TEILHARD DE CHARDIN E A LEI DE COMPLEXIDADE E CONSCIÊNCIA

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em out. 2022

 

A cosmovisão evolutiva em Teilhard de Chardin está diretamente relacionada com a ideia de ascensão da não vida (cosmogênese) à vida (biogênese) e ao pensamento (noogênese). Para explicar essa ascensão, Teilhard de Chardin fala da Lei de Complexidade e Consciência. A Lei de Complexidade e Consciência “É uma lei de ascensão composta pelas variantes da complexidade e da consciência: à medida que a complexidade organizada cresce (o fora), a consciência (o dentro) se aprofunda e vice-versa” (SOUZA, 2007, p. 60).

A complexificação significa que a evolução está submetida a uma complexidade crescente: “O mundo se desenvolve do simples ao complexo (isto é, a evolução caminha para formas cada vez mais organizadas)” (CUNHA, 2018, p. 90). A complexidade dos fenômenos envolve um grande número de elementos, desde os átomos, moléculas e células até vegetais, animais e o ser humano. Acontece que o processo de complexificação dos seres vivos ocorre simultaneamente a um processo de interiorização, de modo que se pode dizer, que “O grau de interioridade das coisas, ou de consciência, relaciona-se ao grau de complexificação das mesmas; isto é, a consciência é tida como um efeito específico da complexificação” (CUNHA, 2018, p. 90).

A lei de consciência (ou lei de interiorização) refere-se “à interioridade das coisas, que por um movimento de centralização vai adquirindo formas sempre mais complexas de organização em todas as unidades cósmicas” (SOUZA, 2007, p. 60). Como face interior, a consciência desenvolve-se em “relações de qualidade que enobrecem e se unem graças a uma força sintetizadora – seja ela estatística, determinista, celular, reflexiva ou espiritual” (KOZECHEN, 2020, p. 149). Por consciência, Teilhard de Chardin (1970, p. 36) a entende “na sua acepção mais geral, para designar qualquer espécie de psiquismo, desde as formas mais rudimentares de percepção interior que se possa conceber, até ao fenômeno humano de conhecimento reflexivo”.

A consciência está presente desde a matéria elementar, embora se manifeste de modo explícito apenas no ser humano. Por isso podemos dizer que, para Teilhard de Chardin, a natureza não é morta e podemos falar de um dentro das coisas que representa um domínio ainda não totalmente descoberto ao passo que o fora das coisas é a face estrutural da realidade, do domínio das ciências e da técnica.

De acordo com a Lei de Complexidade e Consciência “a matéria avança e constrói unidades cada vez mais organizadas e complexas (SOUZA, 2007, p. 70). A ação dessa lei impulsiona a matéria, realizado um movimento de centrocomplexificação que irá posteriormente culminar na vida e na consciência, como veremos agora.

 

Complexificação da Vida e da Consciência

O mundo mineral é bem menos complexo em suas combinações elementares, se comparado com o mundo dos seres vivos. Pouco a pouco a complexidade química dos elementos vai aumentando, os elementos vão se diferenciando com a polimerização, ou seja, a formação de macromoléculas pela união de substâncias simples. A química inorgânica dá lugar a química orgânica até que a vida surge sobre a Terra com a passagem da molécula para a célula. A vida propriamente dita começa com a célula, o grão natural da vida, uma “unidade química e estruturalmente ultracomplexa” (CUNHA, 2018, p. 95). As consequências dessa mudança são bastante significativas para o desenrolar da evolução na Terra. “O aparecimento e desenvolvimento da vida é discutido doravante, em O Fenômeno Humano, de modo surpreendente: a ênfase põe-se no nascimento das células desaguando nos movimentos elementares da vida” (CUNHA, 2018, p. 94). De qualquer forma, “sob qualquer aspecto que o consideremos, o mundo celular nascente revela-se como já infinitamente complexo” (CUNHA, 2018, p. 96).

Seguindo essa escalada evolutiva, no tempo certo e em condições favoráveis, a vida atinge um ponto crítico que marca uma mudança de estado. A vida se expande sob a superfície da Terra, ramifica-se no que Teilhard exemplificou com a Árvore da Vida. A vida explodiu quando e onde as condições a tornaram possível, expandindo-se tanto quanto pôde, sendo uma decorrência do processo de complexificação dos corpúsculos vivos. Nesse processo de ramificação a vida se expande a partir de seis movimentos elementares, como aponta Cunha (2018, p. 98-101): reprodução (assexuada ou sexuada), multiplicação, renovação, conjugação, associação e aditividade dirigida (complexificação dirigida para a encefalização). Os seres vivos se reproduzem, multiplicam-se, renovam-se: “As renovações possibilitadas por cada reprodução fazem mais do que substituir-se mutuamente: acrescentam algo de novo, instaurando diferenciação em um sentido determinado (o da complexificação – evolução biológica)” (CUNHA, 2018, p. 101). Além disso, os seres vivos se unem (conjugam) por uma combinação de caracteres genéticos e se associam (se agrupam), como consequência inevitável da multiplicação. Finalmente, pela aditividade dirigida, a substância viva eleva-se a novas formas: irrompe o psiquismo, surge o humano, o pensamento reflexivo que irá constitui a última camada da Terra: para além da Biosfera, surge a Noosfera: “Será o pensamento reflexivo do ser humano que personalizará o Universo, formando e modificando essa película de pensamento circundante à Terra” (CUNHA, 2018, p. 101).

Com a Árvore da Vida, a Terra passa a se revestir das inúmeras espécies de plantas e de animais. “Nesta exuberância de organismos, de espécies, de formas superiores de vida, na linha condutiva do processo evolutivo e de diferenciação, permanece a equivalência onde um determinado grau de complexidade corresponde a um grau de interioridade” (SOUZA, 2007, p. 77).

Finalmente a complexificação da vida conduz ao surgimento da consciência: “se a consciência aflora de maneira evidente no ser humano, é porque se encontra, de modo inapreensível, em toda parte, prolongando-se indefinidamente nos eixos do tempo e do espaço” (SOUZA, 2007, p. 62).

No mundo animal aparece um novo grau de complexidade e de consciência, um novo parâmetro para a Evolução: o gânglio cervical nos insetos, o cérebro nos vertebrados, o desenvolvimento do sistema nervoso central.

Nos seres vivos e, sobretudo no ser humano, o grau de complexidade é dado pelo desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso central. “A evolução remete ao processo de encefalização – ela pode ser tida como uma marcha rumo ao espírito (sendo o sistema nervoso considerado o aparato orgânico da consciência)” (CUNHA, 2018, p. 102). Assim, podemos dizer que para Teilhard de Chardin, toda a evolução pode ser compreendida como o desenvolvimento de uma complexidade crescente que culmina na consciência. “No momento em que aparece o ser humano, o processo de interiorização, de reflexão, se aprofunda. A interiorização de si mesmo pode ser tida como individualização máxima. Assim, o que caracteriza a pessoa é seu poder reflexivo, a consciência de si” (CUNHA, 2018, p. 103).

O surgimento do ser humano não representa apenas um novo elo na escala evolutiva, mas algo absolutamente diferenciado, uma forma auto reflexiva. “Evolução = Ascensão de consciência [...] Cada vez mais complexidade e, portanto, cada vez mais Consciência” (TEILHARD DE CHARDIN, 1970, p. 265-266).

Para Teilhard, com o surgimento da capacidade de reflexão se ultrapassa mais um ponto crítico da Evolução com uma nova mudança de estado: “após o grão da Matéria, após o grão da Vida, eis o grão do Pensamento enfim constituído” e com ele a gênese da Noosfera. A noosfera tem origem por um processo exatamente igual ao surgimento da vida, devido a um enrolamento conjugado172 da consciência sobre si mesma (CUNHA, 2018, p. 66).

Referências 

CUNHA, Mariana Paolozzi Sérvulo da. Aspectos da personalização do universo em Teilhard de Chardin: da individualização e multiplicidade da vida à ipseidade do ser humano. Filosofia e História da Biologia, v. 13, n. 1, p. 89-107, 2018. Acesso em: 30 set. 2022.

KOZECHEN, Mateus; ALMEIDA, Rogério Miranda de. Matéria e Consciência em Teilhard de Chardin: da complexidade à convergência. Helleniká – Revista Cultural, v. 2, n. 2, p. 147-161, jan./dez., 2020.

SOUZA, Maria Aparecida de. Criação e Evolução: em diálogo com Teilhard de Chardin. Dissertação (Mestrado em Teologia), Programa de Pós-graduação da Faculdade de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, 2007.

TEILHARD DE CHARDIN, Pierre. O Fenômeno Humano. 3. ed. Porto: Livraria Tavares Martins, 1970.