O AMOR-ENERGIA E A MORAL ENERGÉTICA TEILHARDIANA

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em jun. 2016


Numa época em que muito se fala em diferentes formas de energia: energia elétrica, energia nuclear, solar, eólica; estamos propondo uma reflexão para uma ação ética transformadora da realidade tendo como ponto de partida uma “energética humana” (e aqui é válido também a analogia com a ideia de que a energia deve ser sempre entendida em sentido dinâmico e nunca estático), a energia amorosa que se manifesta no interior da nossa psyché, principalmente o amor como sentimento que pode ser traduzido pelo ideal cristão, o amor ágape, sobretudo a partir do pensamento do um padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin.

A ciência moderna estabeleceu as interações entre os corpos como decorrentes de quatro grandes forças: força gravitacional, eletromagnética, força nuclear fraca e forte. Para cada uma dessas forças existem modelos matemáticos correspondentes. Ainda não se descobriu um modelo matemático único que pudesse unir tais forças. Ora, não podemos conjecturar a hipótese de uma “quinta força”, de natureza psíquica e que possibilita as conexões regidas pelo pensamento, pelas nossas emoções e presente, inclusive, nos nossos sonhos? É verdade que a ciência está longe de dar a última palavra neste assunto, mas também é verdade que a psicologia tem dado grandes contribuições nessa área, sobretudo na psicanálise, ao analisar as relações energéticas entre o inconsciente e o consciente. Os fenômenos psíquicos são de tal forma importante que são eles que formam a base das relações humanas. Ocupar-se de uma “energética humana” – a expressão é de Teilhard – será o futuro das ciências da mente e da psyché. Penetrar no funcionamento complexo da psiché humana é o grande desafio da ciência moderna.

 

L’Amour-Énergie e a Moral Energética Teilhardiana

Antes de avançarmos na compreensão da temática proposta é interessante fazer notar que fazemos parte de uma tradição filosófica que tem privilegiado, durante os dois últimos milênios, o aspecto racional do ser humano, o que pode até justificar a estranheza que um tema como este pode causar em alguns espíritos bastante crédulos quanto a capacidade reflexiva e crítica do ser humano, mas demasiado incrédulos para atribuir as nossas emoções um caráter fundamental na constituição do ser humano. Todavia, a grandeza de alguns filósofos dos quais somos herdeiros diretos, conseguiu destacar o papel que nossas emoções, ou de modo ainda mais específico, o amor, desempenha, na construção da vida.

Vejamos um pouco do que a tradição filosófica nos revela. Em Platão, a alma se eleva a contemplação da beleza suprema e perfeita, por meio de uma bem orientada pedagogia amorosa; por meio do amor (entendido no seu mais alto grau, o grau superior e fim de todos aqueles que praticam a boa via), a alma atinge o conhecimento da Beleza em si, pura e simples, sem mistura, a Beleza Divina. Os diálogos de Platão, cujo tema central é o Amor são: Banquete e Fedro. A princípio, o homem é conduzido, através das coisas belas em gradação regular, mas quando o homem alcança corretamente a “via amorosa”, este homem alcança o conhecimento de uma certa beleza, de uma natureza maravilhosa, aquela que é justamente a razão de ser de todas as outras belezas, que existe em Si e por Si e da qual participam todas as demais coisas belas. Beleza suprema que jamais aumenta ou diminui e jamais sofre alteração de qualquer espécie, pois é a Beleza Absoluta.

Para o filósofo e teólogo da patrística medieval, Santo Agostinho, o amor está na base das mais puras realizações do espírito humano: ama, et fac quod vis – ama e faça o que quiseres. Na modernidade, o cogito cartesiano não pode ser visto meramente do ponto de vista racional. O eu cartesiano não é apenas um eu que pensa, mas um eu que quer, que sente, ama e deseja. Bem conhecida é a máxima, embora talvez não o seja o seu autor, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, do filósofo e matemático, Blaise Pascal. E o que dizer então dos representantes do romantismo alemão? – Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto). Schelling, Goethe, Höderlin, Herder. Uma das características mais importantes do Romantismo era o amor pela natureza e por sua mística. A natureza não era um mecanismo morto, mas, se assim podemos dizer, o espírito vivo do mundo.

Para não tornar a lista demasiado extensa, resta-nos destacar o pensamento de um filósofo, contemporâneo à Teilhard e cujo pensamento dele se aproxima em diversos pontos, a saber, Henri Bergson. Nossas emoções representam um papel crucial em todos os níveis de criação humana, como podemos perceber através de suas palavras:

Não nos parece duvidoso que uma emoção nova esteja na origem das grandes criações da arte, da ciência e da civilização em geral. Não apenas porque a emoção é um estimulante, mas porque incita a inteligência a empreender e a vontade a perseverar [...] Criação significa, antes de tudo, emoção (BERGSON, 1978, p. 36 e 37).

Voltemos então nossas atenções agora para o nosso autor, Teilhard. Para o amor na visão teilhardiana. Antes de analisarmos em maiores detalhes, vejamos uma citação sua:

Do amor nós não consideramos habitualmente (e com sofisticação analítica) senão a face sentimental : as alegrias e as dore que ele nos causa. É em seu dinamismo natural e em seu significado evolutivo que eu sou conduzido à estudá-lo aqui, a fim de determinar as últimas fases do fenômeno humano (CHARDIN, 1955, p. 293, tradução nossa).

O amor representa uma propriedade geral de toda a Vida, e se apresenta em diferentes graus, nos ramos da Árvore da Vida, da evolução, seja através da paixão sexual, instinto paterno, materno, solidariedade social, etc (CHARDIN, 1955, p. 294). Mas o amor em Teilhard não se limita a um fator subjetivo da pessoa, senão que está presente no universo inteiro, como energia cósmica personalizante e universal, embora seja na pessoa que ele manifesta todo o seu esplendor e força. O amor está presente em todas as coisas como constitutivo delas. O amor não é exclusivo do homem, mas, como dissemos, uma propriedade geral de toda a Vida. “[...] é um fato indiscutível que no homem e também no animal o amor está presente. Logo, está presente em todo o Universo, muito embora em formas e graus diferentes” (NOGARE, 1970, p. 132). O amor representa, em todos os níveis, a força evolutiva de complexificação e de conscientização.

Disponível em: Marie-Joseph Pierre Teilhard de Chardin (Acessado em: 27/05/2016)

Assim deve ser entendido – mais do que entendido, sentido –, o amor: como energia interna, psíquica, que Teilhard chama de energia espiritual. Teilhard fala de uma energética humana. De um conhecimento além de toda Física, de toda Biologia e Psicologia que possa manifestar a verdadeira essência deste sentimento que está na base de todas as profundas transformações religiosas pelas quais passou a humanidade.

Quer queiramos ou não, todos os indícios e todas as nossas necessidades convergem no mesmo sentido : é necessário, e somos irresistivelmente levados a esta construção, por meio e além de toda Física, de toda Biologia, e de toda Psicologia, de uma Energética humana. E é no curso desta construção já obscuramente iniciada que nossa Ciência, por ter sido levada à se concentrar sobre o Homem, vai se encontrar ainda mais face à face com a Religião (CHARDIN, 1955, p. 315, tradução nossa).


O homem – protagonista e portador da evolução – pode escolher diversos caminhos para levar à termo sua evolução. O caminho do isolamento, de quem se fecha em seu próprio egoísmo, individual ou de raças, ou o caminho da unificação de todos os povos, um super-arrangement – uma megassíntese –, na terminologia de Teilhard.

Assim se coloca o problema do amor. Não estamos vendo diante de nós que só o amor prende e une os seres radicalmente, retirando-os do fundo de si mesmos, completando-os, terminando-os enquanto seres? Não é no momento em que dois seres dizem-se perdidos um no outro que alcançam a mais completa posse? Será que perdem sua personalidade ou, ao contrário, não será que a potencializam no momento em que se totalizam? E por que aquilo que ocorre cotidianamente em escala reduzida não se repetiria um dia ao nível da terra?

O caminho que leva à constituição da megassíntese final é, portanto, o amor (MONDIN, 1979, p. 60).


Vejamos agora como esta energia amorosa pode ser convertida na única força que pode impelir o homem para um tal empreendimento.

O Amor como Energia Propulsora para uma Ação Ética Transformadora

Como vimos, o homem é portador da evolução, ou seja, o homem se torna responsável pela evolução e pelo seu êxito. A evolução subordina-se, assim, à liberdade humana. “Até o homem, os seres, ignorando sua força e seu futuro, trabalhavam inconscientemente (e por conseqüência, fielmente) para o progresso geral da vida...” (NOGARE, 1970, p. 71). No homem surge a liberdade, liberdade de prestar-se ou de recusar-se. Somente o homem poderia dizer “não à vida”, enfraquecendo assim o élan vital, o impulso criador. A revolta está constantemente a ameaçar o homem e o Universo mesmo. “A todo instante, o homem tem que optar, ter que dizer “sim” ou “não” à Vida, que, assim, fica dependendo desta contínua opção da liberdade humana” (NOGARE, 1970, p. 72). Por outro lado, o homem pode intensificar, acelerar o processo de evolução, em virtude desta mesma liberdade e em virtude do potencial energético que traz dentro de si, em virtude da capacidade de amar.

Fora da “mística” e seus analistas, como é que a psicologia pôde ter ignorado tanto esta vibração fundamental cujo timbre, para um ouvido treinado, se distingue na base, ou melhor, na parte superior de cada grande emoção? Ressonância em Tudo: nota essencial da Poesia pura e da pura Religião (CHARDIN, 1955, p. 296, tradução nossa).


No prolongamento do fenômeno humano, no centro das investigações científicas e filosóficas, deve-se orientar numa perspectiva de uma “humanização progressiva da Humanidade” (NOGARE, 1970, p. 33). Esse progresso da Humanidade, para realizar-se, daqui por diante, depende, fundamentalmente, deste élan, desta força amorosa presente em todas as coisas como constitutiva delas mesmas.

Transformar, criar, re-criar o Mundo, a Vida, a totalidade da Vida. Com uma ação perene e constante, até tudo transformar. A fuga do mundo não é mais justificada, porque o mundo somos nós, nós que o fazemos, o transformamos e o modificamos e faz parte do “projeto” humano o de dar sua contribuição na realização total da evolução, o de levar a termo o aperfeiçoamento do universo. “O princípio dominante, a pilastra principal da espiritualidade teilhardiana reside na valorização da ação, do trabalho, da profissão, em suma, de todas as obras humanas. Teilhard acentua incessantemente o valor do trabalho” (MONDIN, 1979, p. 63). O trabalho e a ação através do amor, dessa energia psíquica interna, que está na base das mais profundas realizações humanas, seja no campo da arte, da religião, da filosofia ou da ciência. “O Concílio Ecumênico tinha anunciado solenemente: ‘Está nascendo um novo humanismo, no qual o homem se define, em primeiro lugar, por sua responsabilidade diante de seus irmãos e da história’ (Gaudium et Spes)” (NOGARE, 1970, p. 39).

O amor, enfim, não representa apenas uma relação exterior, extrínseca entre os seres, que culminaria numa simples integração de uns pelos outros, mas “[...] é um fator de organização, de construção, de criação. É a própria força de complexificação e conscientização. De forma tal que Teilhard pode escrever que a Evolução é Amorização. E alhures declara solenemente: ‘É um amor que constrói fisicamente o Universo’” (NOGARE, 1970, p. 130).

Com base em sua própria experiência mística e pessoal, Teilhard afirma, sem hesitação, que o amor é a mais poderosa força que deverá conduzir, doravante, a evolução humana. Naturalmente se poderia perguntar: se o Amor tem toda esta força, porque produziu tão pouco durante milênios de evolução de lutas contínuas e muitas vezes bárbaras? Ao que se poderia dizer que existem duas formas perfeitamente distintas de exteriorizar esse potencial interior humano e que determinam profundamente o nosso modo de se relacionar com o mundo; uma exterior, em que os ensinamentos de uma dada religião assumem apenas uma forma ritual e aparente, e uma interior, em que tais ensinamentos são verdadeiramente absorvidos pelos seus fiéis, no sentido de um comprometimento sincero e devotado na prática do bem e do amor ao próximo. Ora, o que observamos, durante estes dois milênios de cristianismo, é uma predominância da primeira sobre a segunda, o que explica, em parte, as grandes contrariedades observadas no interior mesmo daquela que se pretende representante de Cristo na Terra. É contra esta prática exterior que devemos usar todos os instrumentos de que dispomos, para tornar público todos aqueles que, sob a égide da mais pura e sublime moral, escondem-se como verdadeiros lobos em pele de cordeiro. São, no dizer do Evangelho, sepulcros caiados por fora, mas podres por dentro.

Mais uma vez é possível fazer uma análise comparativa entre as ideias de Teilhard e as ideias do filósofo francês Henri Bergson em relação a moral e a religião: a moral fechada e a moral aberta; a religião estática e a religião dinâmica. O contraste entre o eu de superfície e o eu profundo marcam todo o bergsonismo. Bergson reconhece e aponta que a maioria dos homens vive apenas no eu de superfície, atravessando a existência sem jamais experimentar a verdadeira liberdade. Liberdade que transparece na ação criadora dos reformadores, dos santos, dos místicos, que rompem as barreiras da moral e da religião fechada, para criarem, além dos preceitos cristalizados, os horizontes abertos de uma religiosidade e de uma moral que brotam das vivências profundas do eu (veja mais acessando o link: Henri Bergson: moral fechada e mora aberta).

O que interessa para a nossa civilização atual é não apenas a conquista do espaço, mas, fundamentalmente, a conquista da honestidade. De uma honestidade que tem como consequência direta e fundamental fazer aos outros aquilo que gostaríamos que se fosse feito para nós mesmos. E que é consequência direta e fundamental do amor ao próximo como a si mesmo. “Um homem desonesto permanecerá sempre um perigo social, em qualquer partido ou religião, à qual pertença” (UBALDI, 1988, p. 48).

Enquanto vigorar a atual psicologia da hipocrisia, da desonestidade e do egoísmo; enquanto o homem for um lobo para o próprio homem, serão inevitáveis os sofrimentos e os choques que daí resultam. Ao homem é necessário uma forma mental de compreensão e colaboração de difícil assimilação, aos hipócritas e desonestos, fundamental para se atingir relações humanas mais “sociais”.

O homem teilhardiano, portador e protagonista da evolução, aquele que se compromete com o futuro da humanidade, exige virtude antes de tudo em si mesmo. Os hipócritas, pela sua forma mental diferente, são levados a exigir virtude antes de tudo nos outros, porque a sua ética é de luta, para os sobrepujar. O primeiro procura a honestidade antes de tudo em si mesmo, para benefício dos outros, porque sua ética é baseada no amor; o amor como tensão, realização, criação, transformação. O segundo procura honestidade antes de tudo nos outros, para melhor explorá-los em seu proveito. O primeiro pede que os homens pratiquem a honestidade, já experimentada por ele, para o benefício de todos. O segundo pede que os outros pratiquem a honestidade, que ele não conhece, para seu próprio proveito.

Referências

BERGSON, Henri. As Duas Fontes da Moral e da Religião. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. Le phenomene humain. Paris: Ed. du Seuil, 1955.

____. Hymne de l'univers. Paris: Seuil, 1966.

MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte. Tradução de José Fernandes. 3ª ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1979. vol. I.

NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e anti-humanismos introdução a antropologia filosófica. 11. ed. rev. e ampl. Petrópolis: Vozes, 1988.

____. Pessoa e amor segundo Teilhard de Chardin. São Paulo: Herder, 1970.

UBALDI, Pietro. Princípios de uma nova ética. 3ª ed. vol. 20. Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1988. 24 vol.