UMA POLÍTICA DE BASE ESPIRITUALISTA

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em mai. 2017


A primeira grande obra de Ubaldi, A Grande Síntese (GS), consiste de uma síntese do saber humano onde são abordados temas de diferentes ramos do conhecimento científico, filosófico, religioso, moral e social. Neste ponto iremos abordar um pouco da temática relativa às questões políticas e sociais.

Dentre os capítulos de A Grande Síntese que abordam diretamente o fenômeno político, podemos destacar:

Capítulo 76: Cálculo de Responsabilidades

Capítulo 79: Lei do Trabalho

Capítulo 86: Conclusões – Equilíbrios e Virtudes Sociais

Capítulo 90: A Guerra – A Ética Internacional

Capítulo 91: A Lei Social do Evangelho

Capítulo 92: O Problema Econômico

Capítulo 93: A Distribuição da Riqueza

Capítulo 94: Da Fase Hedonística à Faze Colaboracionista

Capítulo 95: A Evolução da Luta

Capítulo 96: Concepção Biológica do Poder

Capítulo 97: O Estado e sua Evolução

Capítulo 98: O Estado e suas Funções

Capítulo 99: O Chefe

Vamos tentar aqui fazer uma síntese das ideias presentes nestes capítulos, sem necessariamente seguir a ordem aí disposta. De início é preciso considerar as bases espiritualistas e evolucionistas do pensamento de Ubaldi, sem o que seu pensamento não pode ser compreendido. A realidade material não é a única existente e a esta é preciso acrescentar uma realidade espiritual, que evolui ao longo das eras e dos tempos, com o objetivo de alcançar a perfeição do espírito, tendo no Evangelho de Cristo seu mais importante guia, uma espécie de farol luminoso, cuja compreensão significará a realização do Reino de Deus na Terra: “o Evangelho, que colocamos no ápice da evolução das leis da vida” (UBALDI, GS, p. 132). A evolução é um conceito que aparece em todas as obras de Pietro Ubaldi. Evolução significa o caminho ascensional que o espírito deve percorrer cujo ponto de partida é a matéria “[...] depois da vida mineral, vegetal, animal, subindo sempre, até ao homem, ao seu espírito, ao seu mundo social e moral, até ao seu futuro em mais altos planos de existência” (UBALDI, 1984, p. 22). O conceito de evolução aparece, por exemplo, nas obras: A Grande Síntese (UBALDI, 1997), nos capítulos 15, 19, 23, 33, 35, 48, 61, 64, 74, 78, 82, 89, 95, 97; Ascese Mística (UBALDI, 1993), nos capítulos 2, 9 a 13; Queda e Salvação (UBALDI, 1984), nos capítulos 1, 8, 10, 11, 14, 18.

Em seu processo evolutivo o ser adquire a liberdade de escolha, de obedecer ou não obedecer a Lei de Deus, mas essa desobediência é acompanhada de responsabilidade, relativa ao grau de evolução. Um mesmo ato pode ter valor e significado diverso de acordo com os tipos humanos existentes e, por isso, o grau de responsabilidade também é relativo, vinculado ao nível evolutivo.

Existe uma Lei maior que não é apenas moral, mas que tem consequências para a vida social e comunitária cuja expressão máxima, em nosso mundo, se reflete na Boa Nova do Evangelho. Entre outras coisas essa Lei diz que “a cada um será dado segundo suas obras”, por isso é fácil compreender que existe um senso de responsabilidade para as ações humanas, diretamente vinculado a existência dessa Lei. O princípio da evolução que não é apenas material como pensou Darwin, mas igualmente espiritual, equaciona o problema da responsabilidade com os princípios de bem e mal. A evolução é um trabalho que deve ser realizado individual e coletivamente. Tal é o objetivo da vida, a sua função mais alta. Através da compreensão do fenômeno evolutivo é possível entender também como, uma vez reconstruído o passado, é possível calcular com uma certa precisão lógica e pelo princípio universal de causalidade, os fatos presentes e aqueles futuros, tanto do indivíduo quanto da coletividade.

Avançando um pouco mais na compreensão social do pensamento de Ubaldi, é preciso salientar como este apresenta uma concepção orgânica do universo onde as forças sociais correspondem a uma espécie de “alma coletiva” que em último grau corresponde ao Estado. A concepção orgânica do universo se desdobra em um conceito orgânico do Estado, como um organismo biológico coletivo, que evolui ao longo das eras, passando pela Idade Média, quando ainda não havia o Estado, até passarmos pela Revolução Francesa e chegarmos ao século XX. “Imaginai a força de um povo que se tornou organismo!” (UBALDI, GS, p. 143). Cada homem, mulher, jovem, criança, idoso são partes essenciais desse organismo e por isso, inevitavelmente devem se considerar como irmãos. Não se pode agredir a ninguém sem agredir a si mesmo e o organismo. Nesse entendimento, indivíduo e Estado se fundem de forma orgânica, mas sem anulação da identidade e da individualidade.

Este é o organismo situado no centro do organismo social, concentrador de poder dirigente de todas as funções de um povo. Compreendido dessa maneira como poder, ele é o órgão motor psíquico promotor e coadjutor das maturações biológicas, individuais e sociais, que vimos. Sua função é de formar o homem, de estimular as ascensões humanas; sua meta mais alta é criar no campo do espírito (UBALDI, GS, p. 139)

Os fenômenos sociais correspondem, por analogia, aos fenômenos biológicos. E em certo sentido é a mesma analogia da sociedade como um organismo do sociólogo Émile Durheim (2005) que encontramos em sua obra As Regras do Método Sociológico – inclusive vale ressaltar o conceito sociológico de consciência coletiva de Durkheim embora seja preciso ressaltar que seria preciso uma análise mais detalhada para ver até que ponto é possível estabelecer esta comparação. Para Ubaldi a sociedade humana equivale a um imenso organismo, sustentada por leis e equilíbrios de modo similar. Um imenso organismo com diferentes órgãos sociais (Estado, família, Igreja) cada um com sua função específica para o funcionamento do todo. E a própria História da humanidade deve ser entendida a partir de um funcionamento orgânico, uma realização progressiva de metas individuais e coletivas que se vão realizando dentro de um ciclo de nascimento e morte das civilizações, ciclos de maturação e esgotamento, de renascimento das civilizações como dos indivíduos.

A sociedade constitui uma forma orgânica que alcançou maior maturidade com o surgimento do Estado. Durante a Idade Média a existência era mais individualizante até chegar na modernidade a um ciclo de conquistas mais coletivas. A partir da modernidade, “Não se concebe mais o indivíduo isolado, mesmo se for santo, numa fuga mística da companhia humana, mas o indivíduo fundido nela em colaboração fecunda” (UBALDI, GS, p. 141).

Ao Estado compete as funções econômica e produtiva, social e moral, não como um poder central dominador como nas antigas monarquias, mas como um cérebro (função orgânica) de seu povo. O Estado é um organismo ético que deve absorver todas as atividades em função do principal objetivo que é a evolução da humanidade, dando-lhes conteúdo moral e social.

A primeira e mais importante função do Estado é ser instrumento de evolução. O Estado é o órgão base das ascensões humana e educar para este fim é a sua primeira tarefa substancial.

Pela altitude e intensidade com que tiver sabido educar, mede-se o valor de um governo. A pedra de toque de uma religião, filosofia, sistema político, é determinada pela quantidade de luz que tiverem sabido fixar na alma humana: reside na medida em que tenham conseguido tornar o homem melhor (UBALDI, GS, p. 143)

A teoria social ubaldiana apresenta um sistema que pretende ser universal, sem preconceitos exclusivistas de casta, nação ou raça e aceita fraternalmente qualquer tipo de crença, sem condenar nenhuma, desde que sincera e voltada para o bem. Endereça-se a todos os povos, de todos os tempos, de todas as nações. É uma visão universal que não se impõe ou antepõe este ou aquele sistema político, mas que pretende incluir todas as concepções políticas sãs, igualmente sinceras, que ajudem os povos a realizar o seu progresso individual e coletivo.

Tanto os povos quantos os indivíduos – afirma Sua Voz na mensagem de 1931 –, têm responsabilidade nas transformações históricas, e seguem um curso lógico, “um encadeamento de causas históricas que, se são livres nas premissas, são necessárias nas consequências”.

Referências Bibliográficas

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2005.

UBALDI, Pietro. A Grande Síntese – síntese e solução dos problemas da ciência e do espírito. 18. ed. Tradução de Carlos Torres Pastorino e Paulo Vieira da Silva. Fraternidade Francisco de Assis, 1997. (Obras completas de Pietro Ubaldi, vol. 2).

____. Ascese Mística. Tradução de Rubens C. Romanelli, Clóvis Tavares e Jerônimo Monteiro.  5. ed. Rio de Janeiro: Fraternidade Francisco de Assis, 1993. (Obras Completas de Pietro Ubaldi, vol. 4.)

____. Grandes Mensagens e Pietro Ubaldi e o III Milênio. 6. ed. Tradução de Clóvis Tavares. (Obras completas de Pietro Ubaldi, vol. 1).

____. Queda e Salvação. 3. ed. Campos dos Goytacazes, RJ: Instituto Pietro Ubaldi, 1984. (Obras Completas de Pietro Ubaldi, vol. 19.)