, e no segundo, o belo sexo. E, de fato, o que é mais apreciado no ho­mem é a força, enquanto na mulher é a beleza. Estas são as quali­dades que um sexo mais procura no outro” (UBALDI, 2014, p. 220).

Deste fato deriva dois tipos de ética: 1) a ética masculina da força, de natureza sexófoba (baseada no instinto da luta); 2) a ética feminina do amor, de natureza sexófila (baseada no instinto do amor).

Trata-se de dois aspectos inversos e complementares da ética humana do sexo e a razão dessa sua estrutura. A história da huma­nidade desenvolveu-se seguindo ora um, ora outro, destes dois tipos de ética. E houve e há povos e raças do 1.º tipo, com a respectiva forma mental, amarrados à ética sexófoba; e houve e há povos e ra­ças do 2.º tipo, com a respectiva forma mental, amarrados à ética sexófila. Agora que observamos as origens, a natureza e a razão deste fenômeno, podemos compreender o problema do sexo e da sua ética (UBALDI, 2014, p. 221).

 

Cientes deste aspecto da natureza humana e animal é possível entender, de um modo geral, o ethos (individual e social), ou seja, o modo de se comportar não apenas individual, mas também de um grupo e até de uma civilização inteira. É assim que encontramos povos com características de guerreiros conquistadores “com virtudes masculinas de força, trabalho e inteligência e com a respectiva forma mental que despreza o amor, da qual deriva uma ética sexófoba” (UBALDI, 2014, p. 221) e também “povos pacíficos, sensíveis, com virtudes femininas de bondade, tranquilidade e sentimento e com a respectiva forma mental que aprecia o amor, da qual deriva urna ética sexófila” (UBALDI, 2014, p. 221).

Na história da humanidade não é difícil perceber que prevaleceu a agressividade, a força. “Então, o que de fato prevaleceu em nosso mundo não foi a rea­lização da moral cristã, mas da moral do mais forte” (UBALDI, 2014, p. 254). Neste nível vigora uma ética sexual de domínio no qual se acredita o direito de estabelecer tudo à sua vontade (de acordo com o próprio egoísmo), ao passo que à mulher, fraca e sem direitos, resta apenas a lei da obediência. Ao macho todos os direitos, de seduzir a mulher e abandoná-la inclusive. “E, também no casamento, o ins­tinto leva o homem a considerar a mulher como sua propriedade” (UBALDI, 2014, p. 254).

A natureza sexual humana está na raiz tanto do instinto de generosidade altruísta que dá sem nada pedir em troca quanto do instinto de cobiça egoísta que de tudo se apodera sem nada retribuir. Através da evolução que é uma Lei da Vida, a segunda deve evoluir para a primeira, o amor deve se tornar cada vez menos egoísmo e cada vez mais altruísmo, o que, naturalmente, não é o caso ainda da humanidade.

Tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista de um grupo, quando há luta temos o tipo de ética sexófoba: “quando um indivíduo ou povo tem de fazer um esforço que lhe é necessário para vencer na luta pela vida, deve concentrar as suas energias, canalizando-as para essa finalidade” (UBALDI, 2014, p. 230). Um tipo de ética ligada não apenas a conquista bélica e militar, mas também econômica e espiritual.

O fenôme­no da sexofobia tem as suas razões e raízes profundas na estrutura das leis biológicas e da psique humana, levada por seu egocentrismo (tudo só para si) à rivalidade ciosa na posse, e por isso pronta a lutar contra todos os outros. Isto sobretudo na posse sexual, pela lei de seleção, reservada aos mais fortes. Essa é a realidade bioló­gica, situada, e muitas vezes despercebida, no fundo desses proble­mas, essa a verdade escondida atrás das afirmações humanas, mesmo quando elas sobem até ao plano filosófico, religioso, teológico (UBALDI, 2014, p. 237).

 

Do ponto de vista da raça, Ubaldi dá como exemplo de ética sexófoba os Estados Unidos e também o nazismo, fascismo e até o comunismo e como exemplo de ética sexófila a França de Luís XV e Luís XVI.

 

O tema em análise prossegue no capítulo XI – A Ética Sexófoba do Cristianismo. O objetivo é explicar o fenômeno da ética que Ubaldi chama de sexófoba na sua forma cristã: a concentração das energias neste caso é dirigida não para uma conquista econômica ou bélica, mas espiritual (elevar-se da animalidade para a espiritualidade).

O Cristianismo aponta para um ideal supremo, uma sublimação espiritual e, por isso, se coloca em contraste com a realidade da vida, que existe no nível inferior e quer assim permanecer. O Cristianismo se opõe a realidade biológica da vida que se baseia na luta para a seleção do mais forte: corta as garras da fera e tira todas as suas armas de defesa. A vida não aceita a posição do cordeiro que se oferece em sacrifício. Já o Cristianismo substitui a força pela inteligência, a lei de talião pela lei do amor.

Todavia, o modo como o Cristianismo tratou a sexualidade incorreu em grave erro, por isso, a ética sexófoba deve ser abolida e abandonada “pelas consequências deformatórias que ela pode produzir na personalidade como neuroses, desvios, complexos etc.” (UBALDI, 2014, p. 282).

Foi Freud quem teve o mérito de trazer à lume o fato de que as energias sexuais, quando não canalizadas devidamente, abrem caminho para os desvios de personalidade e o Cristianismo errou ao tratar o corpo como um inimigo do espírito e origem do pecado.

Só nos níveis inferiores de existência, o corpo é inimigo do espírito, num ambiente em que tudo é luta e rivalidade. Subindo, porém, na escala evolutiva, tudo se harmoniza e irmana, o corpo não é mais uma fera rebelde que é necessário subjugar, uma prisão em que está encadeada uma alma revoltada, mas é uma casa para morar e trabalhar, é o templo onde vive a divina centelha dum espírito evoluído. Então, perde todo o sentido, e se desfaz automaticamente com a evolução o assalto do Cristianismo sexófobo contra o corpo (UBALDI, 2014, p. 280).

 

Um dos aspectos fundamentais do valor da obra de Freud foi o de ter demonstrado a importância da influência do sexo na vida individual e social. “Não se pode menosprezar a função do sexo como elemento equilibrador na formação e na saúde psíquica da personalidade” (UBALDI, 2014, 276).

A repressão dos instintos de natureza sexual não se faria sem consequências morais, sociais e patológicas porque o amor é a mais poderosa força da vida e a psicanalise

revelou-nos os desvios e doenças mentais que o método repressivo da agres­sividade sexófoba pode produzir [...] A ética sexófoba cometeu o erro de separar e contrapor o espírito à carne, fa­zendo de dois amigos que deveriam colaborar, dois inimigos que lu­tam para se destruir um ao outro, quando eles afinal são dois ele­mentos que em nosso ser humano, que é um, têm de viver juntos e, por isso, entre eles deveria existir harmonia e equilíbrio, e não an­tagonismo própria de rivais. Alma e corpo formam, pelo menos en­quanto vivemos na Terra, um composto único, um conjunto maté­ria-espírito. É impossível dividi-los, perigoso contrapô-los. Assim, neste terreno, o Cristianismo, sem querer, seguiu uma concepção errada e patológica da vida, que pode representar um verdadeiro des­vio dos princípios de bondade e amor, que nele são fundamentais. Desta luta entre os dois, espírito e corpo, às vezes o primeiro, em vez de sublimar saiu estropiado, de modo que um método, que no início parecia ótimo, se revelou contraproducente, porque acabava levando para resultados opostos aos previstos (UBALDI, 2014, p. 275).

 

O Cristianismo teve o mérito de trazer a ideia de sublimação espiritual em um ambiente feroz. O conceito de superação da animalidade pela espiritualidade está de pleno acordo com as leis biológicas da evolução. E para isso, não seria possível ao Cristianismo usar o método da bondade evangélica em uma realidade tão feroz, feitos de homens e mulheres prontos para abusar de qualquer liberdade que lhe fossem concedidas. A única forma era o método da imposição à força que, na verdade, é uma qualidade do Anti-Sistema e não Sistema (feito de ordem). “O Cristianismo, para iniciar o trabalho lento de civilizar o homem, não teve outra possibilidade a não ser a de assumir os métodos da ética da luta, os únicos compreensíveis naquele ambiente” (UBALDI, 2014, p. 274). O Cristianismo precisou se adaptar às condições do mundo, usando um método correspondente, impondo-se à força como regra de disciplina.

O Cristianismo se baseia na ideia de sublimação do espírito, mas ao enfatizar o lado negativo desta sublimação, se colocou em contraste com a realidade biológica da vida. “Para atingir a sublimação do amor, foi estimulado e reforçado o instinto de agressividade, que prevaleceu sobre o outro” (UBALDI, 2014, p. 237).

Por não estar devidamente amadurecida a religião rebaixou tudo a seu nível, como é o caso aqui do Cristianismo, transformando a sublimação espiritual em uma perseguição contra a animalidade e, como a animalidade é representada pelo corpo, “o sexo se tornou sinônimo de pecado e a castidade regra ideal de vida” (UBALDI, 2014, p. 240).

O Cristianismo como religião dominante, apesar de pregar a realidade do espírito e a santidade, não era feito apenas de santos. Em seu seio estava também o involuído e a agressividade do biótipo animal (o biótipo evoluído era apenas uma exceção, como no caso de Francisco de Assis), o que gerou uma ética dirigida não contra um inimigo para a conquista de poder mas uma ética que, apesar de ter como objetivo metas espirituais, era uma ética sexófoba, opressora e até antivital.

Para que isto não acontecesse desta forma seria necessário uma maioria de santos. Mas eles eram a grande minoria. Que se poderia esperar de tantos involuídos, pergunta Ubaldi?

A falência do ideal cristão neste terreno está no fato de que, em vez de realizar uma revolução espiritual do amor, o que significa ir ao encontro da vida, o ideal tomou uma atitude negativa ou de perseguição contra o amor, que é o maior impulso vital da existência, o que significa ir de encontro à vida (UBALDI, 2014, p. 241).

 

O anseio de sublimação do Cristianismo gerou uma ética sexófoba em que ao invés de as canalizar no sentido da subida

em vez de ser incremento de vitalidade em favor do espírito, pela imaturidade da maioria dirigida como agressividade antivital contra o corpo, acabou, sem querer, canalizando as energias comprimidas pela falta de desafogo sexual, no sentido da ferocidade perseguidora, da doença mental, dos complexos psicológicos, dos instintos torcidos, dos desvios e substitutos eróticos (UBALDI, 2014, p. 242).

  

Se por um lado o objetivo do Cristianismo era a sublimação espiritual, por outro o que prevaleceu foi o instinto de luta. O Cristianismo, sobretudo nos séculos tenebrosos da Idade Média, não conhecia as leis da realidade biológica e psicológica e, por isso, não pôde compreender

que era melhor pro­curar aproximar-se da atuação do ideal, por degraus, evolvendo, e não agredindo a animalidade para destruí-la, respeitando e não for­çando a natureza, passando pelo caminho do aperfeiçoamento natu­ral do amor desde os seus níveis inferiores, ajudando e não opri­mindo a evolução, sem excitar as perigosas reações da vida, a sua revolta, a isto constrangida porque ofendida num dos seus pontos mais importantes (UBALDI, 2014, p. 243).

 

As consequências desta ignorância (ainda que lógicas) pesam até ho­je sobre a estrutura psicológica da sociedade moderna. Era necessário enfrentar o problema da sublimação dos instintos com inteligência e conhecimento, levando em conta as exigências fisiológicas. Suprimir de forma abrupta era exigir demais e por isso a humanidade enveredou por um terreno de areia movediça, de contorção da verdade e depravação dos instintos o que deveria ser impulso para a ascensão. “Desenvolveu-se e aperfeiçoou-se o método da hipocrisia dos aparentemente puros, com a qual, por caminhos oblíquos, se vai evadir, às escondidas, da agressividade sexófoba dos pregadores de virtude” (UBALDI, 2014, p. 243).

A su­blimação mística se tornou uma forma de perseguição sádica do cor­po, com todos os seus castigos infligidos à carne (penitência, flage­lação, cilícios)  Dessa repressão sexófoba nasceram os erotismos torcidos, a sua degeneração no sadismo e masoquismo, ou a explo­são dos instintos comprimidos e corrompidos, em forma de psico­ses individuais e coletivas. Isto por se ter à força exigido demais de indivíduos imaturos, por não se ter compreendido que a sublima­ção do espírito não se pode atingir com uma agressividade destrui­dora da vida, mas educando-a e ajudando-a a levantar-se. Nasceu assim um Cristianismo às avessas, que não vai ao encontro da vida, vitalizando, mas de encontro a ela, destruindo. Prevaleceram, assim, disfarçadas como forças do bem, as do mal. Não se pode destruir o amor, sem destruir o impulso fundamental da existência, o que é ir contra Deus. Assim, chega-se ao suicídio, não à elevação espiri­tual. Não há dúvida de que a tarefa fundamental da evolução é de sublimar esses impulsos; mas é erro grande, que se paga caro, o de querer destruí-lo (UBALDI, 2014, p. 246).

 

Prevaleceu aqueles que utilizavam a religião para sua vantagem material, como uma escola de hipocrisia, que vigora até os dias atuais. E o terreno onde mais prevaleceu este método de fingimento foi o do puritanismo sexófobo com suas respectivas proibições, o que é natural que assim aconteceria em uma realidade onde dominava a vida inferior da animalidade.

 No Cristianismo da Idade Média prevaleceu a ideia de satanização do amor, mais especificamente da relação sexual (que faz parte das leis da vida tanto quanto o amor), tornando-o algo como culpa e pecado. Temos então os conceitos de amor-culpa e sexo-pecado gerado pela ética sexófoba. Prevaleceu a visão de negatividade em respeito ao maior impulso da vida, ao invés da ideia de sublimação espiritual e do princípio de geração e continuação da vida que se realiza através do instinto do amor. “Assim, o estímulo para a evolução se emborcou, torcido, em sentido antivital” (UBALDI, 2014, p. 250).

O problema é que, em se tratando de uma realidade biológica e psicológica da vida, o amor, como instinto, “se torna tanto mais poderoso quanto mais é comprimido, e tanto mais reage quan­to mais é agredido com condenações” (UBALDI, 2014, p. 250).

 Este tema encerra com o capitulo XII – O Sexo como Problema Atual. Os dois grandes eixos sobre os quais Ubaldi encerra essa discussão são: de um lado, o Cristianismo com o seu ideal de sublimação espiritual e, de outro, a realidade biológica e o nível de evolução atingido pela raça humana. Com a civilização, as leis biológicas da vida diminuíram os instintos de ferocidade e agressividade, fazendo com que as energias se dirigissem no sentido sexual e canalizando estas energias em favor da multiplicação da vida. E os problemas da civilização atual não serão resolvidos com sistemas repressivos do instinto do amor que é fundamental na vida. Para resolver o problema é preciso equacioná-lo de outra forma. A resolução do problema está no amor, mas não na sua repressão, e sim no reconhecimento de que o amor é tanto uma necessidade fisiológica quanto uma necessidade nervosa e espiritual. O amor tem uma dupla função: em favor da espécie e em favor dos indivíduos. Um amor que cumpre a função da geração da espécie e do bem estar individual. Um amor concebido biologicamente como função animal reprodutiva e como geração espiritual na qual se fundem duas almas, onde a sexualidade aparece também para além de sua função de multiplicação da espécie.

E assim temos preparado o caminho para o último capítulo da obra, o capítulo XIII – Amor e Convivência Social. O Cristianismo tem um papel fundamental nesse processo: transformar o egocentrismo individual, através do método da bondade evangélica e do ideal de sublimação espiritual, na força criadora divina do amor, não apenas como manifestação biológica sexual, mas impulso dirigido para a evolução dos indivíduos e da espécie.

Existem indivíduos que se movem principalmente com base nos instintos, no campo da fome e do amor e por isso se ocupam unicamente das funções de conservação individual e da espécie, mas há indivíduos que se ocupam da função de progredir, como o herói, o santo, o gênio, o mártir, o místico.

Os evoluídos são os heróis do espírito, que souberam sublimar seus instintos porque já haviam atingido o amadurecimento espiritual necessário. Mas as religiões nem sempre souberam entendê-los e, por isso, enquadraram os princípios dos heróis do espírito assimilando-os de acordo com a sua forma mental.

E aqui temos um aspecto fundamental da ética ubaldiana, que se confunde com a ética cristã: uma ética baseada no amor, o amor como força da vida, como energia divina, sexual e espiritual, que transforma o animal em anjo: “um amor que aplaca os ódios, abranda a agressividade, acalma as invejas, a cobiça, o orgulho, tranquiliza e serena a alma, gerando paz onde há guerra, alegria onde há dor, ordem e harmonia no indivíduo como na sociedade” (1988, p. 147). Além disso, “Não é o alto nível econômico e o padrão de vida, nem é o poder político, ou a supremacia bélica, ou o domínio do mundo, que podem sanar o mal, mas só um amor que nos encha de simpa­tia para com todos os seres e nos devolva a perdida alegria de viver” (1988, p. 147).

Amor que não é apenas uma necessidade fisiológica do indivíduo (necessário à geração), mas nervosa e espiritual. O amor tem uma dupla função: em favor da espécie e em favor do indivíduo.

Uma necessidade que não pode ser reprimida, como pretendia a ética sexófoba do Cristianismo. Não se pode comprimir o instinto do amor e, consequentemente, o sexo, que é fundamental na vida. Se for comprimido, ele procurará uma saída, “estourará” dependendo do caso, com característica patológica, representando grave perigo e caminho aberto para os complexos e doenças mentais.

A ética sexófoba ou reprime, desviando a energia sexual para caminhos patológicos ou canaliza para a agressividade

É necessário compreender, ajudar, desenvolver o impulso do amor, e não agredi-lo, para o suprimir. Ele é o princípio da gênese e também da restauração individual. Perseguindo-o, colocamo-nos do lado das forças destruidoras, atentamos não somente contra a vi­da da espécie, como também contra a vida do indivíduo. As civili­zações futuras reconhecerão e garantirão sempre o amor, como um direito à satisfação de uma das fundamentais necessidades da vida. É necessário, então, um amor completo, e não somente a metade, um amor que cumpra ambas as funções: não somente a função (UBALDI, 2014, p. 264) em fa­vor da espécie, mas também a função em favor do indivíduo (UBALDI, 2014, p. 265).

 

O trabalho que temos pela frente é imenso, pois se trata de transformar a atual psicologia comum do amor herdeira de uma tradição milenar que ao conceber o amor apenas como função animal reprodutiva gerou a concepção de sexo como pecado. É um trabalho que deve ser realizado por etapas, como se fosse necessário escalar um monte, um passo após o outro.

É necessário ir além da concepção medieval, conceber o amor como função de geração espiritual, no qual se fundem duas almas, onde a sexualidade não é vista de forma negativa, mas positiva, com uma função que vai além da mera geração.

Precisamos aperfeiçoar, espiritualizar a noção de sexualidade. O Cristianismo caiu no erro de não levar em conta esta realidade biológica, lançando-se contra a animalidade para destruí-la, ao invés de ajudá-la a subir, reconhecendo que o amor é impulso para a construção da espiritualidade. “O erro foi exigir a realização de um modelo espiritual quase inconcebível para o biótipo comum, e de impô-lo à força, com o método da agressividade, que é o mais contraproducente e o que está mais nos antípodas do verdadeiro espírito cristão do amor” (UBALDI, 2014, p. 267).

Essa visão oriunda da ética sexófoba “espiritualmente, representa um fracasso” (UBALDI, 2014, p. 237). O objetivo era a ascensão para o alto e a elevação do espírito, mas o resultado atingido foi o oposto: “uma descida para os impulsos inferiores que o Cristianismo combate, um retrocesso involutivo” (UBALDI, 2014, p. 237).

Mas é preciso também não cair no outro extremo. O sexo não representa a totalidade do amor. O sexo é força biológica da vida, no entanto, sustentar que possa representar todo o conteúdo do amor “significa viver exclusi­vamente no plano da animalidade” (UBALDI, 2014, p. 266).

Existem formas de amor que vão além do sexo. Um amor que o biótipo involuído, ou até mesmo normal, pode não alcançar. Um amor que tem como objetivo maior a ascensão e que se não for dirigido para este fim

esta força tão poderosa to­mará o caminho da agressividade e da luta, desafogando-se, descen­do e não subindo. Então iremos contra o verdadeiro espírito do Cristianismo, cuja tarefa é a de melhorar as condições de vida, amansando a fera e suavizando as relações sociais, para se chegar à pacífica colaboração. Por isso é necessário canalizar as energias no sentido do amor, bem entendido, e nunca no da agressividade. Mas é mister compreender que ele contém alguma coisa mais do que so­mente o sexo e a função animal da reprodução (UBALDI, 2014, p. 266).

 

Assim se pode compreender porque o Evangelho pareça uma meta longínqua ainda a atingir e pareça uma mera utopia inclusive na vida atual. “No presente estágio de evolução da humanidade ainda vigoram leis bem diferentes daquelas biológicas mais evoluídas, do Evangelho” (UBALDI, 2014, p. 274).

E como parte desta meta longínqua representada pelo Evangelho, o amor precisa ser reabilitado, ou seja, colocado no seu devido lugar de força criadora e divina ao invés de condenado como pecado, impulso positivo do bem ao invés de impulso negativo do mal, de ódio, agressividade ou culpa, sendo necessário, portanto, desenvolver e não suprimir o amor. “Qualquer agressão e tentativa de destruição neste sentido significa ir de encontro à vida, e não ao seu encontro” (UBALDI, 2014, p. 276). Um amor que embeleza a vida, que aplaca ódios e abranda a agressividade, “acalma as invejas, a cobiça, o orgulho, tranqüiliza e serena a alma, gerando paz onde há guerra, alegria onde há dor, ordem e harmonia no indivíduo como na sociedade (UBALDI, 2014, p. 278).

“Da mesma forma, ao estado orgânico da sociedade humana, mais que com sistemas exteriores políticos e sociais, se po­derá chegar pelo amadurecimento evolutivo dos indivíduos conside­rados isoladamente, que desenvolverão as qualidades necessárias para que saibam viver, funcionando como elementos constitutivos de uma sociedade orgânica. O ser humano terá de se educar nessas no­vas formas de coexistência, mais adiantadas do que as atuais. Isto não é desprezo ou condenação do estado presente. É um convite para civilizar-se que se faz, porque representa uma imensa vanta­gem para todos” (UBALDI, 2014, p. 279). 

Referências

UBALDI, Pietro. A Grande Síntese: síntese e solução dos problemas da ciência e do espírito. Tradução de Carlos Torres Pastorino e Paulo Vieira da Silva. 24. ed. Campos dos Goytacazes-RJ: Instituto Pietro Ubaldi, 2017.

UBALDI, Pietro. Ascese Mística. 3. ed. vol. 20. Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1988. Vol 4.

UBALDI, Pietro. A Nova Civilização do Terceiro Milênio. Tradução de Oscar Paes Leme. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1982. vol. 7

UBALDI, Pietro. Queda e Salvação. 3. ed. Campos dos Goytacazes-RJ: Instituto Pietro Ubaldi, 1984. vol. 19

UBALDI, Pietro. Princípios de uma nova ética. 3. ed. vol. 20. Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1988. 24 vol. vol. 20


Princípios de uma Nova Ética faz da parte das obras que Ubaldi escreveu no Brasil. Ubaldi escreveu um total de 24 obras sendo a primeira considerada como base do seu pensamento intitulada: A Grande Síntese. Depois desta obra, escrita na Itália, várias outras se sucederam, divididas em trilogias. As obras escritas no Brasil compõem a parte restante do pensamento de Ubaldi, das quais Princípios de uma Nova Ética é uma das últimas.